O processo de envelhecimento no que concerne às dimensões da funcionalidade e consequente necessidade de cuidados é uma das prioridades ao nível do ensino e da investigação da Escola Superior de Enfermagem de São João de Deus da Universidade de Évora (ESESJDUE).
Sofia Ascenso
Manuel Lopes, Director da ESESJDUE, está consciente da realidade que o país enfrenta ao nível dos cuidados com os mais velhos e mostra-se preocupado com a necessidade de dar respostas e de desenvolver novas formas de prestação de cuidados. O professor defende que, para dar essas respostas, há falta de enfermeiros em Portugal, país onde existe apenas 5,2 enfermeiros por cada mil habitantes, ao passo que a média da OCDE é de 9,6 enfermeiros por mil habitantes. “De acordo com a informação que temos, a nossa escola tem uma taxa de 100% de empregabilidade, entre os três e os seis meses depois de concluída a licenciatura” refere o Director da Escola.
Apesar disso, considera que a área dos cuidados aos idosos vai empregar mais enfermeiros no futuro, graças, por um lado, ao aumento do número de idosos e por outro ao desenvolvimento de um novo nível de cuidados, que são os Cuidados Continuados Integrados. Este novo nível de cuidados consiste na convalescença, recuperação e reintegração de doentes crónicos e pessoas em situação de dependência e destina-se a promover a autonomia, melhorando a funcionalidade da pessoa dependente, através da sua reabilitação, readaptação e reinserção familiar e social.
As unidades de cuidados que integram aquele nível de cuidados dividem-se em unidades de convalescença, de média duração e de manutenção, mas todas elas obrigam as pessoas a sair das suas casas. Para o Director da Escola, “o nosso habitat natural é a nossa casa e há determinados níveis de dependência que podem ser aí mantidos. Porém, se uma pessoa precisa de uma resposta 24 horas por dia dificilmente esta poderá ser dada em casa, daí termos de arranjar estruturas que dêem resposta àquilo que as pessoas precisam nas suas casas”. Desta forma defende sistemas que levem os cuidados até à casa das pessoas.
Tal é possível através da criação de equipas especiais, auxiliadas pelas novas tecnologias de comunicação e informação, já utilizadas nos EUA e em Portugal, mas apenas de forma restrita, como por exemplo o telehomecare, que consiste na monitorização remota de parâmetros vitais, bem como na interacção bidireccional (com som e imagem) com as pessoas. Estes sistemas já permitem, entre outras coisas, medir os níveis de açúcar no sangue, a saturação de oxigénio ou a pressão sanguínea e alertar as pessoas na hora de tomarem os medicamentos, mantendo-as nas suas casas. Se conjugarmos estes instrumentos com equipas móveis que, ao detectar uma situação de emergência, se desloquem a casa das pessoas, conseguiremos algo que se aproxima do conceito de internamento domiciliar e que é mais cómodo e potencialmente mais barato.
Para o professor Manuel Lopes, esta é uma área onde é necessário ser-se “inovador” e empreendedor. “Os enfermeiros têm de se mentalizar que têm de ir para o mercado livre. São profissionais liberais, devem estruturar-se e oferecer os seus serviços” sublinha o professor. As demências e as dependências físicas começam a ter mais incidência a partir dos 75 anos, tornando as pessoas vulneráveis. “Preocupa-me todos aqueles que de alguma forma e em algum momento ficam dependentes, porque perdem sobretudo a sua capacidade de reivindicar”. A isso junta-se o facto de ser uma camada da população que, no nosso país tem baixo poder de compra. Mas a preocupação com os idosos não fica por aqui, porque é nessa altura que a questão da violência se torna mais relevante.
“Estão para sair os resultados de um estudo feito a nível europeu sobre violência sobre idosos – a dimensão escondida, que inclui Portugal, e os resultados são preocupantes. O estudo só inclui os idosos que estão nas suas casas e que têm condição comprovada para responder com total autonomia e mesmo assim a prevalência de violência sobre idosos é superior a 20%. Como sabemos que a violência sobre idosos é particularmente preocupante naqueles que têm maior nível de dependência e eles ficaram fora deste estudo, quando tivermos acesso a todos os dados, como é que vai ser?” pergunta o professor, revelando que existem vários tipos de violência, que não só a “batida”. “Os idosos podem ser vítimas de negligência, extorsão de dinheiro, enganos. Tudo isso é campo aberto aos cuidados que neste momento os nossos idosos não têm”.
Quando questionado relativamente aos lares de idosos, serviço que não faz parte da resposta pública do Estado, na grande maioria dos casos, o professor revela-nos dados preocupantes. “Não sabemos o que se passa dentro da maioria dos lares. Quando tentamos saber que profissionais de saúde lá estão percebemos que, cumprindo formalmente o previsto na lei, os mesmos não se adequam às necessidades de cuidados das pessoas. “Preocupa-me que a rede de lares não tenha um muito maior nível de exigência no que concerne à adequação do número de profissionais de saúde ao nível de dependência das pessoas. A minha é também uma preocupação egoísta. Será o que irá acontecer a cada um de nós se nada mudarmos”. E dá o exemplo: “Tiram as pessoas da cama quando podem, depois sentam-nas numa salinha com uma televisão ligada à frente”.
O professor defende que devem ser colocados os mesmos padrões de qualidade e exigência que são colocados no outro extremo da faixa etária: “Não achamos admissível ter creches sem actividades físicas e promotoras de desenvolvimento cognitivo para crianças. Se não tiverem, tiramos de lá os nossos filhos, mas para os idosos qualquer coisa serve.”
Embora haja a outra face da moeda, esta só está disponível para cerca de 10% ou talvez menos da população. As grandes urbanizações de luxo, condomínios tipo hotel, que têm tudo, desde os serviços mais elementares, até à piscina terapêutica e passeios organizados, por exemplo.
“Mas a maioria de nós não tem condições para suportar isto. Porque se paga o valor do apartamento e a mensalidade, que é de acordo com o tipo de dependência que o idoso tiver”.
A qualidade dos cuidados dos lares em Portugal não é controlada. “Pode entrar-se num lar pelo próprio pé e passado uma semana já não se conseguir andar. Pode entrar-se sem uma única ferida, e passado uma semana já ter úlceras da cabeça aos pés, isso são indicadores de qualidade em qualquer parte do mundo, mas em Portugal não são controlados” alerta o professor que não coloca a culpa somente nos lares. “Algumas famílias desejam “despejar” os idosos. Há situações em que são lá abandonados e são visitados no Natal e na Páscoa. Há situações em que são abandonados à porta do banco de urgência pelos familiares, com os bilhetes de identidade em cima”.
E é neste contexto que o professor alerta para uma preparação atempada da velhice por todos. Essa preparação tem uma componente social e política, de exigência de qualidade, e uma componente individual, de vida saudável, que começa muito antes da velhice e se mantém ao longo desta, com hobbies e actividades, não só físicas como mentais, que mantenham a cabeça ocupada e que sejam apaixonantes e estimulantes. “É essencial não parar a actividade física e ter actividades para além do nosso trabalho. Por exemplo acho admirável que um idoso se inscreva numa universidade”.
Porque não há nada pior que um idoso perceber que não tem objectivos na vida.
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