Nasci em São Paulo no dia 19 de fevereiro de 1933. Morei no centro da cidade durante muitos anos. Adoro essa cidade e nunca pensei em sair daqui. Tive uma vida, de certo modo, economicamente difícil, mas meus pais colocaram todas as economias da família em meus estudos. Nessa época, eu ainda era filho único e apesar dos problemas financeiros, estudei no melhor e mais caro colégio de São Paulo da época: o Colégio São Bento, que era perto de casa. Concluí o curso científico nesse colégio. Aos 13 anos, comecei a trabalhar no correio, era entregador de telegramas. Foi meu pai que arrumou esse emprego para mim. Estudava no período da manhã e a tarde não tinha vaga na repartição, não tive opção, fui trabalhar no turno da noite. Entrava às 18 horas e saía às 24 horas. Fiquei nesse cargo durante um ano e depois me transferiram para trabalhos internos. Meu sonho era ser médico, fiz o vestibular para medicina, mas não consegui entrar na faculdade.
Com a história de não passar no vestibular, fui trabalhar de boy numa loja de calçados que era famosa na época: as Lojas Clarks. Trabalhando à tarde como boy e à noite no telégrafo deixava o período da manhã para estudar. Meus vencimentos foram aumentando o que me deu a oportunidade de ajudar meus pais financeiramente. Gostei de ganhar um “dinheirinho” e fui me aventurar como corretor de imóveis e venda de carros. Deixei o trabalho de boy, fui me dedicando cada vez mais a essa nova atividade, mas não abandonei o telegrafo à noite.
Em 1956, por indicação de um amigo, fui fazer uma entrevista num laboratório – pequeno na época – que chegara ao Brasil. Tinha estudado para o vestibular e isso me ajudou. Saí-me bem e fui aprovado. Fiz um treinamento e gostei muito, era tudo muito ligado a área médica (um sonho antigo). Comecei a trabalhar como propagandista e fui me destacando no mercado. Após 4 anos nesse lugar, fui convidado para trabalhar em outro laboratório. Era o maior laboratório nacional e só era suplantado pelos estrangeiros multinacionais. Percebia que todos que estavam nesse ramo não desistiam. Minha vida tinha sido meio saltada e achava esquisito ficar muito tempo num mesmo lugar. Era final de guerra e começou-se a falar em profissões novas. Parecia que eu não sairia mais, então pensei: posso ser relações públicas em qualquer outro ramo.
Em 1964 fiz o Curso do IDOR em uma entidade governamental e Cristo me abriu as portas para organização de eventos. Essa profissão que estava surgindo na época, me abriu novos horizontes. Embora tivesse achado uma porcaria o primeiro curso que organizei, ele teve sucesso. Os médicos gostaram. Percebi que eu não tinha mais nada a ver com propaganda ou com vendas e fiquei só organizando congressos. Fui evoluindo e comecei organizando congressos no Brasil todo.
Trabalhei na Hoechst como assistente de Recursos Pessoais, coordenando congressos em todo o Brasil. Minha vida era dentro do avião. Com frequência fazia reuniões em diferentes estados, no mesmo dia.
Nas minhas estadas em São Paulo, conheci Cleyde. Ela trabalhava numa maternidade como secretária do professor Domingos de Delascio. Na época eu prestava serviços a ele; organizava congressos, cursos e lançamentos de seus livros. Foi assim que conheci a Cleyde e um dia, nós “fechamos negócio”. Não foi paixão à primeira vista, foi um relacionamento bem cimentado.
Eu era muito namorador. Tinha outro tipo de vida. Era vaidoso, me vestia bem, atraía as moças. Tinha um casinho aqui, outro ali, mas nada de namoro. Não tinha tempo de namorar. Com 20 anos comecei a ganhar dinheiro e assumir responsabilidades em casa.
Meu pai teve um AVC e ficou internado no hospital. Cleyde foi visitá-lo e lá ficou conhecendo minha mãe e minha irmã. A partir daí, começou a frequentar minha casa e passamos a ter mais contato. A coisa foi embalando, mas eu não tinha intenção de casar porque meu pai precisava da minha ajuda, mas fui fisgado e resolvi dar vazão à minha paixão. Namoramos pouco tempo e logo casamos.
Meu sogro não aceitava o relacionamento e na época ele tinha razão. Eu estava com quase 40 anos, sempre bem vestido, constantemente trocando de carro e viajava muito. Ele devia pensar: esse cara não vai fazer minha filha feliz.
Quando faltavam três meses para o casamento, minha mãe chamou Cleyde e falou: mulherengo, boêmio e gastador. Não quero de volta.
Quando Cleyde começou a freqüentar minha casa, percebi que ela era a mulher da minha vida. Se um dia resolvesse casar, seria só com ela. O amor foi crescendo cada vez mais e mesmo sem ter muita consciência, começamos a regar a plantinha do amor, a florzinha da união, todo dia – todo momento que era possível – até ficar igual aquele bilhete que escrevi para Cleyde e coloquei na porta da geladeira em 1998 e que está lá até hoje.
“Nunca se esqueça que você é a coisa mais importante do mundo na minha vida”
Sempre enfrentamos os problemas juntos: a rejeição do meu sogro por mim, a longa doença da minha mãe e outras coisas mais.
A rejeição durou cerca de um ano porque a partir daí, nos tornamos grandes amigos e companheiros. Passeamos, viajamos juntos e tivemos uma ótima convivência. Quando ele faleceu, senti sua morte como a do meu pai.
Curtimos muito os momentos que estamos juntos. Temos um hábito: todo sábado no horário do almoço sentamos perto da varanda e “petiscamos: uma salada, um queijinho, um salame, um pouco de azeitona e assim ficamos. Desde muito tempo, nem me lembro como começou porque nunca foi combinado; Cleyde come uma azeitona e tenta acertar o caroço dentro do cinzeiro. Se ela acerta, vou até ela e dou um beijo; se ela erra, ela vem até mim e dá um beijo.
O que é envelhecer para o senhor?
É aproveitar com prazer as coisas que a vida ainda nos dá. Adaptar-se com facilidade.
Quando percebeu que estava envelhecendo?
Há pouco tempo, quando percebi que já não gostava tanto de viajar, passear a qualquer hora. Ainda saio, todos os dias me arrumo e vou almoçar fora. Mas à noite, em festas, só vou se for muito necessário.
Por que o envelhecimento assusta? É possível não sentir medo?
Talvez o envelhecimento represente o fim que se aproxima. Se não for encarado desta forma, é possível não ter medo; pensar na vida e não na morte.
Como o senhor vê a questão do envelhecimento feminino e masculino? É diferente?
Não vejo diferença, acho que depende muito da vida pregressa de cada um.
A religião ajuda a enfrentar o envelhecimento?
Sim, se encararmos a religião como normas para uma vida feliz, fazendo o bem, amando e levando uma vida correta.
Alguns idosos reclamam da solidão na velhice? É possível minimizar essa realidade?
Depende muito do que foi plantado durante a vida; com os parentes e amigos. Se permanecerem a atenção, o amor e o carinho – com todos – é mais difícil que a solidão apareça.
Como o senhor analisa a viuvez masculina? E a feminina?
É dolorosa, lamentável e altamente desgastante.
Existe algumareceita de bom envelhecimento?
Aceitar as limitações que a idade nos dá e aproveitar todos os bons momentos que a vida nos apresenta.
O que falta para melhorar a vida dos velhos no Brasil?
Falta muita coisa, principalmente respeito da sociedade para com os idosos. Posso citar como exemplo a construção de rampas e melhoria das calçadas.
Cuidar e desfrutar a sexualidade são importantes para um envelhecimento saudável?
Sim, principalmente quando associada à afetividade.
O que mantém um casamento de 36 anos?
O grande amor que sinto por ela, o valor do diálogo e o perfeito conhecimento dos anseios da minha esposa, fez com que estes 36 anos fossem imensamente felizes e totalmente dedicados a ela.