Falar de Humberto Eco é pensar imediatamente no grandioso “O nome da rosa”. Não poderia ser diferente: o livro foi vendido aos milhões, traduzido em mais de 40 línguas, transformado em superprodução cinematográfica e até em videogame.
Tendo criado uma combinação genial de romance policial e obra de erudição, Eco conseguiu fazer de sua obra não só um gênero literário original, como uma referência cultural universal. E o principal: numa linguagem elaborada, mas acessível a todos.
Entretanto, é importante deixar claro que a imensa obra desse mestre da literatura contemporânea contempla muito mais que um único best-seller. Eco, com seus livros, nos presenteia com uma verdadeira lição de literatura que merece ser conhecida e apreciada por todos os amantes de uma boa história.
Nascido em Alexandria (05 de janeiro de 1932), Humberto Eco é escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano de fama internacional. É titular da cadeira de Semiótica (aposentado) e diretor da Escola Superior de ciências humanas na Universidade de Bolonha. Ensinou temporariamente em Yale, na Universidade Columbia, em Harvard, Collège de France e Universidade de Toronto. Trabalha também como colaborador em diversos periódicos acadêmicos, dentre eles colunista da revista semanal italiana L’Espresso, na qual escreve sobre uma infinidade de temas.
Um jovem de 80 anos
No início deste ano, Humberto Eco completou 80 anos. E que ironia pensar que a atividade pela qual Eco é, hoje, conhecido no mundo inteiro iniciou-se quase como hobby – ou “por puro tédio”, como reza a lenda. É, assim são os grandes feitos da vida. Impossível imaginar que algo que se inicia sem profundas expectativas, possa render tantos frutos como, algumas vezes, vemos na trajetória de ilustres personalidades.
Parece que a ingenuidade nas intenções e a leveza em lidar com as situações de conflito são fundamentais para que “as coisas aconteçam”. Sobrecarregar uma ideia pode ser prejudicial no desenvolvimento de algo que pode e muito prosperar. Talvez essa tenha sido a grande “sacada” inconsciente de Eco.
O website DW, na reportagem de Augusto Valente, conta que por ocasião do 80º aniversário de Eco, foram lançadas em inglês e alemão suas Confissões de um jovem romancista. O título é desconcertante, mas justificável: como alguém que começou a atividade de autor de ficção aos 50 anos de idade, até alguns anos atrás ele se considerava “um romancista ainda jovem e seguramente muito promissor”. Depois do sucesso de Baudolino, O pêndulo de Foucault, A ilha do dia anterior e O cemitério de Praga, ele ainda pretende apresentar muitas novas obras, nas próximas décadas. Embora se defina, até hoje, como um “amador”.
Humberto Eco, um romancista ainda jovem e seguramente promissor e ainda amador? Só os excêntricos ousam tanta irreverência e sedução. De fato, soa gracioso, desprovido de vaidade e finalizado com uma pequena dose de humildade. Será mesmo verdade que Eco pense assim? Duvido. A essência de tudo isso é o orgulho (merecido) pelo caminho percorrido até os 80 e muitos mais que virão.
Idade Média versus Mundo Contemporâneo
Eco começou os estudos de Filosofia e História da Literatura em 1948, na Universidade de Turim. Oito anos mais tarde, ele escolhia a estética do teólogo São Tomás de Aquino (1225-1274) como tema para sua dissertação. Desde então, a paixão pela época medieval nunca mais abandonou Umberto Eco.
Eco, em certa ocasião, fez um paralelo “muito particular” entre a Idade Média (O nome da rosa) e o mundo contemporâneo. Ele explica que com a Idade Média ele estabelece um contato profundo, através dos livros, dos registros em arte e arquitetura, de suas próprias reflexões e viagens pela Europa. Já os dias de hoje, por outro lado, só conhece pela televisão.
Será que com essa afirmação Eco de define como um Eremita, aquele que se isola de tudo e de todos e viaja pelas eras passadas em busca de conhecimento? Sim, porque se fossem atuais, perderiam o sentido, o romantismo, o mistério que as tornam acessíveis e óbvias demais.
Essa é a irreverência de Humberto Eco. Algo marcado especialmente por duas de suas características: o humor – quem o conhece de perto sabe que ele adora rir – e sua originalidade como pensador, a ruptura com os conceitos convencionais sobre a cultura, aquele que destrói paradigmas.
Culturas
“Já em Obra aberta, de 1962, que lhe rendeu fama imediata como teórico brilhante, ele lançava uma tese então inédita: longe de ser uma entidade fechada em si, toda obra de arte que merece esse nome passa a existir no contato com o receptor, e renasce a cada nova interação com um novo espectador ou ouvinte. A fruição artística é, na verdade um diálogo”.
Eco fala do poder da imagem que transforma tanto o criador quanto o admirador, tomados pelo movimento estabelecido nesse espaço potencial da subjetividade, local onde se dá o sentimento que conduz a emoção do prazer.
“A cultura segundo Eco é permeável, liberal. Como intelectual e teórico, sua função é sempre olhar por cima do muro das verdades prontas. Acima de tudo, ele rejeita a divisão entre a alta e a baixa cultura – ou, pelo menos a tradicional hierarquia, segundo a qual a cultura popular seria inferior”.
O escritor percebe a importância da experiência cultural, da riqueza encontrada na diversidade, uma outra forma de dar qualidade à experiência vivida. Universos subjetivos diferentes prosperam porque saem da mesmice do igual, do padrão a ser seguido pelas massas hierarquizadas. E o que, de fato, importa, é o espaço de mediação entre culturas. É nesse vai e vem de ideias que conseguimos a verdadeira liberdade cultural.
Um homem de família
Conta a reportagem que apesar de todo o inconformismo intelectual, Umberto Eco é um pacato homem de família. Desde 1962 é casado com a alemã Renate Ramge – especialista em museologia e arte –, com quem tem um filho e uma filha.
Outra informação, no mínimo, surpreendente é que entre os paradoxos que envolvem o escritor, está o fato dele jamais ter morado muito longe de sua cidade natal, no norte da Itália. Isso, apesar de viajar por todo o mundo e de circular livremente pelas principais universidades e outras instituições culturais.
Humberto Eco, intelectual, homem de família, eremita? Quantos termos mais poderiam nomeá-lo? Difícil dizer…Talvez a frase, de sua autoria, o defina com mais clareza:
“Alguém que é feliz a vida toda é um cretino; por isso, antes de ser feliz, prefiro ser inquieto”.
Referências
VALENTE, A. (2012). Umberto Eco e os 80 anos de um filósofo que escreve romances. Disponível Aqui. Acesso em 29/05/2012.