Em seu dia-a-dia de trabalho, a fisioterapeuta Janaína da Silva Aguiar demonstra ter um ouvido especialmente atento às falas de seus pacientes – muitos deles, idosos. Comunicativa por natureza, sempre dá espaço para vários tipos de conversas durante os encontros com os clientes.
Maria Lígia Mathias Pagenotto
E a sexualidade, percebe Janaína, é um tema recorrente na fala dos mais velhos. O que eles – tanto homens como mulheres – parecem omitir em outras consultas, talvez por falta de empatia com o profissional, contam para Janaína.
A partir desses diálogos, a pesquisadora de ouvido e olhar sensíveis construiu sua dissertação de mestrado, intitulada “O escutar: confissões sobre sexualidade”, orientada pela professora doutora Suzana Aparecida da Rocha Medeiros e defendida em abril de 2011, no Programa de Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Sua questão primordial, diante de um ainda forte tabu da sociedade, que diz que os idosos não têm desejos sexuais, foi o de justamente compreender o significado da sexualidade para indivíduos com mais de 70 anos.
Para tanto, selecionou cinco de seus pacientes – três mulheres e dois homens – com a cognição preservada. A maioria relatou que o desejo sexual não desaparece, segundo conta a mestre.
Veja abaixo o que diz Janaína sobre sua experiência como pesquisadora deste tema.
O que levou você ao mestrado em Gerontologia?
Após o término da faculdade de fisioterapia, realizei uma pós-graduação na área de geriatria, que abordou o envelhecimento acompanhado de patologias. Isso me sensibilizou para estudar e pesquisar a respeito de como vivia esse idoso – fragilizado e com déficits – na sociedade. Achei que o caminho seria cursar o mestrado em Gerontologia, a fim de me aprofundar nessas questões, e também estudar não só o idoso do ponto de vista da doença, mas de uma outra forma – bem mais complexa, que viria a descobrir no decorrer do curso.
Como se decidiu pelo seu tema de pesquisa e como foi o seu desenvolvimento?
Foi de uma forma curiosa. Em encontros descontraídos com alguns colegas do mestrado, comentávamos as confissões de pacientes, clientes e alunos dirigidas aos profissionais de cada área, acerca da questão do desejo voltado para o sexo. A cada dia mais me entusiasmava com esse assunto, pois via o quanto ele estava presente, de uma forma ou de outra, em muitas falas. E meus pacientes relatavam – e relatam ainda – bastante esta questão, mostrando o quanto isso está no dia-a-dia do idoso. E me chamou atenção também o quanto negligenciamos estas falas. Nos diálogos realizados durante as aulas de Metodologia Científica, comentei o tema com o grupo e a professora. E, após algumas pesquisas, descobri que havia escassa literatura sobre ele. Foi então que resolvi fazer deste desafio a minha pesquisa e tema para a minha dissertação de mestrado.
Que desafios você considera como principais durante o desenvolvimento deste trabalho?
A escassa literatura, como já dito, foi um problema. Também tive dificuldade de interpretar muitas das leituras (a teoria, que me sustentaria no contexto sobre sexualidade, por ser leitura mais elaborada, me obrigaria a cursar a disciplina que fundamenta esta parte do trabalho). Foi um percurso com obstáculos e desafios, certamente, mas também muito prazeroso. Descobri autores que desconhecia até então e isso me abriu novos e importantes horizontes pessoais e profissionais.
O que ressaltaria como sendo relevante em seu percurso de pesquisa?
Percebi muitas coisas, que são essenciais no trato com os clientes. Em relação especialmente ao exercício da sexualidade, existem os pacientes possuidores de alguma doença e também existem limitações em decorrência da idade. Mas o importante é que são pessoas com desejos, valores e abertura à vida como qualquer outro indivíduo, independentemente da idade. Isso ficou muito claro para mim e acredito que seja importante compartilhar com outros profissionais que trabalham também diretamente com idosos.
Como avalia a repercussão de sua pesquisa na sociedade? De que forma acha que seu trabalho contribui para uma cultura da longevidade?
Quando conversava e explicava sobre meu tema de pesquisa com alguns pacientes adolescentes e adultos jovens, a maioria entendia por sexualidade apenas o ato sexual em si, e afirmavam ser um “absurdo” haver sexualidade nos entrevistados acima de 70 anos. No final das discussões, expunha a visão na qual se baseava o trabalho e muitos terminavam por concordar comigo. Com grande frequência, relatavam que não haviam pensado na questão ou mesmo desconheciam outras hipóteses sobre a sexualidade. Por conta disso, acredito que meu trabalho contribui para melhor esclarecimento sobre sexo e sexualidade e a diminuição do preconceito com essa faixa etária.
O que o mestrado e a pesquisa acrescentaram em sua vida pessoal e profissional?
Percebi os diferentes significados que cada paciente tinha a respeito do assunto: houve quem se sentisse deprimido, outros manifestaram-se de maneira extrovertida ou introvertida, mas sentindo-se valorizados por saberem que a sua faixa etária não foi totalmente esquecida pela sociedade. Isso foi um grande aprendizado. Por ser fisioterapeuta, percebo nos pacientes idosos, viúvos, separados e solteiros que atendo em domicílio, a falta de uma companhia. Indico a todos atividades em grupo, o que aumenta a socialização, aprendendo e experimentando atividades novas, sempre com o objetivo de estimular o corpo e a mente. Afinal, o envelhecimento do corpo não deve significar deixar de viver a vida. Há distintas limitações, mas deve-se sempre acreditar que todas as experiências valem a pena, Eu, pessoalmente, tinha uma visão biológica do envelhecimento, em decorrência da minha formação como fisioterapeuta, e hoje acrescentei a visão humanista à ação profissional e pessoal. Foi um ganho muito significativo para minha vida como um todo.
Quais são os passos seguintes ao mestrado em sua vida acadêmica?
Estou sempre buscando aperfeiçoar o que aprendi no mestrado, indo além. Participo sempre que possível de congressos, com trabalhos, e também faço cursos que podem contribuir para meu aperfeiçoamento.
O que tem a dizer para quem está começando a pesquisar o envelhecimento?
Acho que é fundamental, como em qualquer área, sempre estudar e se atualizar para uma melhora do quadro físico, psicológico e social do paciente. É preciso ver o envelhecimento como um processo natural, não enxergar a velhice do ponto de vista da patologia, mas sim como algo complexo e heterogêneo.