Saudade, segundo definição do dicionário Aurélio, é recordação suave e melancólica de pessoa ausente, local ou coisa distante, que se deseja voltar a ver ou possuir. Ao ler a reportagem “Os verdadeiros vanguardistas estão voltando ao passado”, senti saudade, uma espécie de nostalgia dos tempos idos, da infância povoada pelas profissões consideradas “do passado” como o condutor do carrinho de algodão doce colorido, do amolador de facas, do leiteiro, do alfaiate, do sapateiro e tantos outros. Passado e/ou presente?
Luciana Helena Mussi *
Refletindo sobre essas questões, diz o autor do texto em questão, Jader Pires: “Num mundo onde cada pessoa compra mais de um calçado por estação do ano, parece a coisa mais difícil (pra não dizer desnecessária) ver alguém tomando pra si a alcunha de sapateiro”.
É a cultura do efêmero, onde tudo é descartável e nada permanece. Se podemos ter o novo em suas prestações, por que reparar o velho? Como lembra Pires: “Muitos podem dizer sobre a falta de tempo nessas cidades grandes, na comodidade das entregas expressas, do fácil crédito pra simplesmente substituir algo por outro. Mas ninguém quer essa facilidade moderna, ninguém quer comprar um sapato novo só por acompanhar a sazonalidade das tendências”.
Até os ofícios que um dia foram considerados imprescindíveis no nosso dia a dia viraram peças de museu no quadro das profissões atuais. Mas há aqueles que lutam e que ainda conseguem um espaço e se transformam em vanguardistas.
Um exemplo é Frank Catalfumo de 91 anos. “Antigamente, o bairro todo era amigável, todo mundo era amigo de todo mundo”.
Exatamente por isso comecei essa matéria com a palavra “saudade”. Precisamos voltar a valorizar o que Pires traz com a reflexão: “O mundo precisa voltar a ser amigável em vez de embarcar nessa onda expressa. Não quero consertar meu sapato. Quero ir trocar ideia com um amigo, pagar por isso e, de quebra, ter meu sapato consertado. Essa é a vanguarda, guardada lá atrás no que todo mundo já fazia anos antes”.
Quero mesmo é me deliciar na inocência do olhar do desconhecido homem do algodão doce colorido e sua maça do amor que traga Eros, no canto do realejo que anuncia a boa sorte, no barulhinho do amolar de facas, na tesoura, agulha e linha do alfaiate que tece a trama da vida e outros vanguardistas inesquecíveis.
Caso você que me lê nesse momento, nem saiba do que falo, faço abaixo um breve resumo de um passado que cada vez mais se torna presente (Disponível Aqui):
Sapateiro – As novas solas dos calçados, já penosamente moldadas e recortadas de véspera pelo sapateiro, de grandes e duras peças de couro curtido, ficavam de molho durante a noite, dentro de baldes com água. No dia seguinte, o sapateiro passava um bom tempo martelando-as, para torná-las mais macias e, antes de costurá-las ou pregá-las na parte inferior dos calçados, deixava-as para secar.
Alfaiate – O bom e velho alfaiate, cujo ofício era indispensável para os homens que queriam andar na moda e bem trajados. Alguns alfaiates dispunham em suas oficinas de poucas peças de tecido, para oferecer aos seus clientes. Muitos preferiam adquirir os cortes em boas lojas, espalhadas pela cidade, com mostruário e estoque mais variados.
Porém, a arte, estava nas mãos dos alfaiates, com sua impecável habilidade de fazer ajustes precisos, seguindo as linhas e curvas do corpo dos clientes.
Amolador de facas – Munido de uma gaita, da qual emitia sempre o mesmo som, o amolador de facas, tesouras e outros instrumentos cortantes, anunciava a sua presença. Sua engenhoca de trabalho era composta de um aro grande de roda de bicicleta, acionado por um improvisado pedal, que fazia girar uma correia e esta, por sua vez, fazia girar a pedra, ou rebolo, que amolavam as facas, com as lâminas mais desgastadas a cada amolação, até que restasse apenas o cabo de madeira.
Funileiro de panelas de alumínio – Enquanto eles não vinham, as nossas mães tapavam os buraquinhos das panelas de alumínio com miolo de pão, que se secava com o calor do fogo. Nem sempre esta improvisação dava certo, porque a “cola” do pão acabava se desfazendo. Numa época em que não existia o revestimento de resina das panelas e poucas eram as de pressão, este tipo de funileiro quebrava o galho das donas de casa, com seu pequeno fogareiro de carvão, onde esquentava o ferro de soldar.
Fotógrafo lambe-lambe – Com sua máquina tipo “caixão”, montada sobre um tripé de madeira ou de metal, era encontrado nos jardins e parques públicos, sempre frequentado, mormente nos fins de semana e nos feriados, por famílias, casais de namorados e solitários, estes via de regra portando um livro nas mãos, que liam sentados em bancos de encosto, à sombra de grandes árvores.
Parte desses frequentadores também se utilizava dos parques públicos para realização de “pic-nic”. E alí estava o fotógrafo “lambe-lambe”, para registrar tudo, em branco e preto. Com um improvisado laboratório, fazia a revelação dos negativos no mesmo local, quando não os levava para casa, a fim de entregar as fotos depois de alguns dias.
Realejo da sorte – Pessoas dos oito aos oitenta anos sempre se encantavam com a presença do “homem do realejo da sorte”. Mocinhas e rapazes queriam saber o que o futuro lhes reservava. Aberta a porta de uma gaiola, na parte superior do realejo, um gracioso periquito adestrado, retirava com o bico, de uma das gavetas, masculina ou feminina, um papelzinho colorido, contendo a “sorte” do “consulente”.
Ainda com a pressão do bico, fazia, numa das pontas do papelzinho, um pequeno furo, como a “certificar” a autenticidade do “documento”. Em seguida, o homem acionava a manivela do realejo, que executava, para deleite dos curiosos assistentes, uma das músicas do repertório, gravadas num rolo cilíndrico do aparelho sonoro.
Referências
QUIPROCÓ (2011). Profissões do passado. Disponível Aqui. Acesso em 15/04/2013.
PIRES, J. (2013). Os verdadeiros vanguardistas estão voltando ao passado. Disponível Aqui. Acesso em 15/04/2013.
PRISCO, R. (2007). Profissões em extinção. Disponível Aqui. Acesso em 15/04/2013.