Sr. Pedro, 77 anos

Senhor Pedro Gonçalves de Macedo tem 77 anos, é casado e tem 4 filhos: 2 homens do primeiro casamento e um casal do segundo. Tem 5 netos e um bisneto.

 

A infância

Nasci em São Paulo, no dia 13 de junho de 1932. Meu pai, José Gonçalves de Macedo, era português, nasceu em 1896, e minha mãe Stella Lazarini Macedo era italiana. Ela faleceu com quase 80 anos e ele com 84 anos.

Pedro quando criança, vestido de marinheiro

Éramos em 6 irmãos, 2 mulheres e 4 homens. Um irmão já é falecido, hoje teria 79 anos. Morávamos no bairro no Brás, na Rua Souza Caldas. Tenho boas lembranças, brincávamos bastante. O que eu me lembro mais era a brincadeira do pneu, eu entrava dentro de um pneu e rolava rua abaixo, era uma ladeira. Não tínhamos medo, era muito bom. Meus irmãos e toda molecada também brincavam juntos.

Meu pai trabalhou muitos anos na Light, uma empresa canadense concessionária dos serviços de bonde e de energia elétrica de São Paulo naquela época. Posteriormente foi adquirida pela Eletrobrás, depois foi vendida para o Estado de São Paulo e foi criada a Eletropaulo. Quando ele saiu da Light, ficou trabalhando por conta própria em casa. Ele fazia aparelhos de imersão usando resistências, e foi ele quem criou o chuveiro elétrico. Naquela época, tinha que esquentar água para tomar banho, não tinha chuveiro elétrico, somente a gás. Ele não soube aproveitar sua habilidade, não tinha muita pratica, era tudo difícil. Ele gostava de um bom papo, tomar umas caipirinhas, falar de futebol. Minha mãe ficava muito brava com essas coisas, ela tinha muita paciência com todos, era uma pessoa muito boa.

Quando eu tinha 8 anos, saímos do Brás e fomos morar na Bela Vista, na Rua Abolição. Nós tínhamos uma vida muito dura, muito simples, o dinheiro era pouco. Nessa época nasceu minha irmã mais nova, minha mãe trabalhava fora, ajudava meu pai numa cantina, e eu que cuidava da minha irmã, eu que dava mamadeira. Meu pai comprou uma cantina em sociedade com meu tio, na Rua Conselheiro Ramalho, na Bela Vista. Minha mãe cozinhava, ajudava a servir, cuidava de tudo. O restaurante era freqüentado por artistas da época, pessoal do teatro. Mas a cantina não deu certo. Eles não entendiam direito do assunto e os fregueses foram indo embora. Eles perderam muito dinheiro e acabaram desistindo do negocio. Fecharam a cantina, e eu, meu irmão e minha mãe saíam vendendo os produtos que sobraram da cantina; sabão, sapólio e outros artigos que restaram.

Comecei a trabalhar com 9 anos. Pela manhã ia à escola e à tarde trabalhava numa farmácia na Rua Santo Amaro. Eu cuidava da minha irmã e como já tinha experiência com crianças, também ajudava a tomar conta do filho do dono da farmácia. Também fazia entrega de medicamentos e limpeza da farmácia. Eu era esperto e aprendia rápido, conhecia todas as ruas. Um dia fui fazer uma entrega para um freguês, há uns 3 quarteirões da farmácia. Era um prédio pequeno. Entrei no prédio, subi e quando cheguei à porta do apartamento tinha 2 moleques esperando. Um deles falou que a mãe teve que sair e pediu para eu deixar o remédio com ele. Perguntou se eu estava com o troco e eu respondi que sim. Ele pegou o remédio, o troco e disse que iria pegar o dinheiro. Ele subiu pela escada, eu fiquei esperando e nada dele voltar. Depois de meia hora esperando, resolvi ir embora. Devem ter usado o elevador no andar de cima para fugir.

O dono da farmácia ficou muito bravo, disse que eu não devia ter entregado, chamou minha mãe, disse que eu teria que pagar, senão descontaria do meu salário. Eu ganhava tão pouquinho. Eu disse que não pagaria que não tinha culpa. Fiquei chateado, não voltei mais para a farmácia, nem para receber o que tinha direito.

Trabalhei em outras farmácias. Aprendi bastante na Drogaria São Paulo; atendia no balcão e preparava fórmulas. Aprendi muito sobre medicamentos. Os amigos que lá trabalhavam sabiam que eu tinha pavor de injeção e ficavam brincando que iriam me dar injeção, um dia me aborreci com eles e fui embora. Saí na hora do almoço e à tarde já estava com outro emprego. Desta vez na Drogasil. Eu e outros meninos tomávamos conta do estoque. Às vezes derrubávamos alguma caixa de Leite Ninho, as caixas estouravam, e o gerente deixava a gente comer o leite em pó. A gente ficava feliz. Às vezes fazia de propósito, derrubava uma caixa para poder comer o Leite Ninho. A gente se esbaldava. Comia muito leite ninho. Puro, misturado na água, de todo jeito.

Fomos morar na Zona Sul, no Jardim da Saúde e lembro-me que precisava pegar o bonde para ir à escola. Era um lugar gostoso, mas muito deserto naquela época. A casa era muito simples, tinha um quintal com cerca de arame, tanque de lavar roupa e precisava tirar água do poço. Lembro-me de uma frutinha que tinha no quintal, chamada Uvaia, nunca mais vi essa fruta. A fruta nascia verde, muito ácida, e quando madura ficava amarela. A gente acordava pela manhã e ia olhar se tinha alguma amarelinha. Se não estivesse, comia verde mesmo.

No Jardim da Saúde tinha um parque da prefeitura, bem grande, próximo de casa. Um dia a molecada estava correndo atrás do balão, e eu fui também, tinha uns 12 anos, no meio da confusão, a molecada correndo para bater no balão, levei uma paulada, caí, me machuque todo, fiquei bem ruim. Nem lembro quem me socorreu, mas nunca mais corri atrás de balão.

Saímos do Jardim da Saúde e fomos morar numa casa, na zona norte, na Rua Duarte, travessa da Avenida Coronel Sezefredo Fagundes.

Terminando o primário, parei de estudar porque precisava trabalhar.

A profissão

Em 1948, com 16 anos, fui trabalhar de Office Boy, na S. K. F (Svenska Kullagerfabriken) uma empresa Sueca, de rolamentos. Voltei a estudar à noite, conclui o ginásio e depois comecei a fazer contabilidade no Colégio Vitor Vianna, em Santana. O curso era de 3 anos, mas cursei só até o segundo ano. Aprendi muito sobre rolamentos na SKF. A gente não pensa direito quando é moleque. Poderia ter ficado lá se tivesse mais maturidade, ter feito carreira lá dentro, ter me aposentado.

A SKF começou no Brasil em 1915 e se transformou numa empresa muito importante no ramo de rolamentos e de acessórios em vários países. Foi na S.K.F que eu comecei a aprender sobre rolamentos. Não tinha conhecimento e nem experiência de vida, era muito novinho, mas era experto.

Eu já estava lá há uns 4 anos, trabalhava no estoque e acima de mim só tinha o chefe de estoque. Um dia apareceu um outro funcionário e ocupou meu lugar. Fui logo falar com o diretor, ele chamou o chefe de estoque e fez ele me recolocar no cargo. O outro funcionário que tinha entrado recentemente ficou um cargo abaixo de mim. Às vezes algumas pessoas queriam passar na frente, mas eu não tinha medo e ia direto falar com os diretores, que eram ou suecos ou alemães, gente muito seria. Os nossos direitos eram respeitados, não importava que nós fôssemos crianças.

Trabalhei na S.K.F durante 6 anos. Estava com 22 anos e um dia resolvi sair. Eles não queriam que eu saísse. Eu era jovem, arrojado, queria crescer mais. Hoje eu sou muito tranqüilo, quase nem saio de casa. Deram- me um tempo para eu pensar melhor e depois voltar. Voltei depois de uma semana, disse que queria sair mesmo e pedi que assinassem minha carteira de trabalho. Pagaram tudo direitinho, era uma empresa seria e eu fui embora.

Fui trabalhar numa firma pequena, de italianos, era uma fábrica de peças industriais, chamava-se C.I.M (Comércio Industria e Metalúrgica), mas não deu certo.

Meu irmão mais velho, o Antonio, também trabalhava em empresa de rolamentos e conhecia bastante o assunto. Resolvemos abrir uma empresa de rolamentos, éramos ousados, e abrimos um a F.N.R (Fabrica Nacional de Rolamentos Ltda), na Avenida Sezefredo Fagundes. Era uma casa assobradada, alugada. Meu irmão morava na parte de cima da casa, a parte de baixo era a loja e nos fundos tinha uma casa onde fui morar com minha família. Nessa época eu já tinha mais experiência. Aperfeiçoei-me lendo, estudando e pesquisando. Tinha bastante conhecimento de rolamentos e passei a dominar a técnica também. Começamos a fabricar rolamentos. Aprendi muito. Compramos a casa, mas o lugar ficou pequeno. Alugamos um armazém maior no Pari e mudamos. Ali fabricamos muito, compramos equipamentos e crescemos bastante.

Pedro na Fabrica Nacional de Rolamentos Ltda

A indústria de rolamentos é uma coisa difícil, sofisticada. São peças de precisão que requer máquinas especiais. Nós fazíamos os mais simples, usados em automóveis. Fazíamos consertos também. Rolamentos são usados em máquinas, motores, aviões, em quase tudo, principalmente na indústria. Um rolamento pode pesar gramas ou toneladas.

Nossa produção foi crescendo e precisávamos de mais espaço. Alugamos mais um prédio na Mooca, compramos muitas maquinas, para poder funcionar, tínhamos 80 funcionários.

Nessa época compramos um lote grande de maquinas e tivemos que fechar a rua para receber as máquinas. Foi bonito ver a vizinhança torcendo pelo progresso da gente.Conseguimos comprar as máquinas e pagar tudo, era uma época boa. Chegamos a comprar terrenos em Guarulhos para construir uma fabrica, mas não deu certo. Algum tempo depois, algumas empresas que tinham credito, faliram, não pagaram e nós perdemos muito dinheiro

Meus irmãos abriram uma loja de rolamentos na Avenida Senador Queiroz, eu não tinha participação na loja, e os desacordos profissionais e financeiros começaram. Brigamos, separamos a sociedade, eu fiquei com a fabrica e ele continuou com as lojas. Eram várias lojas.

Fiquei com a fabrica até 1965. Em 1969 comprei uma das lojas de meu irmão, na Radial Leste, e fiquei até 1988.

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O gosto pelos carros

Na época da fábrica, meu irmão Antonio, trocava muito de carro. Comprava carro novo, importado, enjoava logo dos carros e passava para mim. Eu comprava por um preço melhor. Tive vários carros importados. Tive um Citroem que era muito bonito, mas o melhor foi o Oldsmobile de 2 portas, branco e azul, com direção hidráulica e freio a ar.Um dia emprestei para meu irmão, ele bateu o carro e acabou com ele.

Estávamos num bar na cidade, bebendo, e ele ia para o Rio de Janeiro a trabalho.

O carro dele estava com problemas e ele pediu o meu emprestado. Dei as chaves, ele pegou o carro e foi para casa pegar a bagagem. Chegando a Santana, na Av. Dr. Zuquim, ele perdeu o controle e bateu o carro num monte de tijolos, numa calçada, e destruiu o carro, ainda bem que ele não se machucou. Chamou o amigo dele, rebocou o carro e foi viajar com o carro dele mesmo para o Rio de Janeiro. Ele mandou consertar meu carro, mas não ficou mais igual.

Depois tive um Impala branco. Era um carro grande. A marcação da quilometragem era em milhas e não em quilômetros. Cheguei a dirigir a uma velocidade de 160 milhas no carro e nem percebi. Isso equivale a 260 km por hora. As estradas não eram cheias como hoje. A gente não pensa quando é jovem. Eu guiava muito bem, mas o carro nem tinha equipamento para isso.

No começo dos anos 60, tive um Buick. Também era um carro muito bonito.

A saúde

Comecei a fumar cedo, quando trabalhava na Drogaria São Paulo. Era moleque, tinha uns 14 anos. Eu e um amigo, da mesma idade, resolvemos comprar um maço de cigarros em conjunto. Não podia levar para casa. Acendemos o cigarro e achamos ruim, deu tontura. Aquele maço durou mais de um mês. Cada dia um de nós levava o maço para esconder em casa. Quando acabou o maço já estava comprando outro. Fumei várias marcas. Era bonito fumar naquela época, coisa de galã de cinema. No cinema aparecia muito cigarro, cheguei a fumar quase 4 maços por dia.

Quando acordava a primeira coisa que fazia era acender um cigarro.

Às vezes, estava almoçando com o cigarro acesso. Deitava fumando

Fumei muito e durante muitos anos. Fumava de 3 a 4 maços de cigarro por dia.

Meu irmão Antonio está com 81 anos. Sempre fumou muito e algum tempo atrás teve um enfisema pulmonar. Parei de fumar aos 40 anos, graças a um vizinho que implicava com meu cigarro.

Em 1962, já casado, comprei um sobrado em Santana. Ao lado, morava uma família italiana, muito boa, com uma única filha. Ficamos amigos. A filha casou-se e ficou morando na mesma casa, com os pais. O marido dela, o Victor, implicava comigo por causa do cigarro. Eu acordava de manhã e ia fumar um cigarro perto da porta da cozinha. A casa dele ficava ao lado da minha e ele dizia que eu o acordava com minha tosse, com meu pigarro.

De 1962 até 1969, o Vitor reclamou do meu cigarro. Achava ruim, dizia que eu não sabia fumar. Ficava bravo mesmo. Dizia que eu o acordava tossindo. A porta da minha cozinha dava de frente para o quintal dele. Eu pedia desculpas, mas não adiantava. Um dia ele me chamou, ficou bravo, me xingou, e eu fiquei chateado com aquela historia e disse para mim mesmo que não fumaria mais e parei de fumar. Foi muito bom ele ter implicado comigo.

Ele também fumava, mas não parou. Muito tempo depois que eu já havia parado de fumar, eu falava para ele parar também, mas não fui convincente. Ele dizia que sabia fumar. Muitos anos depois, ele teve um câncer ei teve que retirar um pulmão. Fiquei chateado, porque ele faleceu em função disso. Eu tenho que agradecer a ele por eu ter parado de fumar. Ele era uma boa pessoa, foi nosso vizinho muito anos. Ficamos amigos.

Tenho uma saúde boa. Antigamente, andava bastante, caminhava uns 12 km por dia. Há uns 6 anos, comecei a sentir muita canseira, fui ao cardiologista e ele me deu um monte de remédios e eu piorei, acho que era muita mistura de medicamentos e me senti mal. Parei tudo. Hoje só tomo remédio para a pressão e algumas aspirinas para o sangue. Minha pressão está controlada e procuro controlar meu peso. A canseira ainda me impede de fazer muito exercício e ganhei um pouco de peso. Estou com uns 5 quilos a mais, com um pouco de barriga que eu nunca tive e agora tenho que cuidar mais da alimentação para perder um pouco de peso.

O cardiologista mandou fazer um cateterismo, mas eu não fiz. Não quero fazer cirurgia cardíaca, então para que o cateterismo se estou bem?

Eu cuido bem da minha alimentação e faço meus exames regularmente. Não como de tudo não. Nem tenho vontades. Como muita fruta e verduras, que eu sempre gostei. Não gosto de comidas sofisticadas e nunca fui de comer muito. Não sinto vontade de nenhum prato especial. Antigamente gostava muito de feijoada e ate posso comer, mas hoje, não sinto necessidade. Às vezes bebo um pouquinho de whisky, mas só de vez em quando. Coloco uma dose e fico saboreando. Não sinto vontade de beber mais do que aquilo.

Religião

Fui batizado na igreja católica, sou católico, não praticante. Não acho que tenho necessidade. Respeito todas as religiões e acho que algumas pessoas precisam se apegar a alguma coisa para se fortalecer. Não sou contra nenhuma religião. Ela pode fazer bem, ser um freio para as pessoas não fazerem coisas erradas, coisas ruins, pode proteger a pessoa. Cada um sabe das suas necessidades, eu não sinto necessidade, pelo menos por enquanto.

Envelhecimento

O que ajuda a envelhecer bem é o bom senso. Bom senso em tudo; na alimentação, no trabalho, nos relacionamentos, no respeito mútuo. È importante uma boa convivência com todos e a harmonia na família.

Todo mundo vai envelhecer. Acho que as pessoas têm medo de envelhecer por causa da vaidade. Não devemos nos preocupar com a velhice, devemos viver e vivendo vamos envelhecendo.

Pedro entre os pais, dona Stella e senhor José – 1978

Os velhos sempre acabam aprendendo mais com os jovens. Os jovens não querem aprender com os velhos. Eles não têm paciência de ensinar, nem de ouvir. São impulsivos. Têm muita informação, às vezes, até mais do que nós, mas ainda não viveram o suficiente. Acham que gente não sabe nada, que a nossa vivencia não serve mais de exemplo.

Finitude

Não tenho medo da morte. Só não quero morrer de repente. Quero que dê tempo de me despedir das pessoas que eu gosto. O envelhecimento é natural, acho que a gente está envelhecendo desde que nasce. Quanto mais tempo viver melhor.

Uma mensagem

Para os jovens: que eles aprendam a respeitar os idosos. Para os idosos: que eles aprendam a respeitar os jovens.

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