Tramita na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro um projeto de lei – já aprovado em primeira discussão – para a regulamentação da ocupação de cuidador preconizando que esta função só poderá ser exercida por profissional da enfermagem.
Maria Angélica Sanchez
Entidades do Rio de Janeiro se reuniram recentemente para aprovação de uma carta aberta a ser enviada às autoridades envolvidas no assunto.
Já está agendada uma reunião na ALERJ para conversar com a autora do projeto. No entanto, é necessário um envolvimento maior de vários segmentos da sociedade. Apesar de ser um movimento do Estado do Rio de Janeiro, estamos buscando a adesão de outros estados.
Envio esta carta para que tomem ciência deste movimento no Rio de Janeiro e também para solicitar apoio à mesma. Como não foi sancionado, ainda temos tempo hábil para reverter a situação.
Solicito aos que puderem, por gentileza, imprimir a carta e anexar uma folha contendo nome, CPF e assinatura das pessoas que apoiam a iniciativa. Estas assinaturas podem ser enviadas para a Sede da SBGG-RJ (Av. Nossa Senhora de Copacabana 647 / 610 – Copacabana – RJ).
(*) Maria Angélica Sanchez éAssistente social – Gerontóloga pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – CIPI/UnATi/UERJ e Presidente do Departamento de Gerontologia – SBGG-RJ
Carta-aberta, em defesa dos direitos dos idosos que necessitam de cuidados, em apoio aos familiares e cuidadores, em prol do envelhecimento com dignidade no Estado do Rio de Janeiro
Exmo. Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sergio Cabral
Exmo. Sr. Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Deputado Paulo Melo
Exmos. Deputados da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro Exma. Deputada do Partido Comunista do Brasil, Sra “Enfermeira” Rejane
O envelhecimento da população brasileira, processo que vem ocorrendo há algumas décadas e transformando a composição das idades no âmbito desta população, é fruto de inúmeras conquistas as quais proporcionaram o aumento da longevidade, a diminuição de inúmeras doenças, melhorias no quadro epidemiológico, o avanço tecnológico, juntamente com o progresso econômico e social. Por outro lado, tal fenômeno impõe necessidades e desafios para as famílias, para a sociedade e, sobretudo, para o Estado, que por meio das políticas públicas é o principal responsável pela garantia de direitos e execução da legislação e, assim, deve promover e apoiar o envelhecimento com qualidade de vida, dignidade e garantia de direitos.
Uma das características do envelhecimento populacional no nosso país, diante do aspecto da longevidade com o aumento progressivo do número de idosos com idades avançadas acima de 80 anos e significativo aumento daqueles que ultrapassam os 100 anos, grupos estes que se tornam mais vulneráveis a dificuldades ou limitações na realização de diversas atividades cotidianas, algumas podendo comprometer a autonomia e independência, um dos maiores desafios para as principais nações que vivenciaram o envelhecimento populacional vem sendo a implantação de políticas de apoio ao cuidado, fato este que vem do reconhecimento de que muitas famílias com idosos dependentes necessitam de ajuda, apoio e orientações permanentes. Muitos cuidadores são familiares e também idosos o que os torna suscetíveis a chamada “Síndrome de Burnout”, decorrente da sobrecarga e do estresse da relação de cuidados, que os coloca na condição de população de risco. O nosso país ainda está atrasado na implantação de políticas para o cuidado, se comparado com outras experiências no âmbito internacional. Uma das medidas que vem sendo frequentemente empregada por famílias, idosos e também instituições públicas e privadas é a contratação de “cuidadores”, ou seja; pessoas que atuam no âmbito doméstico ou institucional e que auxiliam nas atividades de vida diária do idoso, na manutenção da autonomia e independência, assim como na socialização e no lazer.
O cuidador é considerado um elo importante entre as famílias, instituições e os serviços assistenciais, contribuindo para manter a qualidade de vida e as possibilidades de participação social daqueles que são cuidados. Na legislação brasileira, o cuidador é reconhecido pelo Código Brasileiro de Ocupações do Ministério do Trabalho, desde o ano 2000, e está registrado neste código sob o número 5162-10, e definido como aquele que “cuida a partir dos objetivos estabelecidos por instituições especializadas ou responsáveis diretos, zelando pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida”.
O cuidador, em suma, é o familiar ou não, que presta cuidados a outrem, que esteja necessitando de cuidados por estar com algum tipo de dificuldade, limitações físicas, sociais ou mentais, com ou sem remuneração. Em 1999, cabe ainda ressaltar, uma portaria interministerial dos Ministérios da Saúde e da Previdência e Assistência Social instituiu o “Programa Nacional do Cuidador”, com o objetivo de fomentar ações para a qualificação desses trabalhadores em todo o território nacional. Desde então, diversas ações com tal finalidade vêm sendo desenvolvidas por inúmeros órgãos, tais como Ministério do Trabalho, Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Secretaria Especial de Direitos Humanos e Outros. Apenas para citar um exemplo, o Programa Pro – Jovem Urbano, vinculado à Presidência da República durante o segundo Governo Lula, incluiu a formação de cuidadores entre as ações voltadas para a escolarização e qualificação profissional de jovens oriundos de comunidades carentes. Diversos projetos vêm sendo desenvolvidos por instituições de ensino, como, por exemplo: a Universidade Aberta da Terceira Idade/Uerj, Escola Politécnica de Saúde/Fiocruz e ações de secretarias de Estados e de Municípios, assim como, de longa data, realizados por Entidades da Sociedade Civil, tais como a ANGRJ, ABRAZ-RJ, Organizações Não-Governamentais, além do Sistema “S”.
Outros exemplos dignos de nota são a publicação do Manual do Cuidador da Pessoa Idosa, pela Secretaria de Direitos Humanos e a edição do Guia Prático do Cuidador, pelo Ministério da Saúde, ambos com distribuição gratuita em todo o território nacional. O Guia do Ministério da Saúde, inclusive, referencia a Cartilha do Cuidador de FURNAS Centrais Elétricas S.A., na qual existe um Programa de Cuidador Social, há 18 anos, que já formou milhares de pessoas. É importante acrescentar que o cuidador não é considerado como um profissional de saúde. Segundo o Guia Prático do Cuidador, do Ministério da Saúde (2008), “o ato de cuidar não caracteriza o cuidador como um profissional de saúde”. Dentro de suas atribuições e competências, não é prevista a realização de procedimentos técnicos, sobretudo aqueles invasivos, tais como aplicações de injeção no músculo ou na veia, curativos complexos, e outros. Os cuidadores são comumente contratados por instituições de longa permanência e possuem atribuições diferenciadas do corpo de enfermagem.
No Congresso Nacional, tramitam diversos projetos de lei que possuem como objetivo a regulamentação da profissão de cuidador, com vistas a padronizar os cursos de qualificação profissional para cuidador e circunscrever as suas atribuições. Tais projetos, cabe ressaltar, visam a valorização, fortalecimento e reconhecimento desses trabalhadores, sendo que diversos debates, envolvendo entidades e pessoas relacionadas à área já foram realizados, sendo o mais recente deles a audiência pública no Senado Nacional ocorrida no final de 2011 e transmitida nacionalmente pela TV Senado, na qual os presentes foram unânimes em apoiar a regulamentação da profissão. Pioneira nesta luta a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro apresentou o Projeto de Lei 2372/2001, de autoria da então Deputada Tânia Rodrigues, proposta construída a partir de reuniões com a participação de inúmeras entidades, lideranças
do movimento social do idoso, órgãos públicos, empresas estatais e representantes cuidadores de idosos, na perspectiva de Regulamentação do Cuidador de Idosos. Recentemente, na contramão de todas essas iniciativas voltadas para o reconhecimento desses trabalhadores, no dia 14/02/2011, a ALERJ aprovou, em primeira discussão, o Projeto de Lei 979/11 de autoria da Deputada “Enfermeira” Rejane, o qual “estabelece normas para o exercício da atividade profissional de cuidador de idoso no âmbito do Estado do Rio de Janeiro”. Diz o Projeto de Lei, em seu artigo primeiro, que “os profissionais que desempenhem a atividade de cuidadores de idosos no âmbito do Estado do Rio, seja em instituições públicas, privadas ou domiciliar possuam em sua formação, no mínimo, o de auxiliar de enfermagem” (grifo nosso). Tal projeto difere de todas as iniciativas destinadas à regulamentação das atividades do cuidador, pois ao invés de atrelar o exercício da profissão à formação em curso próprio para cuidador, o associa a uma formação profissional na área de enfermagem. É preciso acrescentar que o curso de auxiliar de enfermagem, além de não ser voltado especificamente para o cuidado de idosos, deixou de ser ofertado em 2003, não mais existindo desde então.
Hoje, a formação mínima na área de enfermagem é o curso técnico, uma qualificação cara e longa, já que possui carga horária superior a 1200 horas. Esta formação técnica também não é necessariamente a mais adequada para o cuidado ao idoso, já que a gerontologia e geriatria, quando oferecidas nas grades curriculares, compõem apenas uma parte pequena dos conteúdos ordinariamente ministrados.
A intenção de tornar os profissionais de enfermagem os únicos habilitados para o cuidado ao idoso preocupa-nos, pois se configura em ameaça aos direitos, garantidos pela Constituição Brasileira, de milhares de trabalhadores que já atuam como cuidadores e que se verão impedidos de seguir desempenhando a sua ocupação, por não possuírem a referida formação. Ressalta-se que já é caro, para a maioria das famílias de média e baixa renda, sustentar o cuidado a um idoso dependente ou sem acompanhamento diário de familiares, e, não são todas as famílias que conseguem contratar cuidadores. Neste caso, a contratação de Técnico em Enfermagem, como Cuidador de Idoso, se tornará privilégio de famílias abastadas, excluindo as famílias de média e baixa renda de contratarem esse serviço. Deste modo, o PL 979/11, se posto em prática, encareceria mais ainda esse tipo de serviço, fazendo com que um grande número de idosos permanecesse desassistido e em situação de vulnerabilidade social. A regulamentação da profissão de cuidador é vista como uma necessidade para a melhoria da qualidade dos cuidados aos idosos com dificuldades de executar atividades do dia a dia, limitações físicas ou mentais ou dependências que afetem sua autonomia.
Mais do que isso, trata-se também de uma dívida histórica da sociedade com os trabalhadores do cuidado, que merecem ter o seu trabalho reconhecido. A iniciativa da Deputada Rejane, que mediante projeto de lei, pretende reconhecer a profissão de cuidador no Estado do Rio de Janeiro, é louvável, bem como a sua preocupação com a formação desses profissionais. Porém, a formação que deve ser atrelada ao exercício da profissão deve ser o Curso de Qualificação Básica para Cuidador de Idoso, e não a formação em enfermagem, como já explicado. Por isso, solicitamos a modificação da redação do referido artigo do PL 979/11, ou, na impossibilidade disso ser feito, o seu veto. O Estado do Rio de Janeiro, o qual possui a maior proporção de idosos em todo o território nacional, tem a obrigação e a responsabilidade de ser exemplo nacional, tendo como desafio permanente a necessidade de fortalecer a rede de cuidados para os seus membros idosos, evitando a todo custo a imposição de novas barreiras e dificuldades de acesso a tais serviços. Nós, aqui abaixo assinados, entidades de defesa de direito da pessoa idosa, instituições, associações de usuários, cuidadores e familiares, universidades e demais instituições de ensino, dentre outros; profissionais de saúde, da assistência social, dos direitos humanos e da justiça; idosos, familiares e cidadãos, e todos aqueles que são solidários com a garantia de direitos e necessidade de proteção social às pessoas que necessitam de cuidados em sua velhice, comprometidos, também, com os dedicados trabalhadores do cuidado, aqui denominados como “cuidadores” e que necessitam de apoio e reconhecimento, manifestamos a nossa maior preocupação com a atual redação do Projeto de Lei 979/11 e pedimos a sua urgente correção, ou, na impossibilidade disso ser feito, seu veto e supressão.
Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 2012
Assinam este Documento as seguintes Instituições, Associações e Entidades da Sociedade Civil, Espaços Públicos de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, Organizações Públicas e Empresas e outras que atuam com Cuidadores de Idosos. Em anexo abaixo-assinado de apoio à Carta Aberta e ao Movimento de Regulamentação Profissional do Cuidador:
ABRAZ-RJ – Associação Brasileira de Alzheimer – Seção Rio de Janeiro ANGRJ – Associação Nacional de Gerontologia – Seção Rio de Janeiro CEDEPI-RJ – Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa do Rio de Janeiro CBCISS – Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio em Serviços Sociais FórumPNEIRJ – Fórum da Política Nacional e Estadual do Idoso do Estado do Rio de Janeiro FPMI – Fórum da Política Municipal do Idoso do Rio de Janeiro Grupo de Cuidadores da Fundação Abrigo Cristo Redentor EPSJV/FIOCRUZ – Grupo de Trabalho em Saúde Mental – Laboratório de Educação Profissional na Atenção à Saúde – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fundação Oswaldo Cruz Programa Cuidador Social – Furnas Centrais Elétricas S/A SBGGRJ – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seção Rio de Janeiro UFF/ESS/NUPPESS – Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Políticas Públicas, Espaços Públicos e Serviço Social – Escola de Serviço Social – Universidade Federal Fluminense UFRJ/IPUB/CDA – Centro para Doença de Alzheimer – Instituto de Psiquiatria – Universidade Federal do Rio de Janeiro UNATI/UERJ – Universidade Aberta da Terceira Idade – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Setor de geriatria – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.