A morte e o processo de morrer ainda constituem um assunto tabu na sociedade ocidental contemporânea. Ainda assistimos à negação da própria finitude, atitude que acaba por se repercutir na diminuição da atenção e do cuidado aos que se encontram na fase final da vida.
Rita Grave Sara Alvarinhas Sara Rua
O amor pela vida, quando a toma como um fim em si mesma, transforma-se num culto incessante por esta.
A medicina que se preocupa “insensivelmente” com as “condições vitais”, deixando de lado as “qualidades vitais”, promove implicitamente esse culto idólatra à vida.
Neste âmbito, a psiquiatra de origem suíça Elisabeth Kübler-Ross, desperta-nos para a necessidade de educarmos para a morte, contra o tabu social instituído que marca a prática da sociedade em geral e dos profissionais de saúde em particular, nos cuidados ao doente em fase terminal.
Particularmente interessante é o trabalho que a autora desenvolveu junto dos moribundos através dos seminários On Death and Dying, que lhe permitiu identificar um conjunto de reacções emocionais pelas quais passa o doente em fase terminal.
O Modelo de Kübler-Ross propõe uma descrição de cinco estágios discretos pela qual as pessoas passam ao lidar com a perda, o luto e a tragédia. Segundo esse modelo, pacientes com doenças terminais passam por esses estágios.
Estes estágios popularizaram-se e são conhecidos como Os Cinco Estágios do Luto (ou da Dor da Morte, ou da Perspectiva da Morte).
Os estágios são:
Negação e isolamento: “Isto não me está a acontecer.”
A Negação e o Isolamento são mecanismos de defesas temporários do Ego contra a dor psíquica diante da morte. A intensidade e duração desses mecanismos de defesa dependem de como a própria pessoa que sofre e as outras pessoas ao seu redor são capazes de lidar com essa dor. Em geral, a Negação e o Isolamento não persistem por muito tempo
Raiva: “Como é que isto me aconteceu?”
Por causa da raiva, que surge devido à impossibilidade do Ego manter a Negação e o Isolamento, os relacionamentos tornam-se problemáticos e todo o ambiente é hostilizado pela revolta de quem sabe que vai morrer. Junto com a raiva, também surgem sentimentos de revolta, inveja e ressentimento.
Nesta fase, a dor psíquica do enfrentar a morte manifesta-se por atitudes agressivas e de revolta; – porque comigo? A revolta pode assumir proporções quase paranóides; “com tanta gente má para morrer porque eu, eu que sempre fiz o bem, sempre trabalhei e fui honesto…”
É importante neste estágio, haver compreensão dos que rodeiam o doente, sobre a angústia transformada em raiva na pessoa que sente interrompidas as suas actividades de vida pela doença ou pela morte.
Barganha: “Deixe-me viver até eu ver o meu filho com o curso acabado.”
Tendo deixado de lado a Negação e o Isolamento, “percebendo” que a raiva também não resolveu, a pessoa entra no terceiro estágio; a barganha. As barganhas tendem a ser organizadas com Deus e, normalmente, mantidas em segredo.
Como dificilmente a pessoa tem alguma coisa a oferecer a Deus, além da sua vida, e como Este parece estar a retirá-la, quer a pessoa queira quer não, as barganhas assumem mais as características de súplicas. A pessoa implora que Deus aceite a sua “oferta” em troca da vida, como por exemplo, promete uma vida dedicada à igreja, aos pobres, à caridade… Na realidade, a barganha é uma tentativa de adiamento. Nesta fase o paciente mantém-se sereno, reflexivo e dócil (não se pode negociar com Deus e ao mesmo tempo hostilizar-se as pessoas).
Depressão: “Não consigo suportar isto, fazer minha família passar por isto.”
A Depressão aparece quando o paciente toma consciência da sua debilidade física, quando já não consegue negar as suas condições de doente, quando as perspectivas da morte são claramente sentidas.
Evidentemente, trata-se de uma atitude evolutiva; negar não adiantou, agredir e revoltar-se também não, fazer barganhas não resolveu. Surge então um sentimento de grande perda. É o sofrimento e a dor psíquica de quem percebe a realidade nua e crua. É a consciência plena de que nascemos e morremos sozinhos. Aqui a depressão assume um quadro clínico mais típico e característico; desânimo, desinteresse, apatia, tristeza, choro, etc.
Aceitação: “Estou pronto, não quero lutar mais.”
Neste estágio o paciente já não experimenta o desespero e não nega mais a sua realidade. Este é um momento de repouso e serenidade antes da longa viagem.
Se esta etapa for alcançada, o processo até a morte pôde ser experimentado em clima de serenidade por parte do paciente e, pelo lado dos que ficam, de conforto, compreensão e colaboração para com o paciente. Numa cultura determinada a varrer a morte para debaixo do tapete e escondê-la aí, Kübler Ross desafiou o senso comum ao trazer e expor essa etapa final da existência para que não tivéssemos mais medo dela.
A compreensão deste processo pode auxiliar o profissional de saúde a entender estes sentimentos e a auxiliar estas pessoas de uma forma mais adequada a esta situação de crise. Muitas pessoas abordam as situações de crise apenas pelo seu lado ameaçador, pelo risco envolvido. Porém, a palavra crise também comporta uma interpretação de oportunidade, de uma chance de crescimento. Desta forma, uma má notícia pode também ser geradora de crescimento pessoal, às vezes associado a muito sofrimento, mas que pode ser suportado desde que entendido e elaborado adequadamente. Para finalizar, podemos resumir a ideia central deste livro, ao sábio pensamento de Montaigne: