A velhice chegou em casa há alguns anos. Não foi um processo tão tranquilo, principalmente para o meu pai. O primeiro impacto foi a aposentadoria. Até então, a velhice era vista por mim e meus irmãos, através da janela. Era o aumento de idosos nos ônibus pela manhã, o dono do bar andando lentamente, o casal de vizinhos com Alzheimer, quedas e falecimentos.
Nara Cristina de Lima *
Quando nasci, minha mãe tinha 25 anos e meu pai 30. Lembro-me que quando minha mãe estava com quase 45 anos, eu estava aproximadamente com 20 anos e a ouvia comentar sobre menopausa. Naquela época, na minha mente, menopausa estava ligada à velhice.
Meu pai, que na época tinha 50 anos, sempre foi muito ativo. Trabalhou durante anos em uma metalúrgica no período da noite e durante o dia ainda arrumava tempo e energia para fazer alguns bicos e melhorar a renda da família.
Fui uma criança privilegiada, pois tive contato com minha avó paterna e materna. Diferente de muitos netos de hoje, eu guardo em minhas lembranças bons momentos com minhas avós e adorava ouvir as estórias, as experiências que elas contavam.
Talvez essa convivência tenha me ensinado a enxergar o idoso de outra forma, principalmente com muito respeito.
Hoje, eu estou com 44 anos, minha mãe com aproximadamente 69 anos, meu pai com quase 76 e literalmente a velhice chegou aqui em casa há alguns anos. Não foi um processo tão tranquilo, principalmente para o meu pai, que sempre foi tão ativo.
O primeiro impacto para ele foi o fato da aposentadoria e imagino que este impacto seja igual ou maior para milhares de idosos, que ao longo de suas vidas não se preparam para tão sonhada aposentadoria. Apesar do cansaço, ele não se via em casa sem fazer nada.
Sem informações ou conhecimento necessário, resolveu abrir um negócio, o tão sonhado negócio próprio, sonho de muitos que vivem se imaginando trabalhar por conta, fazer seu próprio horário, seu próprio ganho. Mas não é muito difícil descobrir o que aconteceu, perdeu muito dinheiro, o negócio não deu certo e o começo da aposentadoria não foi nada interessante.
Até então, a velhice era vista por mim e meus irmãos, através da janela. Era o aumento de idosos nos ônibus pela manhã, o dono do bar andando lentamente, o casal de vizinhos com Alzheimer, quedas e falecimentos.
Aos poucos, o nosso olhar se voltou para os nossos pais. Meu pai não aceitava de jeito nenhum as limitações que foram surgindo, negando de todas as formas sua nova realidade.
E neste movimento, começamos a perceber que toda a vizinhança também estava envelhecendo, que a população estava envelhecendo, que o número de idosos aumentava a cada dia e isto significava que havia aumentado a expectativa de vida.
Hoje não vejo meus pais enfrentarem os problemas da velhice que minhas avós enfrentaram e sei que quando eu envelhecer, os problemas serão outros. O avanço da medicina, as descobertas na tecnologia, as pesquisas, tudo colaborou para que o processo de envelhecimento fosse visto e encarado de uma forma mais serena, em algumas situações. Mas o envelhecer, ainda está muito relacionado a doenças e, para muitos, envelhecer é acumular enfermidades.
Atualmente existem programas voltados para os idosos, para que estes tenham qualidade de vida, que possam se movimentar, tanto fisico quanto mentalmente, exercitando o corpo e a mente.
Mas, a realidade, muitas vezes, está além do que podemos ver. Na maioria das vezes falta informação para o idoso, a família e a comunidade. Em algumas famílias, o idoso passa a ser um problema, pois as pessoas em sua maioria não se preparam para a velhice. E as questões que envolvem a velhice são bem amplas.
Conheço um casal de idosos que foi diagnosticado com Alzheimer, na mulher a doença já está bem avançada e no homem na fase inicial. Moravam sós e os filhos tiveram que se adaptar e acomodar muitas coisas para cuidar dos pais. Mas não foi tão simples como escrevo aqui.
No principio a demanda caiu sobre a única filha, pois os irmãos achavam que o “cuidar” era uma função feminina. Após muitas conversas e outras tantas discussões, resolveram se planejar melhor e dividir as tarefas. Mesmo assim, tudo foi e está sendo muito difícil. A família ideal entrou em crise e deu lugar à família real; passou de uma família não funcional, para funcional, mas tudo isso sob as pressões das situações que foram surgindo.
O pai que era muito ativo, após queda da escada, operar, ficar internado, imobilizado durante muito tempo, se viu obrigado a se adaptar e utilizar andador para se movimentar.
A queda deu lugar ao medo, e o medo, por sua vez, ao isolamento social. E este foi o gatilho para outras situações que foram aparecendo. Situações vivenciadas pelos idosos, pela família e os vizinhos, que também se tornaram parte importante desse processo. Na ausência dos filhos, os vizinhos monitoram e imediatamente entram em contato, informando o que está acontecendo.
A mãe já não reconhecia o marido e os filhos. Os netos passaram a serem os filhos. Todas as vezes que a filha trazia as crianças para visitarem os avós, o momento de ir embora era um sofrimento, pois a avó chorava durante horas falando que a “a moça” havia roubado seus filhos (a moça era sua filha).
Depois vieram as fugas de casa, pois saía em busca de seus filhos (netos), acusava a filha de lhe roubar dinheiro, cozinhava arroz com detergente, pegava ônibus e não sabia voltar para casa, comprava pães três a quatro vezes ao dia, fazia café todas as vezes que dormia e acordava, trocava o dia pela noite, etc.
Resolveram contratar uma cuidadora e de início houve muita resistência da senhora, pois a cuidadora não a deixava exercer suas atividades rotineiras na casa, onde o correto seria acompanhar as atividades mais simples e as mais elaboradas desenvolvê-las.
Com o passar do tempo, perceberam que a idosa andava muito irritada, em alguns momentos se revoltava contra a cuidadora, xingava, falava palavrões. Tentava pronunciar as palavras, mas faltava algo, sabia os objetos, mas não sabia como nomeá-los.
A velhice não será da mesma forma para todas as pessoas. Alguns idosos irão envelhecer saudáveis, outros terão que conviver com o surgimento de algumas doenças. Mas no processo de envelhecimento não podemos esquecer que a “família” terá um papel muito importante na vida deste idoso.
Os idosos que fizeram “laços” ao longo de sua vida, talvez tenham mais tranquilidade daqueles que não fizeram laços e que neste momento poderão fazer muita falta. Vejam o caso dos meus pais e dos meus vizinhos. Meu pai enfrentou as dificuldades e adaptações do processo de aposentadoria, minha mãe sofreu de Síndrome do Ninho Vazio (todos os filhos saíram de casa e ela não sabia mais o que fazer, após se dedicar uma vida apenas aos filhos).
Meus vizinhos tinham vidas ativas, independentes e após a doença de Alzheimer se tornaram totalmente dependentes da família. E por terem “laços afetivos” com esses filhos, esses idosos estão recebendo os cuidados necessários, para terem bem-estar.
Em cada família, a velhice irá chegar e permanecer de uma forma diferente. Se os indivíduos que constituem essa família forem resilientes, poderão se adaptar e lidar com a situação com facilidade maior.
Infelizmente, não fomos e não somos educados para encarar a velhice, conhecer todos os desdobramentos, as formas de se viver melhor. Como da mesma forma, não somos preparados para lidar com a morte.
* Nara Cristina de Lima – Tecnólogo em Gestão de Negócios e Finanças (Uniban), Graduação em Psicologia (FMU). Atendimentos Clínicos em Psicologia. E-mail: [email protected] e [email protected]