A acessibilidade não é um direito apenas das pessoas com deficiência, mas, também, das pessoas com mobilidade reduzida, entre as quais, estão 12,1% da população representadas por idosos, que cotidianamente enfrentam barreiras arquitetônicas nas edificações, nas vias públicas, nos transportes e no acesso aos serviços, além de barreiras atitudinais que ocorrem pela discriminação, segregação e exclusão social.
Sonia Cristina Rovaris * Foto: Ascom MPBA
Acessibilidade, atendimento prioritário, educação inclusiva, vagas em concurso público e interdição parcial foram questões discutidas durante a edição regional do workshop “Todos Juntos por um Brasil mais Acessível”, promovido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), através do Núcleo de Atuação Especial em Acessibilidade (NEACE) da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais (CDDF). O evento foi realizado nos dias 28 e 29 de agosto na sede do Ministério Público Estadual da Bahia, cidade de Salvador.
Durante o evento foi chamado atenção sobre a dívida do Estado brasileiro com 45 milhões de pessoas, ou seja, 24% da população total (IBGE, 2010) que apresentam algum tipo de incapacidade ou deficiência. A acessibilidade não é um direito apenas das pessoas com deficiência, mas, também, das pessoas com mobilidade reduzida, entre as quais, estão 12,1% da população representadas por idosos, que cotidianamente enfrentam barreiras arquitetônicas nas edificações, nas vias públicas, nos transportes e no acesso aos serviços, além de barreiras atitudinais que ocorrem pela discriminação, segregação e exclusão social.
As explanações trilharam no sentido de desconstruir a visão equivocada de que a deficiência ocorre em relação à pessoa e que a acessibilidade é disponibilizar rampas e banheiros com barras, quando envolvem uma série de itens que precisam ser respeitados para que os espaços e serviços estejam acessíveis a qualquer pessoa.
Exemplos podem ser observados nos espaços públicos (calçadas, travessias e guias rebaixadas, estacionamentos, vegetação, sinalização tátil e mobiliário urbano), nas edificações (acesso e circulação, portas, rampas, escadas, plataforma vertical, banheiros, ambientação, áreas de esportes, lazer, etc), os quais devem ser concebidos dentro do conceito do desenho universal, obedecendo à legislação (federal, estadual e municipal), que determinam o que deve ser acessível (Leis federais nºs 10.048/00; 10.098/00; 10.257/01; 10.741/03; Decreto nº 5.296/04) e das normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), como a NBR 9050:2004, que mostra tecnicamente a aplicabilidade das normas.
De acordo com o Guia de Orientação sobre o direito a Acessibilidade, o conceito de Desenho Universal, encontra-se definido no Decreto nº 5.296/04, como sendo a “concepção de espaços, artefatos e produtos que visam atender simultaneamente todas as pessoas, com diferentes características antropométricas e sensoriais, de forma autônoma, segura e confortável”; sendo que a definição da NBR 9050:2004, complementa com vista a “atender a maior gama de variações possíveis das características antropométricas e sensoriais da população”.
Este documento destaca como princípios básicos do desenho universal: a) o uso equitativo (utilizado por pessoas com habilidades diversas; b) o uso flexível (acomoda uma ampla faixa de preferências e habilidades; c) o uso simples e intuitivo (fácil compreensão e independente de experiência); d) informação de fácil percepção (comunica a informação de modo claro e independente de habilidades específicas; e) tolerância ao erro (minimiza os efeitos de riscos e erros); f) baixo esforço físico; e g) dimensão e espaço para aproximação e uso (permite a aproximação, o alcance e uso, independente das características do usuário) (NEACE, 2014).
Assim, para que uma edificação ou espaço seja considerado acessível é necessário que ele tenha sido projetado e executado em conformidade com as exigências legais, não sendo considerados locais mais ou menos acessíveis ou acessibilidade moderada, pois um espaço é, ou não, acessível.
A partir das discussões foi possível perceber que muitos obstáculos enfrentados por pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida poderiam ser evitados se as pessoas estivessem ligadas quanto o respeito à acessibilidade, desenvolvendo atitudes que elevem o reconhecimento dessa prática.
Todos nós em algum momento da vida, precisamos de acessibilidade, por exemplos, uma gestante ao subir no ônibus; um idoso com mobilidade reduzida para atravessar a rua; uma pessoa com baixa estatura que busca alcançar um telefone público ou retirar um copo para beber água; uma pessoa surda-muda que precisa se comunicar através da Língua Brasileira de Sinais (libras, segunda língua brasileira, oficializada através do decreto 5.626/2005); um cadeirante que não consegue subir uma calcada porque não tem rampas, ou porque um carro estacionou na frente dela, entre tantas outras barreiras que aprisionam as pessoas a não saírem de casa por medo das barreiras que irão encontrar.
Os espaços públicos e coletivos ainda estão materializados por práticas segregadas por uma visão de mundo que pouco valoriza as diferenças (sócias, físicas, sensoriais ou intelectuais) e, ainda, agem como atores de um apartheid silencioso que acaba por gerar a consciência de exclusão da própria sociedade, como consta em NEACE (2014, p. 85).
Acessibilidade é tornar o mundo acessível, fazer com que todos possam ir e vir, com segurança e autonomia. É o direito de usar os espaços e serviços que a cidade oferece, independente da capacidade de cada um. (CONADE, 2010).
Parece obvio, mas na prática, exercer o direito de acessibilidade pode ser bem complicado. Tente observar como anda a calçada de sua rua: é nivelada com os lotes do vizinho? É livre de obstáculo do piso que compromete a rota acessível? O piso é antiderrapante? É regular, estável e não trepidante? Possui piso tátil de alerta ou direcional?
Quanto o acesso na edificação de seu trabalho: há pelo menos um acesso ao seu interior com comunicação (mapas táteis, sinalização tátil e visual,) para todas as suas dependências e serviços, livres de barreiras e obstáculos? Possui sinalização direcional dos acessos da edificação até o balcão de informações? Além da escada, existe outra forma de acesso para vencer os desníveis existentes, tais como rampa, elevador ou plataforma móvel? Possui faixa de piso de alerta do início e termino da rampa? O corrimão é duplo e continuo dos dois lados da rampa? Há sinalização em Braille, informando sobre os pavimentos, no início e no final das rampas fixadas? O piso dos degraus é antiderrapante? As portas atendem à largura livre mínima de 0,80m e altura de 2,10m? Possuem sinalização visual no centro da porta (1,40m-1,60m) e tátil em relevo e Braille (0,90m-1,10m) no lado externo, informando o ambiente? Dispõe de banheiro acessível, para cada sexo, em todos os pavimentos, com entrada independente dos sanitários coletivos? Os banheiros com entrada independente possuem, ao lado da bacia sanitária e do chuveiro, dispositivo de sinalização de emergência? A porta possui um vão livre de 0,80m e o sentido é para fora?
Para maiores informações pode ser consultada a cartilha de bolso que discorre sobre “acessibilidade, todos juntos por um Brasil mais acessível”, que contém itens imprescindíveis na elaboração de projetos pelos profissionais da construção civil, na promoção de espaços acessíveis.
Nos dias atuais, já não é mais suficiente a remoção de obstáculos arquitetônicos existentes nas edificações públicas ou de uso coletivo, tornando-se necessário a garantia de inclusão social, fazendo valer os princípios de igualdade e de dignidade garantidos constitucionalmente.
Garantir a inclusão social é oferecer aos mais necessitados oportunidades de acesso a bens e serviços, dentro de um sistema que beneficie a todos e não apenas aos mais aptos. Assim, a sociedade modificará suas estruturas e serviços oferecidos, abrindo espaços conforme as necessidades das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, possibilitando autonomia e segurança para interagir naturalmente na sociedade (NEACE, 2014).
O maior desafio a ser alcançado é o da consciência social da obrigatoriedade das leis e do respeito ao ser humano e, principalmente, de que a sociedade é composta por indivíduos com diversas características e necessidades próprias, o que não pode ser motivo de exclusão, mas, pelo contrário, deve ser objeto de ações específicas de modo a oferecer-lhes as mesmas oportunidades que aos demais na busca de uma vida digna, saudável e sem discriminações.
Referências
CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Acessibilidade: todos juntos por um Brasil mais acessível. Brasília: CNMP, 2014. Cartilha disponível Aqui. Acesso em 30/08/2014.
CONADE – Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, [2010].
MINISTERIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. Manual de Atuação – o Ministério Público e a tutela dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos. 2011.
NÚCLEO DE ATUAÇÃO ESPECIAL EM ACESSIBILIDADE (NEACE). Guia de Orientação sobre o direito a Acessibilidade. Workshop Todos Juntos por um Brasil mais Acessível. Salvador, agosto de 2014.
ORNSTEIN, Sheila Walbe (org.). Desenho Universal, caminhos da acessibilidade no Brasil. São Paulo: Annablume, 2010.
* Sonia Cristina Rovaris é assistente social do Ministério Público Estadual da Bahia, mestre em Gerontologia pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: [email protected]