Atualmente o que não faltam são trabalhos falando da sexualidade feminina, principalmente das mulheres com idade superior a 40 anos. Nesta linha, uma nova pesquisa foi publicada na edição de janeiro do “American Journal of Medicine”, demonstrando que a satisfação sexual das mulheres pode realmente aumentar com a idade. O estudo analisou tanto a satisfação sexual relacionada a fatores como o uso de hormônios, frequência de excitação, lubrificação, orgasmo e dor durante o ato sexual juntamente com o desejo sexual e a satisfação entre 806 mulheres com idade de 40 a 100 anos (média de idade de 67 anos, 63% pós-menopausa).
Lendo este estudo lembramos do curta metragem de 1995 intitulado “Ruído de Passos”, direção da brasileira Denise Gonçalves. A sinopse começa com a pergunta: “A terceira idade apaga o desejo sexual?” Por que este tema ainda causa tanto desconforto e surpresa nas pessoas? Será que os anos, as rugas e os cabelos brancos são assim tão cruéis?
No conto “Ruído de Passos” do livro “A via crucis do corpo” (1998: 55-56), Clarice Lispector traz a história de uma mulher de 81anos chamada Cândida Raposo. Ela sofre pelo “desejo do prazer”:
“Essa senhora tinha a vertigem de viver. A vertigem se acentuava quando ia passar dias numa fazenda: a altitude, o verde das árvores, a chuva, tudo isso a piorava. Quando ouvia Liszt se arrepiava toda. Fora linda na juventude. E tinha vertigem quando cheirava profundamente uma rosa.
Pois foi com dona Cândida Raposo que o desejo de prazer não passava.
Teve enfim a grande coragem de ir a um ginecologista. E perguntou-lhe envergonhada, de cabeça baixa:
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- Quando é que passa?
- Passa o quê, minha senhora?
- A coisa.
- Que coisa?
- A coisa, repetiu. O desejo de prazer, disse enfim.
- Minha senhora, lamento lhe dizer que não passa nunca.
Olhou- o espantada.
- Mas eu tenho oitenta e um anos de idade!
- Não importa, minha senhora. É até morrer.
- Mas isso é o inferno!
- É a vida, senhora Raposo.
A vida era isso, então? Essa falta de vergonha?
- E o que é que eu faço? Ninguém me quer mais…
O médico olhou-a com piedade.
- Não há remédio, minha senhora.
- E se eu pagasse?
- Não ia adiantar de nada. A senhora tem que se lembrar que tem oitenta e um anos de idade.
- E… e se eu me arranjasse sozinha? O senhor entende o que eu quero dizer?
- É, disse o médico. Pode ser um remédio.
Então saiu do consultório. A filha esperava-a embaixo, de carro. Um filho, Cândida Raposo perdera na guerra, era um pracinha. Tinha essa intolerável dor no coração: a de sobreviver a um ser adorado.
Nessa mesma noite deu um jeito e solitária satisfez-se. Mudos fogos de artifícios. Depois chorou. Tinha vergonha. Daí em diante usaria o mesmo processo. Sempre triste. É a vida, senhora Raposo, é a vida. Até a benção da morte.
A morte.
Pareceu-lhe ouvir ruído de passos. Os passos de seu marido Antenor Raposo”.
Quantas senhoras, como Cândida Raposo, não sofrem pelo desejo que não cessa? É por essas reflexões que desconfiamos de algumas pesquisas, excessivamente otimistas e algumas até tendenciosas. Parece que precisamos estar sempre satisfeitas, mesmo na mais completa solidão.
Segundo os pesquisadores “enquanto a atividade sexual diminui conforme a mulher envelhece, cerca da metade delas com 80 anos ou mais disse ser sexualmente satisfeita a maior parte do tempo ou o tempo todo”.
Eles reforçam a ideia de que “as mulheres mais velhas estudadas eram as mais satisfeitas em geral, e as mulheres mais velhas que tinham sido recentemente sexualmente ativas relataram que tinham orgasmos satisfatórios quase com a mesma frequência das mulheres mais jovens”.
Concluindo: “61% das mulheres disseram que estavam felizes com suas vidas sexuais – independentemente do nível de suas atividades sexuais, e sem importar também se tinham um parceiro ou não”.
De acordo com os pesquisadores “a atividade sexual nem sempre era necessária para a satisfação sexual. As que não eram sexualmente ativas podem chegar à satisfação através de toques, carícias ou outras intimidades desenvolvidas ao longo de um relacionamento de longo prazo”.
Com certeza, o prazer numa atividade sexual pode ser obtido de diversas formas e maneiras, mas dizer que “ter um parceiro ou não” é algo que uma mulher “não se importa” (quase indiferente), isso já é demais!
Como sexo é bom, todos gostam e praticam, “Do it. Safely” – o anúncio – parece ter vindo em boa hora e com muito bom humor. Trata-se de uma campanha que promove as relações sexuais protegidas na terceira idade. Lançada pela organização norte-americana SaferSex4Seniors, a iniciativa pretende demonstrar aos idosos tudo aquilo que ainda lhes é possível realizar para satisfazerem o desejo sexual.
Ao mesmo tempo que promove o sexo na terceira idade, colocando os mais velhos a simular posições sexuais mais ou menos acrobáticas num anúncio televisivo, a instituição transmite um alerta para a importância da prática de sexo seguro e protegido através da utilização do preservativo, o único método contraceptivo que protege as pessoas das doenças sexualmente transmissíveis.
Interessante analisar como as pessoas reagem ao assistir o anúncio. Algumas dão aquele tipo de sorriso constrangido, outras se mostram super liberais, até intelectualizando as cenas. Todo tipo de reação pode ser encontrada, mesmo nos dias de hoje em que nos julgamos sujeitos liberais e isentos de qualquer preconceito. Será?
Referências
LISPECTOR, C. (1998). Ruído de passos. In: __. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco.
O GLOBO (2012). Satisfação sexual feminina aumenta com a idade. Disponível Aqui. Acesso em 22/05/2012.
VÍDEO (2012). Anúncio promove sexo seguro na terceira idade. Disponível Aqui. Acesso em 15/04/2012.
VÍDEO (2010). Ruído de Passos. Disponível Aqui. Acesso em 13/04/2012.