Semelhanças entre as devastadoras pandemias: Covid 19 e gripe espanhola

Semelhanças entre as devastadoras pandemias: Covid 19 e gripe espanhola

Entrevista com o escritor Ruy Castro

Os idosos também foram a faixa etária mais atingida pela epidemia da gripe espanhola, que vitimou principalmente os idosos 70+ e as crianças menores de cinco anos. E como foi uma pandemia social, como o Covid 19, atingiu também a população economicamente ativa, entre vinte a quarenta anos.    


Metrópole à beira-mar

Ruy, no início de março, assim que começaram as primeiras notícias sobre a pandemia do Covid 19, os leitores do seu livro Metrópole à beira-mar – O Rio moderno dos anos 20, lançado em novembro de 2019, fizeram a imediata comparação entre a impressionante semelhança do Covid 19 com a pandemia da gripe espanhola, que você relata em detalhes logo no início do seu livroVárias cidades litorâneas brasileiras sofreram com a gripe espanhola, como Recife, Salvador e Santos, mas o Rio foi a sua principal porta de entrada e a cidade mais devastada por ela. Como se deu esta contaminação? 

A gripe espanhola já tinha se instalado nos Estados Unidos, na Europa e na África quando chegou aqui. Na época, com meios de comunicação precários, isso não chamou a atenção entre nós. Ela chegou ao Rio no dia 16 de setembro de 1918, quando o navio britânico Demerara atracou no porto, vindo de Lisboa, mas com escala em Dakar, onde já estava implantada. A bordo havia duzentos tripulantes em vários estágios da doença e outros só aparentemente saudáveis. Os marujos desembarcaram na Praça Mauá e foram para as gafieiras e bordéis. Em poucos dias, os primeiros casos apareceram na cidade. As pessoas caiam doentes e morriam em questão de horas. Segundo o médico Miguel Couto, já influente na época, a espanhola contaminou 600 mil pessoas, metade da população da cidade na época, e causou 15 mil mortes.

Assim como o corona vírus foi identificado como originário da cidade de Wuhan, na China, de onde veio a gripe espanhola?

Apesar do nome gripe espanhola, sabemos que a gripe não era originária da Espanha. Recebeu este nome porque, ao contrário dos outros países europeus, que a contraíram quase ao mesmo tempo, a Espanha, neutra na primeira guerra mundial, não escondeu os seus primeiros casos. O mundo inteiro ficou sabendo que um terço da população de Madri adoecera, inclusive o rei Alphonso XIII. A pandemia parece ter sido originada nos Estados Unidos. Mais precisamente dos estados de Kansas e Nova York, e sido levada para a Europa pelos soldados americanos, embarcados em abril de 1918, para lutar na guerra. Como atingia primeiro as zonas litorâneas, presume-se que foi transmitida por marinheiros em viagem, contaminando as tropas em terra e espalhando-se para as populações civis.  

De acordo com sua narrativa, podemos destacar as notáveis semelhanças entre a gripe espanhola e o Covid 19, inclusive nos sintomas e na causa da morte?

Os sintomas tinham semelhança com os sintomas do Covid 19: dor de cabeça, febre, dor no corpo, cansaço, letargia, diarréia. Ao fim de poucos dias, sobrevinha a morte por insuficiência respiratória aguda. Assim como na pandemia do Covid 19, que popularizou medicamentos inócuos para a cura da doença como a cloroquina, o antiparasitário Ivermectina e recentemente, a aplicação de ozônio por via retal, as pessoas começaram a tratar a espanhola à base de remédios milagrosos. Começando pelo próprio quinino, usado na cura da malária, um remédio homeopático desenvolvido especialmente por um laboratório, o Grippina e até a própria Bayer, que passou a oferecer a aspirina Fenacetina, como “tiro e queda contra a influenza.” Além, é claro, das receitas caseiras à base de limão, cachaça, vinho do Porto, cebola, fumo de rolo.  

Semelhanças notáveis entre a epidemia da gripe espanhola com a pandemia do Covid 19, surgem em relação aos fatos relacionados aos rituais da morte, sepultamento e luto.

Não perca nenhuma notícia!

Receba cada matéria diretamente no seu e-mail assinando a newsletter diária!

A morte em massa começou a gerar consequências que ninguém podia controlar. Sem leitos suficientes nos hospitais, os doentes eram amontoados até nos corredores. Os hospitais foram fechados às visitas e, nos enterros, só se permitia a presença dos mais próximos. Mas logo deixaria de haver espaço para as condolências. Em pouco tempo, os velhos rituais – velório, cortejo e sepultamento — ficaram impraticáveis.

Assim como na pandemia do Covid, a principal medida para evitar a expansão do contágio, o isolamento social, também foi usada na epidemia da espanhola, como a medida sanitária mais eficaz?  

Através dos jornais, que continuaram a circular mesmo que reduzidos a poucas páginas, a população do Rio era aconselhada a andar a pé e evitar os trens, bondes e ônibus. Recomendava-se que a população evitasse tossir, espirrar, cuspir ou assoar o nariz em público. As aglomerações foram desestimuladas e, com isto, a vida na cidade, parou. Fábricas, lojas, escolas, teatros, cinemas, concertos, restaurantes, bares, tribunais, clubes, associações e até bordéis, foram fechados. As principais vias do Rio de Janeiro, a Avenida Rio Branco, a Rua do Ouvidor, a Praça Tiradentes, pareciam cidades-fantasma. O movimento do porto parou – os navios que chegavam ficavam algumas horas no cais e iam embora, por falta de gente para descarregá-los. Um mês depois, devido à devastação de contágio e morte — o preço a pagar foi muito alto —, a cidade autoimunizou-se. As pessoas saíram às ruas já no começo de novembro, ninguém mais morreu da espanhola e o Carnaval de 1919 foi o maior da história até então — porque, como eles não podiam garantir que a gripe acabara para sempre, aquele podia ser o último Carnaval de suas vidas.

Ao contrário da Covid-19, que viaja de avião, a Espanhola viajava de navio, a pé ou de trem. O problema é que a ciência, em 1918, era primitiva em comparação com a nossa — os próprios vírus nunca tinham sido até então observados num microscópio. Hoje, os meios de transporte tornam a comunicação muito mais maciça, mas os meios de comunicação também permitem instruir a população sobre as medidas a tomar — como a quarentena, o isolamento, o uso da máscara, lavar as mãos. Mas, para isso, é preciso que haja um controle central, para fazer com que todas as regiões do país tomem medidas coordenadas. O que, como nós sabemos, não aconteceu e não está acontecendo no Brasil. 

Fotos divulgação


Serviço
Livro: Metrópole à beira-mar – O Rio moderno dos anos 20
Autor: Ruy Castro
Ilustrador: Helio de Almeida
Ano: 2019
Editora: Companhia das Letras

Maria do Carmo Guido

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós graduada em Gestão de Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Pesquisadora e consultora nos temas da Economia do Envelhecimento. Embaixadora para as Mulheres Idosas na Me Too Brasil. Colaboradora no Portal do Envelhecimento. Conselheira no Conselho Municipal da Pessoa Idosa de São Paulo. E-mail: [email protected]

Compartilhe:

Avatar do Autor

Maria do Carmo Guido

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós graduada em Gestão de Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Pesquisadora e consultora nos temas da Economia do Envelhecimento. Embaixadora para as Mulheres Idosas na Me Too Brasil. Colaboradora no Portal do Envelhecimento. Conselheira no Conselho Municipal da Pessoa Idosa de São Paulo. E-mail: [email protected]

Maria do Carmo Guido escreveu 24 posts

Veja todos os posts de Maria do Carmo Guido
Comentários

Os comentários dos leitores não refletem a opinião do Portal do Envelhecimento e Longeviver.

LinkedIn
Share
WhatsApp
Follow by Email
RSS