Subversão amistosa

“É uma deliberação pessoal”, avisa o conferencista da solenidade de abertura do 51º Congresso Brasileiro de Genética, que termina sábado (10/9), em Águas de Lindóia, interior de São Paulo. Para o geneticista Darcy Fontoura de Almeida, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a biologia molecular está praticamente morta.

Eduardo Geraque

 

Em entrevista à Agência FAPESP, o cientista explica os motivos dessa afirmação, dita a princípio como brincadeira, e fala sobre a terapia gênica. Para ele, a palavra cautela deve sempre ser levada em consideração quando se fala em aplicações médicas por meio dos genes.

Graduado pela Faculdade Nacional de Medicina e pós-graduado pelo Hospital Hammersmith, em Londres, Almeida foi consultor científico da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em Paris.

Como professor da UFRJ, Almeida criou o laboratório de Fisiologia Celular, onde se dedicou ao estudo do controle genético da divisão celular em bactérias. Atuou em instituições como a Sociedade Brasileira de Genética, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Sempre envolvido com a divulgação científica, foi um dos fundadores da revista Ciência Hoje e doJornal da Ciência Hoje. Em plena forma aos 75 anos, Almeida afirma: “Este é o século da biologia”.

Agência FAPESP – O senhor decretou a morte da biologia molecular?

Darcy Fontoura de Almeida – Falei isso em tom de brincadeira, mas também como parte de uma explicação e deixando bem claro que se tratava de uma deliberação pessoal. Como disse o poeta Ferreira Gullar, “as verdades vão se diferenciando”, de modo que, quando surge uma nova verdade, não significa que a outra seja apenas uma ilusão. Isaac Newton não virou uma ilusão depois que Albert Einstein fez suas descobertas. A biologia molecular não vai acabar, assim como não acabaram a bioquímica, a anatomia e assim por diante.

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Agência FAPESP – Mas está havendo uma sucessão?

Almeida – Falei que a bioquímica molecular acabou com a entrega do prêmio Nobel de 2002 ao Sidney Brenner [biólogo sul-africano, um dos pioneiros da engenharia genética e responsável pelo descobrimento do RNA mensageiro. Dividiu o Nobel com John Sulston e H. Robert Horvitz]. Ele foi o último do período de ouro da biologia molecular que recebeu a premiação. Esse ciclo começou em 1953, com James Watson e Francis Crick, por motivos óbvios. E se Sidney não ganhasse, ele não venceria mais. Porque agora está chegando o ciclo da biologia computacional, como prefiro me referir à genômica, por ser um termo mais amplo.

Agência FAPESP – E o que vem agora?

Almeida – Várias coisas. A epigenética, a farmacogenômica, a genômica comparada, a genômica funcional. O entendimento do desenvolvimento é outro. Passa a mudar tudo na genética de diferenciação. Esse progresso da ciência está estritamente vinculado ao tecnológico. O computador faz trabalhos em segundos. Hoje é possível ter acesso a informações que não se tinha antes. O caminho agora é algum tipo de multidisciplinaridade.

Agência FAPESP – Nesse novo universo surge também a terapia genética. O senhor, em sua palestra, recomendou cautela em relação a isso.

Almeida – A ansiedade que surgiu, além de ser natural, é grande. A idéia que se teve foi: “Agora que temos a biologia computacional, podemos fazer de tudo”. Pode ser feita muita coisa, sem dúvida, mas nesse ambiente novo o terreno tem que ser conhecido. É preciso saber onde estão as armadilhas. A sociedade quer saber das aplicações, quer saber se aquilo vai curar os nossos filhos. Por mais que os cientistas tenham cuidado, situações imprevistas podem ocorrer. Como foi o caso da leucemia que surgiu em um paciente na França que estava sendo tratado experimentalmente com um tipo de adenovírus. Os sistemas que se formam hoje são complexos. E, à medida que entramos neles, os números de variáveis aumentam muito também. As alterações não são lineares. É preciso cautela e também paciência.

Agência FAPESP – Com tudo isso, é possível continuar acreditando no Projeto Genoma Humano e na expectativa que ele gerou?

Almeida – Acredito piamente. Sem dúvida esse é o caminho. Não tem outra forma de se fazer. Do contrário, o que temos? Esperar que se identifique gene a gene, como se fazia classicamente?

Fonte: Agência FAPESP, 09/09/2005. Acesse Aqui

 

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