A realidade virtual parece estar atraindo empatia e atenção dos cuidadores familiares e funcionários de casas de repouso fora do país, mostrando o que um idoso pode estar passando com um diagnóstico específico, como a doença de Alzheimer. Mas será que isso não reproduz preconceitos em relação ao envelhecimento, ao não levar em conta as velhices plurais?
Recentemente li uma matéria sobre treinamento de cuidadores de idosos por meio da realidade virtual que me chamou muita atenção. O objetivo não é promover a empatia, mas “fazer com que os funcionários aprendam novas dimensões do treinamento no trabalho, como diminuição de medos no final da vida e aumento da atenção aos idosos e dos cuidadores, como assinalou Carrie Shaw, CEO da Embodied Labs, a empresa que está usando essa tecnologia imersiva para treinar sua equipe de cuidadores.
CONFIRA TAMBÉM:
A tecnologia vem sendo cada vez mais usada quando se fala em envelhecimento. Não se trata da tecnologia assistiva, aquela que identifica todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com alguma deficiência (por exemplo mobilidade reduzida), e consequentemente promover autonomia e inclusão, como bengala, andador, barra de apoio, assento para aumento do vaso sanitário e tapete antiderrapante, para citar alguns.
Isso porque ao longo da vida, por causa de algumas habilidades funcionais afetadas, nossas atividades e tarefas do cotidiano, como comer, escovar os dentes, andar e escrever podem ficar comprometidas, prejudicando nossa autonomia e causar dependência na pessoa idosa, impactando fortemente em sua qualidade de vida. Assim, as tecnologias assistivas sempre foram para promover ou melhorar a inclusão social e autonomia.
Mas agora estamos falando da realidade virtual, tecnologia de interface entre uma pessoa e um sistema operacional através de recursos gráficos 3D ou imagens 360º, cujo objetivo é criar a sensação de presença em um ambiente virtual diferente do real. Foi o que fez a empresa Embodied Labs, que desenvolveu um produto especificamente para treinamento de funcionários, que consiste em uma simulação de 30 minutos de personagens fictícios que sofrem de Alzheimer, demências, degeneração macular e / ou perda auditiva de alta frequência. Atualmente, 50 unidades estão usando a realidade virtual.
A incorporação de tecnologias virtuais em serviços de saúde vem sendo tema na gestão em saúde, mas essa experiência virtual, diretamente dos cuidadores, é uma das primeiras do gênero, a qual mostra aos usuários desde o diagnóstico de uma condição terminal ou debilitante, passando pelo gerenciamento da condição na sua vida diária, até o fim da vida.
Daryl Cady, CEO da Hospice of Southern Maine, achou o treinamento retratando demências tão bom que o tornou uma exigência para todos os funcionários. Assim, os funcionários puderam se colocar no lugar de um paciente com início precoce de Alzheimer. Em Durham e Greensboro, os centros de assistência à demência estão descobrindo que uma simulação que leva os cuidadores à jornada de um personagem fictício (como perder a visão e a audição) leva os cuidadores a serem mais atentos e empáticos.
Perguntamos, e como pensar nas velhices singulares? O artigo reconhece algumas críticas de tal tecnologia imersiva, afirmando que é muito cedo para ser usado em ambientes de atendimento a idosos sem saber como os centros de saúde a adotarão. Mas outros a veem como uma ferramenta essencial que só será aprimorada com precisão.
A mesma crítica vem sendo feita ao simulador da velhice ou simulador geriátrico, que não é virtual, mas física mesmo, ao permitir que as pessoas mais jovens experimentem pessoalmente mudanças físicas relacionadas à idade, ao replicar os efeitos físicos do envelhecimento no corpo: deficiência visual, intervalo de movimento restrito, diminuição da mobilidade, postura inclinada, perda de sensibilidade nas mãos, rigidez articular, perda de força, fadiga, mudança na imagem corporal, diminuição do sentido de equilíbrio, e confusão.
Diferente da realidade virtual, que visa ensinar aos cuidadores novas dimensões do treinamento no trabalho, como diminuição de medos no final da vida e aumento da atenção aos idosos e dos cuidadores, o objetivo dos simuladores da velhice é desenvolver empatia e sensibilidade para com os idosos, diminuindo assim os preconceitos. Mas, pergunta-se: o efeito não será justamente o contrário, o deles reforçar a ideia de uma velhice homogênea (e não plural), e uma associação da velhice a perdas e a doenças, tendo como consequência a reprodução de representações da velhice negativada, ou seja, aumentando o preconceito em relação à velhice?
Referências
Bryant B. “Virtual Reality Helps In-Home Caregivers Experience Dementia, Dying.” Home Health Care News. January 23, 2019. Disponível em: https://homehealthcarenews.com/2019/01/virtual-reality-helps-in-home-caregivers-experience-dementia-dying/. Acessado em: 26/10/2019.
O objetivo da oficina promovida pelo Espaço Longeviver é contribuir para melhorar a qualidade de vida de pessoas idosas, por meio do desenvolvimento de atividades de estimulação cognitiva de forma alegre e divertida. Inscrições abertas:
https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/oficina-estimulacao/