Não sei exatamente quando foi que me deu na telha ser psicólogo. Lembro-me que queria ser escritor, romancista, contista, qualquer coisa do tipo. Poeta, não. Achava os poetas uns caras fora da realidade e eu me achava um sujeito muito objetivo, muito realista, muito pé-no-chão, haja pretensão!
Waldir Bíscaro *
Mais tarde, ainda na adolescência, me reconciliei com os poetas e gostava de decorar Castro Alves, para declamar. Depois descobri os poetas modernistas e tentei imitá-los, sem nenhum sucesso.
Aos quatorze anos, junto com alguns colegas considerados mais “caxias” e liderados por Carlos Franchi – mais tarde Livre Docente de Linguística na Unicamp – formamos uma espécie de sociedade secreta. A principal regra era a de que cada membro teria de se tornar especialista em algum ramo da ciência e, mais, tinha de ser sempre dos primeiros em sala de aula. A especialidade que escolhi, sem saber o real objeto dessa escolha, foi Biologia, que depois verifiquei tratar-se de Filosofia.
Um dia me caiu nas mãos o primeiro livro de filosofia. Era de um filósofo espanhol, Jaime Balmes. “O Critério” era o nome do livro. Só mais tarde é que classifiquei o texto como pequeno tratado de “epistemologia” – a área da filosofia que trata da formação do conhecimento e dos critérios de certeza. Não só li o livro como fiz um resumo de cada capítulo, um bom exercício de concisão. Guardei durante muito tempo esse resumo e não sei quando foi que o perdi.
Aos dezessete anos, já no seminário maior, comecei a estudar filosofia e tive meus primeiros contatos com a psicologia chamada filosófica. Nessa fase, escrevi uma defesa do silogismo como instrumento de expressão do pensamento lógico. Escrevi também uma matéria sobre a diferença essencial entre os três reinos da natureza: mineral, vegetal e animal. E foi ao defender essas diferenças que me caiu a ficha da continuidade entre os três reinos e não suas diferenças essenciais. O caminho para aceitar o evolucionismo estava aberto.
O primeiro tema mais próximo da psicologia que escrevi foi sobre as Sensações Cenestésicas, as sensações vitais, fome, sede, fadiga. Aos dezenove anos escrevi o texto que me deu mais trabalho e também satisfação, este na área da metafísica ou, mais propriamente, da axiologia: “Valor – Ser e Razão”. Aí, defendia uma tese na linha aristotélica contrária à dos fenomenologistas, como Hartman ou Max Sheller. Dizia eu, nessa tese, que o Valor era nada mais que uma das expressões do Ser e era captado pela razão e não pela emoção. Hoje, sou menos radical e aceito a participação da emoção na captação do Valor.
Meu primeiro contato formal com a psicologia no sentido de disciplina autônoma foi quando estudei filosofia na faculdade, lá em Curitiba. Meu professor de psicologia era um entusiasta da linha humanista de Gaston Berger, um misto de filósofo e psicólogo. Na faculdade tive acesso às teorias psicanalíticas: Pearson, Freud, Melanie Klein e outros.
Nesse tempo, participei de um concurso internacional com um trabalho sobre o significado da dor. O tema deveria ser tratado sob o enfoque da ascese, ou seja, como deveria ser interpretada a atitude de pessoas que aceitam a dor como meio de alcançar a perfeição. Comecei sob o enfoque proposto, mas logo em seguida examinei o tema sob o ponto de vista da psicologia e da psicopatologia e até da literatura.
Em 1957, em São Paulo e já fora do seminário, fiz o curso de Orientação Educacional e Profissional, na PUC SP. Ainda não havia sido instalado o curso de psicologia. Foi então que conheci o Dr. Enzo Azzi e tinha com ele cerca de nove horas de aula por semana. Firmava-se aí o meu interesse pela psicologia. Por enquanto, na área educacional. Nessa época, ainda nem sabia da existência da psicologia do trabalho. Meu interesse se restringia à escola que, por sinal, era também o único espaço de trabalho disponível então.
Em 1958, é aberto o Curso de Especialização em Psicologia Clínica e, após processo seletivo, me inscrevo nele. Estava traçado o caminho de minha realização profissional, mas apenas aparentemente… Tal como a filosofia, a psicologia ainda não era uma profissão, então tudo não passava de puro diletantismo. Quem sabe, mais adiante, o cenário mudasse.
* Filósofo e psicólogo e ex-professor de Psicologia do Trabalho na PUC/SP.
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