Após monitorarem um grande grupo de pacientes durante 12 anos, pesquisadores canadenses anunciaram que apenas três semanas de tratamento à base de radiação são tão eficazes quanto o tratamento normal, que dura cinco semanas ou mais, em mulheres nos primeiros estágios do câncer de mama.
Denise Grady *
Os resultados, apresentados na segunda-feira (22) em uma conferência em Boston, consistem em uma das mais sólidas indicações até o momento de que a duração das sessões de radioterapia pode ser reduzida com segurança a fim de tornar mais fácil a vida das pacientes e permitir que as clínicas reduzam as listas de espera, tratando, desta forma, mais mulheres sem precisar comprar mais máquinas.
Os especialistas afirmam que as novas descobertas, que são frutos de um estudo respeitado, poderão modificar o padrão de tratamento nos Estados Unidos. Atualmente o procedimento típico envolve cinco ou sete semanas de tratamento diário, e a maioria das mulheres gostaria de ter uma chance de passar por isso mais rapidamente – especialmente aqueles que trabalham, têm filhos pequenos ou moram longe da clínica.
Cerca de 180 mil mulheres por ano desenvolvem câncer de mama nos Estados Unidos, e a maioria delas necessita de radioterapia. Calcula-se que entre 30% e 40% dessas pacientes poderão ser candidatas ao tipo de tratamento descrito no estudo.
Alguns centros nos Estados Unidos já oferecem tratamentos de menor duração, mas este tipo de procedimento está geralmente mais disponível no Canadá e em partes da Europa.
“Nós precisamos de fato cogitar seriamente a adoção desse método nos Estados Unidos”, afirma Anthony L. Zietman, oncologista especializado em radioterapia da Escola de Medicina da Universidade Harvard e do Centro de Câncer do Hospital Geral de Massachusetts, além de presidente eleito da Sociedade Americana de Radiologia Terapêutica e Oncologia. Ele não teve participação no estudo canadense.
Mas Zietman adverte que os resultados aplicam-se só as mulheres em estado inicial de câncer da mama, como aquelas que foram alvo da pesquisa. Estas mulheres tiveram os tumores removidos por lumpectomia e não apresentaram disseminação do câncer para os gânglios linfáticos. É comum que mulheres que apresentam tais cânceres em estágio iniciais não necessitem de quimioterapia.
Outras grandes modificações no tratamento radioterápico também estão sendo estudadas. Os médicos vêm fazendo experiências com maneiras de tratar apenas parte da mama, e não o órgão inteiro, e, a fim de tornarem o tratamento mais seguro, eles procuram evitar expor o coração e os pulmões à radiação.
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O objetivo do uso da radiação é impedir que o câncer retorne à mesma área da mama onde ele surgiu primeiro. A idéia é que a radiação mate quaisquer células tumorais que possam ter escapado da cirurgia e da quimioterapia. As células cancerosas são mais vulneráveis à radiação do que as células normais, e o tratamento consiste sempre em uma tentativa de aplicar uma dose de radiação que seja suficiente para destruir as células tumorais, mas que não seja tão intensa a ponto de causar sérios danos a tecidos e órgãos saudáveis.
Segundo Zietman, as alterações de tratamento que estão sendo feitas resultam em parte do sucesso no tratamento do câncer de mama em estágio inicial. Os índices de sobrevivência aumentaram tanto – 98% das mulheres em estágios iniciais de câncer da mama sobrevivem pelo menos cinco anos – que atualmente considera-se razoável fazer uma pausa, avaliar a qualidade de vida da mulher e procurar modificar os tratamentos de forma a torná-los menos onerosos.
“Isto consiste em uma certa mudança na nossa forma de pensar”, afirma Zietman.
Os pesquisadores também esperam que o tratamento mais rápido ajude a tornar a radiação mais acessível a um maior número de mulheres. Atualmente, entre 20% e 30% das mulheres da América do Norte que necessitam desse tratamento não o fazem. E algumas das mulheres que poderiam fazer lumpectomia aliada à radioterapia optam pela mastectomia, simplesmente para evitar a radiação, porque elas moram muito longe das clínicas para fazer a viagem de ida e volta até o local de tratamento.
Nem todos os centros médicos oferecem as técnicas mais novas, e estas não são apropriadas para todas as mulheres. Ao contrário do que ocorria no passado, para muitas mulheres hoje em dia há opções – embora possa ser necessário um certo esforço para descobri-las.
“As pacientes precisam se manifestar”, diz Zietman.
Ele diz que, caso o tratamento padrão seja recomendado, a mulher deve perguntar: “O tratamento precisa ser feito desta forma? Não seria eu uma das pessoas que poderiam ser tratadas com a radioterapia parcial de mama? Ou, caso fosse necessária a irradiação da mama inteira, isto não poderia ser feito de maneira mais abreviada?”.
Ele acrescenta: “Talvez elas possam contar com tais alternativas. Talvez não”.
“Alguns oncologistas especializados em radioterapia poderão resistir às mudanças, temendo abandonar as fórmulas testadas e aprovadas que aprenderam”, explica Zietman. Ele observa que o tratamento padrão conta com 30 anos de evidências para justificá-lo, enquanto que a nova abordagem é testada há menos de 15 anos. Mas, mesmo assim, o trabalho nesta área segue adiante.
“Não se fornece o mesmo tratamento a todas as mulheres com câncer da mama”, diz ele. “Você adota como base do tratamento aquilo que as pacientes têm, e quem elas são”.
Os pesquisadores canadenses decidiram estudar os tratamentos mais curtos porque médicos do Canadá e da Inglaterra passaram a utilizá-los sem um teste formal, a fim de aproveitar ao máximo um número limitado de máquinas de radioterapia.
O estudo incluiu 1.234 mulheres que iniciaram o tratamento em um dentre oito hospitais de 1993 a 1996. Metade das mulheres submeteu-se ao procedimento padrão de 25 sessões em 35 dias (cinco sessões por semana durante cinco semanas). A outra metade submeteu-se a 16 sessões durante 22 dias. O tratamento mais curto utilizou doses um pouco mais elevadas de radiação, mas a dose cumulativa total foi ligeiramente menor.
Houve temores de que a dose média mais baixa permitisse o retorno da doença, ou que as doses mais elevadas pudessem danificar tecidos do seio, do coração e dos pulmões. Os danos provocados pela radiação podem demorar anos, ou até uma década, para aparecer.
Mas, após dez anos, não houve diferenças significativas entre os grupos. Ambos apresentaram índices de retorno da doença entre 6% e 7%, e cerca de 70% das mulheres em ambos os grupos tiveram “um resultado cosmético bom ou excelente”, o que significa que o seio não sofreu muita descoloração, encolhimento ou cicatrizes devido à radiação.
“As nossas pacientes realmente gostam do tratamento porque ele é bem mais conveniente”, explica o médico Timothy Whelan, o primeiro autor do estudo e diretor da unidade de pesquisa de tratamento de apoio a pacientes de câncer no Centro Juravinski de Câncer, em Hamilton, Ontário. “Esta abordagem é preferida porque, na realidade, no Canadá as pacientes podem ter que viajar distâncias maiores até um centro de radioterapia. As pacientes são de fato grandes apoiadoras dessa abordagem”.
Fran Kowhaniuk, 71, que mora em Hamilton, foi submetida a três semanas de tratamento como parte do estudo realizado em 1995. Ela gostou da idéia de terminar mais rapidamente o tratamento, especialmente porque aproximava-se o casamento da filha.
“Estou realmente feliz por ter optado por essa rota”, diz ela. “Eu recomendaria esse tratamento a qualquer paciente”.
Whelan calcula que entre 60% e 70% das mulheres em estágios iniciais de câncer de mama no Canadá já estejam recebendo este tipo de terapia. Resultados similares de estudos feitos na Inglaterra e que envolveram menos anos de acompanhamento foram publicados em periódicos de medicina no início deste ano.
A médica Catherine Park, professora de radioterapia oncológica na Universidade da Califórnia em São Francisco, afirma que a abordagem de Whelan parece ser extremamente promissora.
“Não dá para contestar os resultados”, afirma ela.
Park conta que tratou 20 ou 30 pacientes com esse método e diz esperar que as descobertas de Whelan satisfaçam médicos mais conservadores, que desejam dados adicionais, de forma que eles possam oferecer a nova terapia às pacientes apropriadas. Ela afirma que o tratamento mais curto seria provavelmente apropriado para mulheres com um problema chamado carcinoma ductal in situ (DCIS, na sigla em inglês), um tipo de câncer de mama em um estágio ainda anterior àquele analisado pelo estudo. Mas a técnica não foi estudada em pacientes com DCIS.
Entretanto, Park faz uma observação, recomendando cautela: os oncologistas especializados em radioterapia dão um “reforço” a algumas pacientes, o que significa de cinco a oito doses extras de radiação aplicadas apenas na área do tumor. O estudo de Whelan não incluiu esse reforço, e alguns médicos acreditam que, ao ser somado às doses diárias mais altas, ele significaria um excesso de radiação. Mas alguns médicos podem não se dispor a oferecer as sessões mais curtas a pacientes que, na opinião deles, poderiam se beneficiar com um reforço.
Silvia Formenti, diretora de oncologia radiológica da Universidade de Nova York e líder de pesquisas de câncer de mama no instituto de câncer daquela instituição, afirma que o estudo de Whelan é impecável e extremamente sólido. Ela diz que tratou mais de mil pacientes usando um cronograma mais rápido de sessões radioterápicas, muitas vezes incluindo um reforço. O tempo médio para o retorno da doença foi de mais de cinco anos. Algumas pacientes estavam em um estágio da doença um pouco mais avançado do que as mulheres acompanhadas durante o estudo de Whelan. Segundo Formenti, até o momento os resultados foram pelo menos tão bons quanto aqueles apresentados com o tratamento convencional.
Formenti utiliza uma técnica que ela e outros pesquisadores acreditam ser importante para tornar o tratamento mais seguro: a maioria das pacientes é tratada na posição deitada de bruços, em vez de na postura mais tradicional, que é de costas. As mulheres deitam-se em um colchão que possui aberturas no local dos seios. A idéia é deixar os seios afastarem-se do tórax por gravidade, a fim de minimizar as áreas do coração e dos pulmões expostas à radiação.
Oncologistas especializados em radiologia adorariam evitar atingir esses órgãos, já que existem certas indicações de que a irradiação do coração – cuja ocorrência é mais provável quando a mama esquerda é o alvo do tratamento – pode elevar o risco de doença da artéria coronária. E, ainda que os problemas de pulmão vinculados ao tratamento radiológico do câncer de mama sejam extremamente raros, existe potencial para formação de cicatrizes e irritações, e até mesmo o risco maior de câncer de pulmão, especialmente entre as fumantes.
“Por que não fazer aquilo que é o melhor para as mulheres?”, questiona Formenti, acrescentando que a técnica de aplicação de radiação com a paciente de bruços é fácil de ser aprendida pelos médicos.
Ela utiliza a técnica de tomografia computadorizada para determinar que posição é de fato a mais segura para cada paciente.
No Centro Memorial de Câncer Sloan-Ketting, em Nova York, a maioria das mulheres é tratada na posição de bruços, e cerca da metade delas escolhe as sessões mais curtas, afirma a médica Beryl McCormick, a diretora clínica de oncologia radiológica.
“Não vejo nenhuma diferença de resultado entre as pacientes”, diz ela.
“O tratamento mais rápido deveria tornar-se a prática padrão para as mulheres com câncer de mama em estágios iniciais. Fico surpresa em constatar quanto tempo os médicos demoram para modificar tais padrões”, afirma McCormick.
Os centros médicos estão também experimentando técnicas que poderiam reduzir o tratamento para alguns dias ou até mesmo para apenas um dia em determinadas mulheres. Essas técnicas envolvem o tratamento de apenas cerca de um quarto da mama, a parte mais próxima ao tumor, e a radiação pode ser aplicada com a máquina ou com grânulos radioativos que são implantados temporariamente na cavidade deixada pela lumpectomia. Em alguns casos a dose total de radiação é aplicada antes da paciente deixar a sala de cirurgia.
“Os tratamentos parciais do seio ainda estão sendo estudados, e embora os resultados pareçam promissores, é necessário maior tempo de acompanhamentos para termos certeza. Eu duvido que alguém vá defender com vigor esta abordagem antes que haja mais informações disponíveis”, afirma ele.
Park, que está estudando a técnica de irradiação parcial do seio, afirma: “Estamos descobrindo a quem nós podemos tratar apropriadamente com essas sessões de radioterapia mais limitadas. Neste momento podemos não saber exatamente, mas as pessoas devem prestar atenção. Nos próximos dez anos haverá realmente um aumento das opções que poderemos oferecer às pacientes de câncer da mama”.
Tradução: UOL
Fonte: The New York Times, 28/9/2008. Disponível Aqui