Quem vê dona Therezinha abrindo a porta de sua casa, não imagina a fortaleza que se esconde por trás daquela mulher. Corpo miúdo, olhar tranquilo, semblante em paz, um sorriso e um abraço sempre acolhedores. Uma disposição que contagia todos ao seu redor é a sua marca registrada. “Não tenho preguiça”, disse diversas vezes na entrevista que me concedeu em seu apartamento nos Jardins, bem próximo da avenida Paulista, em São Paulo.
Texto e fotos de Maria Lígia Pagenotto
É lá na região, aliás, que ela gosta de circular. Não se imagina morando num lugar em que não possa se deslocar com facilidade e autonomia para ir ao banco, à padaria, ao mercado.
Essa falta de preguiça e um olhar sempre curioso e apaixonado pela vida são, certamente, parte do segredo que a mantém jovem e animada aos 79 anos – idade que, vale lembrar, não aparenta de jeito nenhum.
A seguir, um pouco da trajetória de Therezinha de Jesus Loureiro Ferreira, mãe de dois filhos (a psicóloga Nádia e o engenheiro e administrador de empresas André) e casada há 49 anos com o engenheiro agrônomo Cláudio, de 78 anos. Ela é ainda sogra de Ana Alexandra, professora de inglês, e avó de Leonardo, de 15 anos.
Sei que a senhora foi professora por muitos anos. Conte um pouco sobre essa experiência.
Sim, lecionei ao todo por quase 35 anos. Eu me formei pela Universidade de São Paulo (USP), em geografia e história. Nasci na capital paulista, mas fiz um concurso e, pela minha colocação, escolhi para lecionar na cidade de Serra Negra, que é próxima de São Paulo. Foi a forma que encontrei para ficar perto de minha família e seguir com a profissão que eu queria. Depois disso, trabalhei na Secretaria de Educação, já de volta à São Paulo, na comissão de concursos para os professores.
E como era sua vida em Serra Negra?
Eu morava num hotel, junto com outras professoras, e vinha todo final de semana para São Paulo. Foi lá que conheci meu marido, em 1958. Em 1962, nos casamos. Antes disso, em 1961, eu voltei a morar em São Paulo. E, quando casei, meu marido queria que eu morasse lá na fazenda da família, em Serra Negra. Mas não quis.
Por que a senhora não quis ir para a fazenda?
Ah, porque minha casa ia virar uma pensão (risos). A fazenda era do meu marido e dos seus irmãos. Aos finais de semana eles, naturalmente, iam para lá, com suas famílias. Achei que ia ter muito trabalho com a casa. Conversei com minha sogra, meu marido, e eles concordaram. Fiquei morando na cidade. Mas meus filhos nasceram em São Paulo, porque eu tinha mais segurança na saúde daqui. Trabalhei também em Águas de Lindóia, na região. Quando retornei a São Paulo, em 1969, trabalhei organizando concursos na área de educação, no Estado de São Paulo.
A senhora se aposentou quando?
Eu me aposentei em 1986, depois de 34 anos e meio de magistério!
Gostava de lecionar?
Ah, eu adorava. Gostava dos alunos, me dava muito bem com os jovens. Acho que minhas aulas agradavam também, pois creio que eu sabia motivar o aluno para ele aprender. Sempre usei trechos de filmes, livros, notícias nas aulas. Nunca ensinei a decorarem nada. Motivava para que fixassem o aprendizado. Tenho ex-alunos em Serra Negra que são médicos, dentistas. Eles me cumprimentam na rua, onde me encontram. Acho muito gostoso isso.
Quando parou de dar aulas a senhora se dedicou a outra atividade?
Fui, durante 13 anos, assistente do secretário de abastecimento, ocupando um cargo de confiança. Isso foi em 1992, quatro anos depois de me aposentar do magistério.
Não pensou em ficar em casa depois da aposentadoria?
Ah, não… quando se trabalha fora, acostuma-se com essa vida. Acho o convívio diário com outras pessoas muito benéfico. Na pasta do abastecimento, eu lia processos, redigia correspondências. Gostava muito dessa atividade também. Acredito que o trabalho só faz bem as pessoas. É muito importante, aliás, estar bem focada na atividade que se escolheu para exercer.
E quando a senhora deixou esse cargo?
Fui exonerada aos 70 anos. Fiquei abalada, pensando por que será que eu deixei de merecer a confiança do secretário. Mas era um período de mudança de governo. Eu saí para entrarem outros no meu lugar, dividindo o meu salário. Acabei aceitando.
Depois disso se dedicou à casa?
Não muito… (risos). Minha filha abriu uma loja de roupas para bebê e eu ajudava ela, atendendo, cuidando da loja. Foram cerca de mais uns dois anos nessa função. Ao todo tenho 50 anos fora de casa. Mas dentro, como dona de casa, também tenho muito trabalho, sempre tive, mesmo tendo ajuda. É preciso organizar as coisas todas, supervisionar, tomar providências. Sempre fiz isso. Parei de trabalhar fora em 2007. E sinto falta… não sou de ficar no telefone, batendo papo, embora ligue sempre para meus familiares. Mas sou rápida, objetiva. Também não gosto de ficar muito na televisão, muito menos vendo lojinhas, fazendo compras. Por isso estranho ficar em casa, embora, sempre que eu possa, viajo muito. É um grande prazer meu viajar, aliás.
Conte um pouco dessas viagens.
Tive sorte de viajar bastante. Meu marido viajava muito a trabalho e, nas férias, eu o acompanhava sempre. Dava um jeito de ir, porque gostava mesmo. As crianças ficavam com os avós. Viajamos para muitos lugares, quase toda a Europa, o Oriente, lugares do Oriente Médio. Fui para Irã, Iraque, Líbano, Japão, Índia, China, Tailândia, Dinamarca, Finlândia, entre tantos outros lugares. Acho tudo isso muito interessante. Talvez por ser professora de geografia as viagens tenham para mim ainda mais importância. Agradeço muito as chances todas que tive de viajar, pois pude ver ao vivo muita coisa que só sabia pelos livros. Sou muito curiosa, quando viajo, seja para qualquer lugar, observo tudo, quero ficar o máximo de tempo acordada, aproveitando toda a cultura, as informações. Não tenho preguiça de ir aos lugares, ver os museus, desfrutar da cultura de um país. Gosto de sentir a presença de Deus nas viagens e também dos homens, ver o que ele construiu, sua marca, a história. Só não sou muito de experimentar comidas típicas, acho que tenho um certo receio de não me dar bem (risos).
Fale um pouco da sua família
Ao todo, somos em 6 irmãos, todos vivos. Meu pai era português e minha mãe, filha de portugueses. Ela nunca trabalhou fora de casa, mas tanto minha mãe como meu pai sempre deram aos filhos muitas oportunidades de se desenvolver. Acho que aproveitei bem isso tudo que recebi.
Seus pais tiveram vida longa?
Nem tanto. Meu pai viveu até os 72 anos e minha mãe até os 82. Tenho uma irmã de 85 anos, que é a mais velha. Eu sou a segunda filha.
Todos são assim animados e dispostos como a senhora?
(Risos). São sim. Essa minha irmã mora no Jaçanã (zona norte de São Paulo) e vem me visitar sempre aqui. Vem de ônibus e metrô, sozinha.
A sua família é bem unida?
Muito, graças a Deus! Acho isso muito importante. E isso é uma vitória dos meus pais. De todos nós, também, que fazemos questão de preservar essa união. Nunca houve atritos entre a gente, eu me relaciono bem com meus cunhados, sobrinhos, primos, sobrinhos-netos. Estamos sempre nos falando, visitando um, visitando outro, nos ajudando. Acho que uma família unida é a base de tudo.
Como é seu convívio com os filhos, o neto?
Somos muito próximos, nos falamos todo dia e nos finais de semana meu filho vem com a família almoçar aqui. Gosto muito do meu neto, somos bem amigos, ele ficava muito comigo quando era menor. Mas agora ele está adolescente e já vem menos para cá.
A senhora tem proximidade com a tecnologia?
Nunca me dei muito bem com máquinas. Nem com televisão acerto muito. Gosto mais de ler bons livros. Sei que é uma falha minha não chegar perto de um computador, mas não tenho muito interesse.
O que a senhora pensa sobre o envelhecimento?
Acho que me preparei de certa forma para a velhice… Aceitei as mudanças todas, fui me adaptando a elas. Penso que isso é essencial, senão sofremos muito. Gosto da vida que tenho, me sinto muito bem com minha idade.
Que balanço a senhora faz de sua vida até agora? Quais os momentos de maior felicidade que já teve?
Foram muitos momentos de alegria. Ressalto a união da família no dia-a-dia, que acho fundamental. E, claro, o nascimento dos meus filhos. Esse é um ponto alto! Assim como a formatura deles, os casamentos… tudo é muito bom de lembrar.
E os momentos desagradáveis, quais chamam mais sua atenção?
Todas as perdas que tive de enfrentar. São momentos muito amargos, mas sei que fazem parte da vida. Acho que lido bem com isso, apesar da dor.
A senhora é religiosa? Acha que ter fé ajuda nessas horas?
Sou católica, rezo sempre, vou à missa. Mas não sou carola. Peço paz, saúde, harmonia no nosso lar. Com certeza a religião ajuda muito na vida! Tenho muita esperança, acredito numa evolução da alma, não temo a morte. Amo muito a vida, mas não temo a morte.
Nesses anos todos que já viveu, o que mais chama sua atenção em termos de mudanças no mundo?
A valorização do papel da mulher é uma coisa muito importante. Isso mudou muito desde que eu era moça até hoje. Também dá para notar que o país cresceu, se industrializou, se desenvolveu. A cultura cresceu de forma geral. Embora eu ache que ultimamente nosso país anda meio feinho… acompanho sempre a política, não gosto de muita coisa que vejo.
E conte qual o segredo dessa sua disposição invejável!
Ah, acho que é o amor à vida. É preciso gostar do que se faz, fazer tudo com amor. E, claro, tenho boa saúde também e falta de preguiça (risos). Tenho uns probleminhas aqui e ali, mas eu controlo bem, sou muito disciplinada. Tudo o que os médicos me dizem para fazer, eu sigo à risca. Mas nunca tive nada grave. Só fiz duas cirurgias, que foram as cesáreas. Nunca dirigi automóvel, então sempre caminhei muito. Acho que isso colabora para a saúde também, não sinto cansaço.
E sua alimentação, como é?
Como o trivial, um pouco de tudo: muitos legumes, frutas. Evito sal, frituras e doces. Gosto muito de doces, mas sei que não faz bem exagerar, então me abstenho sem sofrimento. Aprendi a me controlar pela saúde.
Qual seu grande sonho ainda por realizar?
Tenho muitos planos de viagem: ir para a Rússia, por exemplo, é um grande desejo. Fui para parte do leste europeu, mas não conheço a Rússia. Também quero ir à Terra Santa. Estive próxima de lá, mas não pude chegar perto, porque é uma zona de muitos conflitos e, quando viajei para a região, era um momento crítico. Ultimamente quem me acompanha mais nas viagens é a Nádia, uma grande companheira, já que meu marido perdeu um pouco essa disposição.