A população idosa tem aumentado no Brasil e no mundo e a sociedade, de modo geral, assim como o poder público, está despertando para essa nova realidade. A Gerontologia Social começa a se manifestar apesar de que o idoso ainda é visto principalmente sob a ótica médica. Há que se recomeçar!
Por Anabela Fernandes de Lucca (*)
Segundo o Estatuto do Idoso a pessoa se torna idosa a partir dos 60 anos. Isso pode gerar certa ansiedade porque nesta fase ocorrem várias mudanças no seu cotidiano. Será mesmo um problema? Como lidar com a aposentadoria? O que é que vou fazer agora? São as perguntas mais frequentes.
O complexo familiar também pode sofrer mudanças, os filhos já têm suas próprias preocupações (filhos, trabalho), os pais podem estar precisando de cuidados e, muitas vezes são esses mesmos idosos que têm que cuidar dos netos!
A saúde já começa a ficar comprometida.
E o que dizer da questão financeira que sofre um declínio muito grande quando se para de trabalhar? Podendo-se pensar ainda que se a pessoa idosa precisa trabalhar encontra muita dificuldade, pois, a sociedade como um todo, despreza sua capacidade de produção.
Acrescente-se a isso que muitas mulheres foram educadas para aceitar passivamente a vontade da família e de seus maridos, ou seja, não podiam ter vontade própria. Quem se “atrevesse” a ser diferente era mal vista, exceção somente para as mulheres que trabalhassem para ajudar o marido, ou sustentar os filhos.
Fato é que a população idosa tem aumentado no Brasil e no mundo. A sociedade de modo geral, assim como o poder público, está despertando para essa nova realidade. A Gerontologia Social começa a se manifestar apesar de que o idoso ainda é visto principalmente sob a ótica médica.
A Gerontologia Social surge com uma nova proposta, através de estudos e intervenções no campo do envelhecer: aumento e diversificação da população idosa, complexidades crescentes das demandas sociais, científicas, éticas e políticas.
Os desafios são grandes: Como deve ser o olhar para a pessoa idosa? Como colaborar para que o idoso faça suas próprias escolhas? Como compreender que o aumento da expectativa de vida se confronta com um processo de mudanças culturais, em que o idoso não é mais visto como espelho para a população jovem, causando um fosso entre as gerações? Qual é o papel do idoso na sociedade? Como conscientizar o idoso da sua força política na luta por suas necessidades, por uma vida mais gratificante, com menos constrangimentos e mais alternativas de auto-realização?
Devido ao aumento da expectativa de vida, está ocorrendo um reordenamento do ciclo vital; novas estratégias para a melhoria na qualidade de vida, gerando um novo fato social, o idoso está repensando o tempo passado e o tempo presente, o problema não é ser velho, mas, não ter sido jovem e não conseguir ressignificar a ampliação dos anos de vida. Ao mesmo tempo se abre espaço para um diálogo intergeracional onde se começa a preparar a criança para a velhice dando um novo significado para as diferenças nas várias fases da vida.
O poder público nos três níveis – federal, estadual e municipal — também tem se manifestado nesta nova conjuntura social, por exemplo:
Estatuto do Idoso (política social da maior relevância para a visibilidade e lutas dos idosos e que podem contribuir para garantir e ampliar a cidadania e o acesso à justiça para a população idosa) cujo desafio foi pensar a criação de leis; políticas públicas que atendam a demandas mais formadoras e duradouras; pensar no futuro, valores e comportamentos cotidianos, não regidos exclusivamente pela ordem jurídica.
Delegacia Especial do Idoso representando um duplo movimento, ampliação do acesso ao poder judiciário e, ao mesmo tempo desvalorização de formas alternativas de resolução de conflitos, uma vez que frequentemente o idoso busca a justiça, mas, não quer entrar na justiça contra seus familiares.
Criação de locais públicos onde a pessoa idosa possa ser acolhida, protagonizando sua dignidade como, por exemplo, os NCIs (Núcleo de Convivência de Idosos), Centro-Dia, ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos), entre outros.
Conferência Nacional dos Direito da Pessoa Idosa e Conferência Nacional da Assistência Social, espaços onde a pessoa idosa pode refletir sobre as consequências nas transformações sociais e avançar na promoção dos seus direitos por meio de políticas públicas que valorizem a pessoa idosa como cidadã, respeitando suas características e especificidades.
Grande Conselho Municipal do Idoso, que tem como objetivo propor políticas e atividades de proteção e assistência aos idosos no Município, além de receber reivindicações e denúncias, atuando no sentido de resolvê-las. Também busca informar e orientar a população idosa acerca de seus direitos, bem como desenvolver campanhas educativas junto à sociedade. É ele quem dá a certificação para as ONGs conseguirem apoio financeiro para suas atividades.
Muitas teorias estão sendo pensadas a respeito da pessoa idosa, afinal o envelhecer é um processo complexo que envolve vários fatores: De acordo com a fala da profa. Beltrina Côrte, na apresentação do curso Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, da PUC-SP, pensar o envelhecimento é pensar a complexidade de fatores que nos faz ser quem somos. O aprendizado do envelhecer tem de partir do aprendizado da vida. Envelhecer e viver são processos indissociáveis.
Não somos preparados para a velhice, essas teorias perpassam pelo ajuste à realidade do envelhecer, acesso aos bens sociais para garantir o bem viver, interdependência entre pessoas idosas e seu mundo social, políticas educacionais e sociais voltadas para o idoso, nova estruturação para a faixa etária dos idosos (criação da 4ª idade: 80 – 100 anos), perspectiva do curso de vida (mudanças biológicas, psíquicas, sociais, financeira e experiências históricas vivenciadas), preparação para a morte, consideração da velhice como uma conquista e não como um problema.
O envelhecer é um processo individual, sequencial, acumulativo e irreversível, não patológico de deteriorização de um organismo maduro, próprio a todos os membros de uma espécie.
A saúde do idoso é a capacidade de realização de aspirações e da satisfação das necessidades e não ausência de doenças, ou seja, capacidade de gerir a própria vida e/ou cuidar de si mesmo (senescência), diz respeito à autonomia (capacidade individual de decisão e comando sobre as ações, estabelecendo as próprias regras). No caso da senilidade, ou seja, envelhecimento patológico o idoso pode conseguir manter sua independência (capacidade de realizar algo com os próprios meios, como alimentar-se e executar cuidados pessoais).
Fragilidade
A síndrome da fragilidade é uma interação multidimensional complexa de fatores biológicos, psicológicos e sociais no curso da vida.
Todo profissional que pretende trabalhar com a pessoa idosa deve se atentar e reconhecer o idoso frágil, são critérios reconhecidos (sarcopenia): perda de peso não intencional (5% do peso corporal); autorrelato de fadiga/exaustão; diminuição da força muscular; baixo nível de atividade física e diminuição na marcha. Idosos frágeis são aqueles que estão inseridos em pelo menos 3 desses critérios, ou seja, são idosos que caminham para a incapacidade.
Envolvem também problemas cognitivos, limitação na participação nas atividades sociais, pessimismo e medo de quedas. É muito importante dar atenção à pessoa idosa, pois, apresentam muitas vezes dificuldade em verbalizar seus sentimentos. É preciso ouvi-los, tocá-los ou mesmo olhá-los. Também é necessário o zelo no cuidar social, oferecendo informações sobre Direitos Sociais: educação, saúde, moradia, segurança, lazer, alimentação, cultura e trabalho visando sempre o empoderamento, pertencimento e protagonismo na própria existência.
Muitos idosos enfrentam dificuldade em se adaptar a essa nova etapa da vida, onde já estão aposentados, os filhos já estão criados e o idoso pode acabar por perder o sentido de sua vida, pois, deixaram de sonhar, fazer novos projetos. Afinal o que fazer neste recomeço? A ciência tem avançado e se esforçado para oferecer uma melhor qualidade de vida, seja no âmbito físico, psíquico ou social. Como viver os próximos anos? O que fazer? Como romper com os preconceitos? Como ser o ator principal da sua própria vida e não se tornar refém de seus familiares?
O recomeçar da pessoa idosa deve ter o apoio da família, que sejam respeitados os limites entre as relações familiares, que o idoso seja ouvido sobre seus interesses pessoais, ser incentivado a praticar atividade física e cognitiva, favorecer a convivência familiar e social. A família deve buscar informações para lidar com a pessoa idosa, não se deve superproteger o idoso, mas, também, não se pode deixá-lo isolado, abandonado. É importante abordar temas como espiritualidade, autonomia, independência, finitude.
Segundo a filósofa Rosa Dias, docente da UERJ, “Viver não é apenas manter-se vivo, sobreviver, querer preservar a si mesmo. É expressão de um estado indigente, de uma limitação do verdadeiro impulso fundamental da vida, que tende a expansão do poder. Os seres têm necessidades porque vivem e não porque lhes falta vida. Não se pode considerar a fome como vetor principal da existência, tampouco a autoconservação.”²
Felizmente, a pessoa idosa tem buscado uma melhor qualidade de vida, ou seja, apesar de ser um conceito amplo é um espaço que existe entre aquilo que se pode e aquilo que se quer, sendo que o objetivo maior é o estreitamento desse espaço.
(*) Anabela Fernandes de Lucca é graduada em Psicologia, atua como psicóloga em NCI – Núcleo de Convivência de Idosos – NCI – Mamãe. Texto escrito no curso Fragilidades na velhice: gerontologia social e atendimento, do Cogeae/PUC-SP, no segundo semestre de 2017. E-mail: [email protected]