Qualidade de vida comprometida

O diagnóstico precoce do vírus HIV faz muita diferença na qualidade de vida do portador. Isso porque ainda é um problema a grande quantidade de pacientes soropositivos com 50 anos ou mais de idade que descobrem que estão com o vírus da Aids quando já estão acometidos de uma doença oportunista grave. O alerta é do diretor geral do Hospital São José (HSJ), o infectologista Anastácio Queiroz.

Paola Vasconcelos *

 

“Não se pode tornar a idade uma sentença, mas, de qualquer forma, o indivíduo deve se cuidar. O paciente soropositivo com mais idade responde de forma diferente ao tratamento com os antiretrovirais. E, quase sempre, só toma conhecimento que tem HIV quando está com Aids em fase avançada”, explica o infectologista.

O diagnóstico tardio não é restrito somente aos mais velhos. Estudo realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o assunto no País, mostra que, de 2003 a 2006, 43,7% dos portadores do vírus HIV no Brasil tiveram um início de acompanhamento tardio da doença. Com isso mais de 14 mil pessoas foram a óbito no início do tratamento, o que representa 28% dos infectados.

A queda de mortalidade pela Aids no País é decorrente da política universal de acesso ao tratamento antiretroviral. No Ceará, ao contrário do Brasil, conforme o último Boletim Epidemiológico da Aids, de dezembro de 2006, a queda de mortalidade pela doença não foi observada. Dos 7.183 casos registrados até a data, 2.743 evoluíram para óbito, conforme o documento. Até março deste ano, segundo Informe Epidemiológico, foram notificados 7.854 casos desde 1983.

O diretor do HSJ, Anastácio Queiroz, alerta que, diante de um mal já instalado, dificilmente o indivíduo terá um benefício maior com a terapêutica. “Um indivíduo com 50 ou 60 anos vai ter Aids com maior grau de severidade do que um de 25 anos porque já foi mais exposto a uma série de parasitas durante a sua vida”, disse.

Anastácio Queiroz explica que o vírus HIV pode reativar ou desencadear uma série de doenças causadas por histórico de parasitas no organismo. “Quando se tem Aids, doenças como herpes, toxoplasmose, citomegalovirose, mononucleose, entre outras são reativadas no organismo. Quanto mais exposições a parasitas, maiores são as chances do paciente soropositivo evoluir de maneira desfavorável”, explica.

No HSJ, conforme ele, são acompanhados mais de dois mil soropositivos. As infecções oportunistas- causa das complicações do paciente com HIV- segundo o diretor geral, são as principais responsáveis pela lotação dos 32 leitos das enfermaria de Aids do hospital, que muitas vezes recebe pacientes além da sua capacidade.

Gravidade

O aumento da Aids em todos os níveis, seja entre os mais velhos ou jovens ou pela transmissão vertical, de mãe para filho durante a gestação, para Anastácio Queiroz, mostra a gravidade do problema. “Por ter tratamento e ter se tornado uma doença crônica, as pessoas relaxaram com a prevenção, o que é lamentável”.

Conforme Anastácio, mesmo a Aids sendo conhecida de quase toda a população, a prática sexual absolutamente desprotegida ainda predomina. “É aí que mora o perigo. É preciso dar ênfase à prevenção em todas as faixas etárias e grupos sociais. As pessoas ainda pensam que Aids é uma doença de homossexual, o que é um grande erro”, considera.

As mulheres, conforme ele, estão sendo mais atingidas. “As mulheres estão se infectando por seus parceiros heterossexuais, bissexuais e usuários de drogas. Infelizmente são muitas delas com mais de 50 anos vivendo com HIV e Aids”, alerta. Diante deste cenário, o médico é categórico: “Ou se faz abstinência sexual ou se usa o preservativo de borracha. Não existe outra alternativa para o sexo seguro”, finaliza.

Solidariedade

Sol Nascente assiste a crianças e adultos soropositivos carentes

A ineficiência da rede pública de assistência a pacientes soropositivos contribuiu para o aparecimento de instituições sociais destinadas a dar suporte a essas pessoas – crianças, jovens, adultos e idosos – que convivem com desintegração familiar e outros problemas sociais, como o desemprego e a falta de moradia. É o caso da Casa de Apoio e Lar da Criança Sol Nascente, que existe desde 2001 em Fortaleza e abriga adultos e crianças portadoras do HIV ou filhos de soropositivos.

Sem moradia e sem nenhum parente que lhe abrigue, vítima de acidente vascular cerebral (AVC) e acamado, o morador João (nome fictício), de 65 anos, mora na Casa de Apoio Sol Nascente há dois anos. Depois de ficar internado por um longo período na Santa Casa da Misericórdia, João recebeu o diagnóstico de que estava com o vírus da Aids.

Complicações

Desde então, das complicações da doença, sofreu um AVC que lhe deixou sem andar, sem falar e com os movimentos do lado esquerdo completamente comprometidos. Foi quando chegou na instituição.

Hoje, com a fala e parte dos movimentos recuperados, graças a sessões de fisioterapia e fonoaudiologia realizadas na própria Casa de Apoio, João, ainda acamado, conta que nunca usou preservativo. “Eu era um homem da rua e de muitas mulheres. Peguei por aí. O médico me disse que se eu fizesse o tratamento direito durante dois anos, eu ficaria bem. De fato, se não fosse o AVC, eu estaria bem”, disse, reclamando que o que mais lhe incomoda é não andar e viver deitado.

João credita o fato de ainda estar vivo à sua ex-mulher, de quem já tinha se separado antes de contrair o HIV. “Ela me ajuda em tudo. Mas é casada com outra pessoa. Se não fosse ela, eu já tinha morrido”, conta, agradecido.

A coordenadora da Casa de Apoio e Lar da Criança Sol Nascente, Cilane Braga, explica que a instituição funciona como uma pensão e abriga pessoas que têm histórico de conflitos familiares e receberam alta hospitalar, mas não têm para onde ir.

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O contato com a instituição, conforme ela, geralmente é realizado através dos serviços sociais de unidades de saúde onde os portadores estavam internados. “Todos os internos da casa não têm para onde ir. Aqui, além de alimentação e moradia, recebem atenção de enfermagem e suporte de outros profissionais de saúde, como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, quando necessário”, explica a coordenadora.

Lá, os moradores devem seguir uma rotina diária para recuperação de saúde e também obedecer uma série de regras de disciplina. Nenhum paciente, conforme Cilane Braga, pode deixar de tomar os medicamentos do coquetel ou deixar de seguir as recomendações médicas. “O objetivo deles na casa é se recuperar, então têm que seguir à risca o que recomenda o tratamento”, explica.

O resgate dos laços de família, conforme Cilane Braga, também são incentivados. “Geralmente eles ficam aqui porque as famílias já esgotaram todas as formas de relacionamento. Mas a nossa intenção é que isso retorne”, disse.

A instituição recebe incentivos governamentais, mas sobrevive de doações de todas as naturezas, como alimentos, roupas, medicamentos, produtos de higiene e fraldas.

Mais informações:

Casa de Apoio e Lar da Criança Sol Nascente: Av. Alberto Craveiro, 2222 (85)3469.4437 e [email protected]

Entrevista

Políticas públicas e informações não contemplam os mais velhos, comMariana Aderaldo – Assistente social do Hospital São José, mestre em Saúde Pública pela UFC, autora da tese ´Aids na Terceira Idade-uma aproximação do problema´.

O conhecimento sobre a Aids coloca em risco as pessoas com 50 anos ou mais de idade?

É certo que pessoas de mais idade, como os idosos, têm menos conhecimento sobre a Aids e suas formas de prevenção do que os jovens. Até porque eles entendem como a doença do outro, que não lhes atingem. A informação que se produz sobre a doença não chega aos mais velhos e é feita para circular em ambientes de jovens. Hoje, qualquer adolescente tem conhecimento sobre a Aids. Já com o idoso, isso não acontece na mesma intensidade.

Como as pessoas de meia e terceira idades recebem a notícia de que são soropositivas?

Geralmente, o adulto médio tem mais dificuldade de aceitar. Questionam os exames e acham que há engano no diagnóstico porque se consideram inatingíveis pela doença, mesmo não sendo adeptos do preservativo. Já o idoso de idade avançada aceita mais e é cooperativo com o tratamento, principalmente porque se vê mais perto da morte. Muitos ressignificam suas vidas a partir da soropositividade.

O exercício da sexualidade nessa faixa etária é vista de forma preconceituosa na sociedade. Como fica depois do diagnóstico do HIV?

Retomar a vida sexual após o diagnóstico do HIV é muito difícil para qualquer paciente, seja jovem, adulto ou idoso, pelo medo de repassar o vírus ou ainda da outra pessoa saber da condição e não aceitar. A maioria dos pacientes dá um novo significado para sua vida sexual, continuando ou finalizando as relações.

Como é a relação das famílias com os pacientes?

A sociedade pensa que a Aids é indicativo de abandono familiar, mas não acontece sempre. Pelo contrário, existem famílias que viviam em conflito e depois do diagnóstico conseguem manter uma relação de apoio e cumplicidade. No entanto, pelo fato da imagem dessexualizada do idoso, muitos escondem da família por terem preconceito consigo mesmos. Mas, geralmente, os pacientes tentam refazer as pontes familiares.

As políticas públicas conseguem atingir esse público e são eficazes para incentivar a prevenção?

Não. Hoje mais de 10% da população soropositiva está nessa faixa etária e ainda continua se fazendo campanhas só para jovens. Com o avanço dos medicamentos e da mudança de comportamento sexual, mais pessoas com idade avançada são sexualmente ativas e o risco de contrair o vírus aumenta bastante, já que o uso do preservativo não é hábito. É preciso fazer esse alerta.

Panorama da aids
No mundo
33,2 milhões de pessoas vivem com HIV/Aids no mundo
22,5 milhões é a população atingida pela Aids na África
1,6 milhão de pessoas têm HIV/Aids na América Latina

No Brasil
545 mil pessoas é a estimativa de pessoas infectadas por HIV no Brasil até 2006
474.273 casos de Aids foram notificados no País até 2006
192.709 brasileiros já morreram vítimas da Aids
1,6 homem com HIV para cada mulher é a razão entre sexos em 2006 no País

No Ceará
7.841 casos de Aids foram notificados no Estado de 1983 a março de 2008
171 municípios cearenses oficialmente têm registro de casos de HIV
83,46% dos casos de Aids em menores de 13 anos foram transmitidos de mãe para filho
16% dos casos de Aids no Estado foram diagnosticados através da tuberculose
1,6 homem com HIV para cada mulher é a razão entre sexos em 2006

Fonte: Secretaria da Saúde do Estado (Sesa)

Fonte: Diário do Nordeste – Fortaleza. Disponível Aqui

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