Quem quer saber de velho? A TV brasileira vem colocando na geladeira talentos que são descartados pelo fator idade, como foi o caso do Jô Soares, Renato Aragão, Trajano, entre outros. O nome disso é idadismo, que é a atitude preconceituosa e discriminatória com base na idade, principalmente em relação a pessoas idosas.
Jô Soares foi para a geladeira. Juntou-se a Renato Aragão, Trajano e tantos outros talentos descartados pelo fator idade. Sílvio Santos adoraria ter uma geladeira como esta à sua disposição, mas a Globo mantém a geladeira fechada, porque sabe que ali jaz talento…
O título deste artigo foi claramente surrupiado de Valter Hugo Mãe, A Máquina de Fazer Espanhóis, livro maravilhoso que recomendo a todos os artistas idosos como leitura de geladeira. E estendo a recomendação a você e a todo ser pensante de qualquer idade. O livro é ótimo e não ganho nada para indicá-lo aqui.
Se não quiser comprar o livro, por questões de grana, você pode ler gratuitamente a dissertação “A máquina de fazer velhos: a literatura como objeto de reflexão sobre o envelhecer ”, que faz uma belíssima alusão ao livro do começo ao fim, da jornalista e agora mestre em Gerontologia pela PUC-SP, Maria Antonia Demasi.
Quando começo a ler um livro, imagino como a história se desenvolverá. Pensei A Máquina de Fazer Espanhóis como uma TV, tipo máquina de fazer doido, máquina de alienação, ópio do povo, essas coisas. Nada a ver. O autor, português, é mil vezes mais criativo e não faria uma brincadeira tola com seus vizinhos. Melhor para seus leitores, mas me ajudou a ver que a TV, além de burra, é capaz de, em nome da estética, triturar artistas talentosos pelo fator idade como A Máquina…
Adoro TV. Passo horas diante de uma tela grande (telinha é coisa do passado). Gosto especialmente de assistir a filmes e futebol. Mas como tenho uma queda especial por comédias, programas humorísticos também roubam minha atenção.
Gosto do papel de “cearense gaiato” exercido por Renato Aragão. Didi fez escola com seu humor abestado. Como nunca foi galã e se aliou a uma trupe de palhaços talentosos mas sem a estética da TV, produtores e diretores abusaram de muletas e escadas para mantê-los no ar.
O talento raramente vem embalado em papel de presente. Na Escolinha do Professor Raimundo, havia a gostosa que apagava o quadro antes do intervalo. Já Os Trapalhões abusava das princesas e dos bombados. Juventude e beleza é o que interessam, o resto não tem pressa, diria Paulo Cintura lá do fundo da geladeira ao lado de Dedé Santana.
Talento é uma coisa que se apura, melhora, enriquece com o passar dos anos. Então, por que Didi parou? Didi jamais parou. Aos 82 anos, Renato Aragão, o Didi, continua cheio de sonhos e projetos saltimbancos. É uma formiga atômica. Mas para a TV, a idade pesa. Existe até nome para isso: idadismo, termo ainda timidamente usado no país derivado do inglês “ageism”, que significa preconceito contra pessoas mais velhas.
Pergunte ao diretor/produtor do Criança Esperança porque Didi, símbolo do programa, perdeu o posto de MC depois de quase 30 anos no comando? Ele certamente fará pose de bonzinho/preocupado e dirá que é emoção demais para o velhinho, que o afastou para o bem dele, para preservar a vida do Trapalhão que está com o coração fragilizado e tal… Idadismo.
Faça a mesma pergunta para Didi e verá que ele prefere morrer sobre um palco e o coração que aguente. Afinal, sr. diretor/produtor, qualquer um pode ter um ataque cardíaco, pois independe de idade. E esse tipo de emoção, é bom que se diga, é o motor que impulsiona os Didis.
Renato Aragão sofre mais vendo seu Didi de fora, pode ter certeza. Ele e todos os artistas que – por ter menos visibilidade ninguém fala – sofrem muito na geladeira. Esse tipo de geladeira não preserva, mata.
Resolvi escrever este artigo quando me peguei pensando porque resolveram empurrar meu querido Trapalhão mais para o fundo do refrigerador? Descobri quando vi Jô na porta. A Globo precisava de espaço para enfiar o Gordo na geladeira.
O diretor/produtor é capaz de jurar que tirou o programa da grade com a melhor intenção. Afinal, trata-se de um programa lucrativo. Mais do que qualquer um desses programas que imitam o Gordo. Nenhum chega nem aos pés em faturamento e qualidade embora seus apresentadores sejam belos, jovens e até engraçados.
O programa foi descontinuado (descontinuado significa acabou) pensando em primeiro lugar na saúde do Gordo. Logo, Jô deveria ser grato e encarar seu afastamento como um prêmio.
O nome disso é idadismo, mas acho que já disse isso, não?
Pergunte a opinião do Jô. Sentiu-se traído, apunhalado pelas costas, sacaneado. Por isso, no último programa, diante de executivos e burocratas que estavam na plateia para prestigiá-lo, homenageá-lo com um pé-na-bunda, Jô, humildemente, agradeceu… a quem? Agradeceu a Sílvio Santos!
A plateia global riu como se o Gordo tivesse soltado mais uma pérola. Não era piada. Jô pensou muito antes de tirar Sílvio Santos da cartola.
Quando apresentou uma proposta de talk show ao estilo David Letterman, a Globo riu, não levou o Gordo a sério. Sílvio Santos teve outro comportamento. Deu ao Gordo condições de trabalho que mudaram sua vida.
Por falar em Sílvio Santos, alguém consegue imaginá-lo no comando de um programa global? Pela estética da emissora Sílvio estaria congelado.
Sílvio Luiz teria chance de comentar seja lá o que for na Globo ao lado de Boris Casoy, mesmo tendo uma garota bonita e talentosa na bancada? Só quando galinha criar dentes, diria minha avó.
A Globo se dá ao luxo de manter uma geladeira grande e cheia de talentos. Idoso só entra na grade se demostrar força e energia suficientes para superar os jovens do elenco. A Globo ainda insiste na estética do velho com espírito jovem. Negar a velhice é… Idadismo.
A ditadura da estética reina na TV aberta e fechada. Vamos ao Trajano, um dos fundadores da ESPN Brasil. Trajano achou que tinha cadeira cativa. Que o canal seria eternamente grato ao seu trabalho. O que Trajano não percebeu é que, ao envelhecer, deixou de ser a cara do canal. Depois de 21 anos de trabalho recebeu um pé-na-bunda vergonhoso.
No Linha de Passe Mesa Redonda, Trajano não sentava na cabeceira da mesa, mas era o fio condutor. Mostrava independência, pegava firme na crítica, esbanjava clareza nas colocações e polemizava com os colegas. Incomodava. Um belo dia recebeu uma homenagem dos “engraçadinhos” da emissora, os mesmos que ele chamava a atenção quando falavam “um monte de asneiras”. Em coro, disseram tchau Trajano. Alguns com lágrima nos olhos.
Procurou-se motivos para a demissão. Oficialmente, contenção de despesa. Trajano acha que foi demitido por conta de sua posição política. O mais provável é que a demissão seja fruto de… Idadismo. Trajano foi demitido no mês do seu aniversário de 70 anos. Hora de ir para casa, melhor, para a geladeira.
Mas na geladeira Trajano não fica, pois só a Globo tem geladeira própria. Trajano está livre para fazer o que bem entender da vida (mas o que ele queria era fazer parte da bancada da emissora que ajudou a fundar). O Canal Brasil o contratou para apresentar um programa com o sugestivo nome de José Carioca. Trajano tem ainda um projeto de comentar jogos na Internet em um canal próprio. A vida segue. Dentro ou fora da geladeira, artista que é artista se reinventa e não entrega os pontos facilmente, porque se entregar congela, morre.
Outro dia uma colaboradora do Portal o Envelhecimento teve a ideia de apresentar para uma emissora de TV uma proposta de programa gerado por idosos para idosos, afinal, quem é que assiste TV hoje? Quem estava do outro lado da mesa, uma pessoa para lá dos seus 65 anos, riu e disse: quem quer saber de velho?
Como é mesmo que chamamos isso? Idadismo.
Para conhecer o que é Idadismo
Idadismo, Ageísmo e Preconceito Etário é a atitude preconceituosa e discriminatória com base na idade, principalmente em relação a pessoas idosas. Levantamos alguns textos que ajudam o leitor a entender um pouco mais este conceito:
SOUSA, Ana Carla Santos Nogueira de; LODOVICI, Flamínia Manzano Moreira; SILVEIRA, Nadia Dumara Ruiz, ARANTES, Regina Pilar Galhego. Alguns apontamentos sobre o Idadismo: a posição de pessoas idosas diante desse agravo à sua subjetividade. Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento, Porto Alegre, v. 19, n. 3, pp. 853-877. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/RevEnvelhecer/article/view/50435/33290
GUIDES, Ana Carla Nogueira de Sousa. O idadismo sob a escuta dos idosos: efeitos de sentido e a utopia de um novo envelhecer. Dissertação de Mestrado, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/12470
ROZENDO, Adriano da Silva. Ageísmo: um estudo com grupos de Terceira Idade. Revista Kairós Gerontologia, 19(3), pp. 79-89. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/31558/22007
VIEIRA, Yasmine Oliveira, PIERDONÁ, Natália, DUARTE, Josiane Aparecida, BEZERRA, Armando J. C., GOMES, Lucy. Estereótipos dos idosos retratados nos Desenhos Animados da filmografia ocidental. Revista Kairós Gerontologia, 19(3), pp. 91-112. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/31554/22006