Muitos de nós encontram “sugestões de imortalidade” na natureza, na arte, no pensamento criativo ou na religião. Certas pessoas conseguem atingir estados de transcendência através da meditação ou de outras técnicas de indução de transes, ou por meio da oração e de práticas espirituais. Mas as drogas oferecem um atalho, prometem uma transcendência imediata. Esses atalhos existem porque certas substâncias podem estimular diretamente funções cerebrais complexas. Um dos grandes neurologistas contemporâneos narra, sem moralismo, seus experimentos juvenis com as drogas.
Oliver Sacks, na Piaui *
Viver só o dia a dia é pouco para os seres humanos. Precisamos transcender, delirar, escapar; precisamos de significados e de explicações; precisamos enxergar um sentido geral em nossas vidas. Precisamos de esperança, de uma perspectiva de futuro. E precisamos de liberdade (ou, pelo menos, da ilusão de liberdade) para irmos além de nós mesmos, seja com telescópios, microscópios e outros meios tecnológicos, seja em estados mentais que nos possibilitem viajar para outros mundos, além de nossas circunstâncias imediatas.
Podemos buscar, também, um relaxamento das inibições, de modo a estabelecer uma conexão mais fluida com os outros, ou meios de tornar nossa consciência do tempo e da mortalidade mais fácil de suportar. Procuramos férias de nossas restrições internas e externas, uma sensação mais intensa do aqui e agora, da beleza e do valor do mundo em que vivemos.
À moda do poeta inglês William Wordsworth, muitos de nós encontram “sugestões de imortalidade” na natureza, na arte, no pensamento criativo ou na religião. Certas pessoas conseguem atingir estados de transcendência através da meditação ou de outras técnicas de indução de transes, ou por meio da oração e de práticas espirituais. Mas as drogas oferecem um atalho, prometem uma transcendência imediata. Esses atalhos existem porque certas substâncias podem estimular diretamente funções cerebrais complexas.
Todas as culturas encontraram veículos químicos para a transcendência, e em determinado momento o uso dessas substâncias intoxicantes se institucionalizou em um nível mágico ou sagrado. O uso cerimonial de componentes psicoativos encontrados em plantas tem uma longa história e persiste até hoje em rituais xamânicos e religiosos no mundo inteiro.
Num plano menos ambicioso, as drogas são usadas não tanto para iluminar, expandir ou concentrar a mente, mas pela sensação de prazer e euforia que podem proporcionar. Mesmo os primeiros mórmons, proibidos de consumir chá ou café, em sua longa marcha até o estado de Utah encontraram na beira da estrada uma erva simples, o chá mórmon, cuja infusão restabelecia e estimulava os combalidos peregrinos. Era a éfedra, que contém efedrina, similar às anfetaminas em seus aspectos químico e farmacológico.
Muitas pessoas experimentam drogas, alucinógenas ou não, em sua adolescência ou nos tempos de faculdade. Eu só fui experimentá-las depois dos 30 anos, quando já era residente de neurologia. Essa longa virgindade não se devia à falta de interesse. Eu tinha lido os grandes clássicos – Confissões de um Comedor de Ópio, de Thomas de Quincey, e Paraísos Artificiais, de Baudelaire – ainda no colégio. Li a história do escritor francês Théophile Gautier, que em 1845 visitou o recém-criado Club des Hashischins, num canto sossegado da Île Saint-Louis.
O haxixe, na forma de uma pasta verde, tinha sido trazido pouco antes da Argélia, e fazia furor em Paris. No salão, Gautier consumiu uma porção considerável de haxixe. Num primeiro momento não sentiu nada fora do normal, mas logo, conta ele, “tudo parecia maior, mais rico, mais esplêndido”, e em seguida ocorreram algumas mudanças mais específicas:
Um personagem enigmático apareceu de repente diante de mim… Seu nariz era curvo como um bico de ave, seus olhos verdes, que ele enxugava amiúde com um lenço grande, eram rodeados por três círculos castanhos, e preso ao nó da gravata num colarinho branco alto e engomado havia um cartão de visita que dizia: Daucus-Carota, du Pot d’or… Pouco a pouco, o salão foi sendo tomado por figuras fora do comum, do tipo que encontramos apenas nas gravuras de Callot ou nas águas-tintas de Goya; uma mistura de fragmentos desconexos, de formas humanas e bestiais.
Leia o artigo na íntegra Aqui. * Texto publicado em 10 de janeiro de 2013