Hoje, por exemplo, é possível ver avós e netos lado a lado em atividades que exigem forma física saudável e resistente, como artes marciais ou rali de bicicleta. Alguns avós e netos adolescentes estudam juntos em universidades abertas ou cursos não acadêmicos, dividindo o interesse por temas como artes, enologia e culinária, entre outros.
Enquanto as avós contemporâneas protagonizam uma nova solidariedade feminina transgeracional, os avôs ganham destaque em núcleos familiares compostos apenas por mães e filhos, desempenhando o único – e mais importante – referencial masculino.
Em pleno “século dos avós”, pesquisas mundiais comprovam as claras mudanças sociais oriundas do aumento da expectativa de vida. Entre os americanos, mais da metade se tornou avô ou avó entre os 49 e 53 anos, passando de 30 a 40 anos nessa função; na França, cerca de 80% das pessoas com mais de 65 anos têm netos e quase metade desse total chegará a ser bisavô ou bisavó. Na Inglaterra, existem hoje 16,5 milhões de avós – metade da população britânica tem netos por volta dos 54 anos e é responsável por cuidar deles. No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de maiores de 60 anos passou de 14,8 milhões, em 1999, para 21,7 milhões em 2009. Mas, qual é o real papel dos avós contemporâneos? Para abordar aspectos que envolvem a longa trajetória dos avós, a psicoterapeuta Lidia Rosenberg Aratangy e o pediatra Leonardo Posternak escreveram o Livro dos Avós – na casa dos avós é sempre domingo?, lançado pela Primavera Editorial.
Os novos avós são de uma geração que sacudiu profundamente as premissas do modelo burguês, vigentes há mais de um século, nas quais a única forma aceitável de família era a união entre um homem e uma mulher, por meio de um casamento indissolúvel. Nesse ambiente, nasciam os filhos. No entanto, os avós atuais foram responsáveis pela aprovação do divórcio; protagonizaram as primeiras experiências de casamento informal; foram os pioneiros em ensaiar uma convivência simétrica entre homens e mulheres. “A imagem dos avós de hoje não está associada à decrepitude e dependência. Ao contrário, essa nova categoria de personagens sociais é rica em recursos a oferecer à comunidade e à família”, afirma Lidia R. Aratangy, acrescentando que por mais que a geração mais jovem considere importante afirmar a independência em relação aos pais, uma alta porcentagem de avós dedica parte considerável do tempo ao cuidado dos netos – ainda que muitos tenham uma atividade profissional.
Segundo a psicoterapeuta, a ajuda da avó à nora ou filha que concilia a maternidade com a vida profissional representa apoio e uma nova solidariedade feminina transgeracional. “As avós de hoje, que tanto lutaram por mudanças na condição da mulher, esforçam-se agora em dar uma contribuição para o sucesso profissional das jovens da nova geração, apoiando assim a caminhada em direção à simetria entre os sexos”. Essa postura revela uma mudança concreta na educação das meninas e uma cumplicidade nova entre mães e filhas”, afirma.
O ofício de ser avô nas novas famílias
“Como para a avó, também para o avô o neto representa a ilusão da imortalidade e a compensação de perdas, a passagem do devedor a credor da vida. Porém, para ocupar bem o privilegiado lugar de avô, é preciso primeiro compreender e aceitar o pai que se teve e o pai que se conseguiu ser, com os erros e conflitos inerentes a essas experiências. Só assim será possível ter empatia com a paternidade do filho”, afirma o pediatra Leonardo Posternak em um capítulo dedicado ao ofício de ser avô.
Segundo Posternak, uma inovação na dinâmica das famílias atuais é o número de núcleos familiares compostos apenas por mães e filhos – seja em decorrência de uma separação litigiosa, que excluiu totalmente o pai do contato com os filhos; seja por crianças geradas por decisão unilateral da mãe. “Nessas famílias, a figura do avô adquire uma importância vital pois, a despeito dos heroicos esforços das mulheres para educar esses filhos, a ausência de uma figura masculina pode ter consequências adversas, sobretudo na disciplina e agressividade das crianças”, afirma Posternak, acrescentando que nessas condições, o avô não pode ser uma figura distante e passiva, pois tem a responsabilidade de oferecer um modelo masculino responsável e amoroso.
No livro, Leonardo Posternak cita um testemunho de Gabriel García Márquez como retrato vívido da importância de uma figura masculina significativa. “No meio daquela tropa de mulheres evangélicas, o avô para mim era a segurança total. Só com ele sumiam as incertezas e inseguranças: eu me sentia com os pés sobre a terra e bem instalado na vida real.”
Avós nas salas de aula
Em especial no Dia dos Avós, comemorado em 26 de julho, as escolas têm dedicado um espaço no currículo para que as crianças pesquisem suas raízes, desenvolvendo programas que incluem entrevistas com avós e bisavós. Professores bem preparados, na opinião de Lidia Aratangy, podem tirar grande proveito pedagógico da presença dos avós. “Em um país como o nosso, no qual apesar das injustiças e da má distribuição de renda existe uma grande mobilidade social e cultural, a distância entre as gerações pode ficar muito maior em relação às gerações passadas. Isso pode gerar problemas novos; um avô operário, por exemplo, pode ter dificuldades em conviver com uma neta universitária”, afirma Lidia. No livro, a psicoterapeuta relata uma experiência que teve na escola do neto.
(…) “Participei de uma experiência desse tipo, na qualidade de avó do meu neto de oito anos, que cursava a segunda série do Ensino Fundamental de uma escola particular, no interior de São Paulo. Foi emocionante ouvir os depoimentos de outros avôs e avós, muitos dos quais tinham trabalhado na lavoura desde pequenos e tinham sido alfabetizados depois de adultos – e só aprenderam a brincar quando os netos puderam ensiná-los. Fiquei comovida ao me dar conta de que, apesar de minha trajetória ser diferente das percorridas pelos outros avós, nossos netos estavam sentados lado a lado na mesma sala de aula. Percebi com clareza a importância de manter viva, em cada uma daquelas crianças, a história desses avós e os caminhos heroicos que haviam percorrido para que nos reuníssemos naquela sala, irmanados no carinho e orgulho por nossos netos.”
Fonte: Disponível Aqui, em 19/7/2011.