São quatro irmãs de sobrenome Sette – Mily, a mais velha, de 86 anos; Guilhermina (84), Maria Elisa (76) e Maria Helena (73) – mais a cunhada Ítala (87), a prima Icléa (90) e a amiga de mais de meio século, Jacy (78). O astral e a energia da “Casa das sete velhinhas” são únicos.
Zuenir Ventura
Elas cuidam das plantas, visitam exposições, assistem a shows, lêem, jogam baralho, conversam, discutem política, vêem televisão, fazem tricô, crochê e sobretudo riem. Só não falam e não deixam falar de doença e infelicidade.
Baixaria, nem pensar… Quando preciso tomar uma injeção de ânimo e rejuvenescimento, subo até lá, como fiz no último sábado.
Já viajamos juntos algumas vezes, como a Tiradentes, por cujas redondezas andamos de jipe, o que naquelas estradas de terra é quase como andar a cavalo. Tudo numa boa. Elas têm uma sede adolescente de novidade e conhecimento. Modéstia à parte, são conhecidas como “As meninas do Zuenir”. Me dão a maior força.
Quando sabem que estou fazendo alguma palestra no Rio, tenho a garantia de que a sala não vai ficar vazia.
São meu público cativo e ocupam em geral a primeira fila. Numa dessas ocasiões, com a casa cheia, elas chegaram atrasadas e fizeram rir ao se anunciarem a sério na entrada: “Nós somos as meninas do Zuenir”.
Nos conhecemos nos anos 70, quando morávamos no mesmo prédio no Rio e Maria Elisa, que é química, passou a dar aulas particulares de matemática para meus filhos, ainda pequenos, de graça, pelo prazer de ensinar.
Depois nos mudamos, continuamos amigos e nossa referência passou a ser a casa de Itaipava, onde minha mulher e eu temos um cantinho, um pequeno apartamento na parte externa da casa, os “Alpes suíços”.
No começo o terreno não passava de um barranco de terra vermelha.
Hoje é um jardim suspenso, com árvores e flores variadas que constituem uma atração para os pássaros. Dessa vez, não cheguei a tempo de ver a cerejeira florida, mas em compensação assisti a uma exibição especial de um casal de papagaios. O interior da casa é um brinco, não fossem elas meio artistas, meio artesãs, todas muito prendadas, como se dizia antigamente.
Helena e Jacy, por exemplo, tecem mantas e colchas de tricô e crochê que já mereceram exposições.
Mily desafia a idade preferindo as novas tecnologias e a modernidade, sem falar no vôlei, de que é torcedora apaixonada. Sabe tudo de computador e, com Jacy, frequenta todos os cursos que pode: de francês a ética, de inglês a filosofia.
Na parede, Tom Jobim observa tudo. A foto é autografada para Elisa, de quem ele foi colega no Andrews.
Aliás, nesse colégio da Zona Sul do Rio, Guilhermina trabalhou 53 anos, como secretária e professora de Latim, que ela ensinava pelo método direto, ou seja, falando com os alunos. Ficou muito feliz quando na praia ouviu, vindo de dentro do mar, o grito de alguém no meio das ondas, provavelmente um surfista: “Ave, magister!”.
Amiga de personagens como o maestro Villa-Lobos, ela ajudou ou acompanhou a carreira de dezenas de jovens que passaram por aquele tradicional colégio, cujo diretor uma vez lhe fez um rasgado elogio público, ressaltando o quanto ela era indispensável ao educandário. No dia seguinte, ela pediu as contas, com essa sábia alegação:
“Eu quero sair enquanto estou no auge, não quando não souberem mais o que fazer comigo”.
Foi para casa e teve um choque, achando que não ia suportar a aposentadoria. Durou pouco, porque logo arranjou o que fazer. É tradutora e gosta muito de etimologia: adora estudar a vida das palavras desde suas origens, principalmente quando são gregas. Ah, nas horas vagas faz bijuterias.
Para explicar como se desvencilhou do vazio de deixar um emprego de 53 anos e começar nova vida já velha, Guilhermina usou uma frase que se aplica a todas as outras seis velhinhas e que eu gostaria de adotar também:
– “Tenho preguiça de sofrer”.
Não são o máximo as meninas do Zuenir?
“Ter problemas na vida é inevitável, ser derrotado por eles é opcional” (Roberto Shinyashiki)