Portugal: “Reconhecer a história é reconhecer a violência colonialista”

Portugal: “Reconhecer a história é reconhecer a violência colonialista”

O Presidente de Portugal destacou como “de mau” do passado a exploração dos povos originários, a escravatura, a violência colonialista


Por ocasião das diversas ações que acontecem no mês de junho no Brasil de combate à violência, especialmente aquela que é cometida contra a pessoa idosa, considero importante trazer a fala do Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, durante as comemorações do 49º aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974, também conhecida como Revolução dos Cravos. Em um discurso icônico e elogiado por muitos ele defendeu que Portugal deve um pedido de desculpa, e, acima de tudo, deve assumir plenamente a responsabilidade pela exploração, escravatura e violência colonialista.

Foram palavras nunca ditas antes por um representante do Estado português. Palavras, em meu sentir, que anunciam o início da reconciliação com os povos originários de todas as nações colonizadas por Portugal, inclusive o Brasil.

“Reconhecer a História é reconhecer a violência colonialista e a responsabilidade que Portugal também tem”, disse o Presidente.

Sem deixar de ressaltar a herança positiva deixada pelos colonizadores nas antigas colônias, o Presidente afirmou ser importante assumir o “bom” e o “mau” do passado colonizador. Indicou “a língua, a cultura, a unidade do território brasileiro” como fatores positivos, e “de mau”, o Presidente ressaltou “a exploração dos povos originários, denunciada por António Vieira, a escravatura, o sacrifício do interesse do Brasil e dos brasileiros”. O Padre Antonio Vieira foi um missionário português em terras brasileiras, no século XVII, que defendeu incansavelmente os direitos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização. Era por eles chamado “Paiaçu” (Grande Padre/Pai, em tupi).

O Presidente Marcelo frisou que essa atitude deve ir para além do simples pedido de desculpas, uma vez que, “às vezes, o que há de mais fácil: pede-se desculpa, vira-se as costas e está cumprida a função”. Marcelo quer que Portugal vá mais longe, assumindo “a responsabilidade, para o futuro, daquilo que de bom e de mau fizemos no passado”.

“Também isso nos serve para nós olharmos para trás, a propósito do Brasil. Mas seria também possível a propósito de toda a colonização e toda a descolonização, e assumirmos plenamente a responsabilidade por aquilo que fizemos”.

Razões para as nações colonizadoras realizarem o processo de reconciliação

As palavras proferidas pelo Presidente de Portugal demonstram a sua sabedoria e estão em consonância com o que já está a decorrer em várias nações cujos processos de cura e harmonia com os povos nativos já encontram-se em andamento.

Urge, portanto, que Portugal elabore e siga o seu próprio processo de revisão e congraçamento com as nações indígenas de todos os territórios que colonizou.

Trata-se de uma decisão de extrema importância para as nações que verdadeiramente respeitam os direitos humanos de seus cidadãos descolonizados, vez que é fundamental para promover a justiça, valorizar a diversidade cultural, reparar danos históricos, construir relacionamentos saudáveis, avançar os direitos humanos e preservar o conhecimento indígena. É um passo necessário para construir sociedades mais justas, inclusivas e sustentáveis. Veja as razões:

Justiça histórica: A colonização frequentemente resultou em injustiças e violações dos direitos dos povos originários. A reconciliação é uma forma de reconhecer e corrigir essas injustiças, promovendo a igualdade e a equidade entre todos os grupos dentro de uma sociedade.

Reconhecimento da diversidade cultural: Os povos originários têm uma história, uma cultura e uma visão de mundo únicas. Ao buscar a reconciliação, as nações colonizadoras demonstram respeito e valorização da diversidade cultural, reconhecendo a contribuição dos povos indígenas para a identidade nacional.

Reparação de danos: A colonização causou danos sociais, econômicos, culturais e espirituais às comunidades indígenas. A reconciliação envolve o reconhecimento desses danos e o compromisso de repará-los, buscando formas de compensar as perdas sofridas e proporcionar um futuro melhor para os povos originários.

Construção de relacionamentos saudáveis: A reconciliação promove a construção de relacionamentos mais saudáveis e harmoniosos entre as nações colonizadoras e os povos indígenas. Isso pode levar a uma maior compreensão mútua, cooperação e resolução pacífica de conflitos, contribuindo para a estabilidade social e o desenvolvimento sustentável.

Avanço dos direitos humanos: A reconciliação com os povos originários é um passo em direção ao respeito pelos direitos humanos e pela igualdade de oportunidades para todos os membros de uma sociedade. Ao enfrentar o legado colonial e promover a inclusão dos povos indígenas, as nações colonizadoras fortalecem os princípios fundamentais dos direitos humanos.

Preservação do conhecimento e da sabedoria indígena: Os povos indígenas possuem um conhecimento tradicional valioso sobre a terra, o meio ambiente, a medicina, a agricultura e muitas outras áreas. A reconciliação ajuda a preservar e valorizar esse conhecimento, reconhecendo sua importância para a sustentabilidade e o bem-estar de todos.

Benefícios que decorrem do processo reconciliatório: combate ao idadismo

É importante destacar que os benefícios da reconciliação não se limitam apenas à nação colonizadora. Os povos indígenas devem ser os primeiros a se beneficiarem, especialmente ao obterem o respeito pelos seus direitos, a preservação de sua cultura e o acesso a oportunidades de desenvolvimento social e econômico mais equitativas. A reconciliação é um processo mútuo que visa a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.

A reconciliação com os povos originários também pode desempenhar um papel importante no combate ao idadismo, que é a discriminação ou preconceito baseado na idade. Embora o idadismo possa afetar várias faixas etárias, os povos indígenas geralmente enfrentam desafios específicos relacionados à idade, resultantes do histórico de colonização e marginalização.

A reconciliação pode ajudar a combater o idadismo de várias maneiras:

Valorização da sabedoria e experiência dos mais velhos: Os povos indígenas têm uma rica tradição de respeito e reverência pelos mais velhos em suas comunidades. A reconciliação promove a valorização dessa sabedoria e experiência acumulada ao longo dos anos, reconhecendo que os idosos têm muito a contribuir para suas comunidades e sociedades como um todo.

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Inclusão e participação ativa dos mais velhos: A reconciliação busca criar uma sociedade mais inclusiva, onde todas as vozes são ouvidas e valorizadas. Isso inclui garantir que os mais velhos tenham oportunidades significativas de participação em todos os aspectos da vida social, política e cultural. Ao combater a marginalização dos idosos indígenas, a reconciliação contribui para uma sociedade mais justa e equitativa.

Promoção de direitos e cuidados adequados para os mais velhos: A reconciliação também envolve o reconhecimento dos direitos dos idosos indígenas e o fornecimento de cuidados adequados. Isso inclui acesso a serviços de saúde, programas de apoio social e cuidados de longo prazo que atendam às necessidades específicas dos mais velhos. A reconciliação visa garantir que os idosos indígenas sejam tratados com dignidade e respeito em todos os estágios da vida.

Valorização da intergeracionalidade: Os povos indígenas têm uma forte conexão com a intergeracionalidade, que envolve a transmissão de conhecimentos, valores e tradições entre diferentes gerações. A reconciliação promove a valorização dessa troca de sabedoria entre os mais velhos e os mais jovens, incentivando a construção de relacionamentos harmoniosos e colaborativos entre as gerações. Isso ajuda a combater estereótipos negativos e preconceitos relacionados à idade.

Benefícios às nações que reconciliam

Já uma nação que promove a reconciliação com os povos nativos que encontrou ao desembarcar em terras já habitadas poderá ganhar uma série de benefícios significativos. Aqui estão alguns exemplos:

Estabilidade social: A reconciliação pode ajudar a promover a estabilidade social ao abordar as tensões históricas e presentes entre as nações colonizadoras e os povos indígenas. Ao resolver disputas e conflitos, é possível construir uma sociedade mais coesa e pacífica.

Legitimidade e reconhecimento internacional: Ao demonstrar um compromisso genuíno com a reconciliação, uma nação pode ganhar maior legitimidade e reconhecimento internacional. Isso pode resultar em relações diplomáticas mais fortes, parcerias comerciais mais vantajosas e maior respeito e influência no cenário mundial.

Recursos naturais e conhecimento tradicional: Muitas vezes, as terras e os recursos naturais estão localizados nas regiões habitadas por povos indígenas. Ao estabelecer uma relação de respeito e cooperação com esses povos, uma nação pode ter acesso a esses recursos de maneira mais sustentável, preservando a biodiversidade e aproveitando o conhecimento tradicional dos povos originários.

Desenvolvimento econômico e sustentável: A reconciliação pode impulsionar o desenvolvimento econômico e sustentável. Ao envolver os povos indígenas no planejamento e na implementação de projetos econômicos, é possível aproveitar seus conhecimentos e práticas tradicionais, promovendo a preservação ambiental e a criação de oportunidades econômicas para as comunidades indígenas.

Respeito aos direitos humanos: Ao abordar as injustiças e violações dos direitos dos povos originários, uma nação demonstra um compromisso com os direitos humanos. Isso pode fortalecer sua reputação nacional e internacional e contribuir para um clima de respeito, igualdade e inclusão dentro do país.

Preservação da identidade nacional: Os povos indígenas desempenham um papel fundamental na formação da identidade nacional de muitos países. Ao reconhecer e valorizar suas contribuições culturais, históricas e sociais, uma nação pode preservar sua própria identidade e enriquecer sua diversidade cultural.

Um futuro promissor e mais inclusivo para Portugal e países hoje descolonizados

Em conclusão, façamos votos para que o discurso do Senhor Presidente da República de Portugal seja o início do processo de reconciliação com os povos originários dos territórios que ocupou, passo fundamental em direção a uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentável.

Ao reconhecer as injustiças do passado, Portugal poderá reparar danos, valorizar a diversidade cultural e promover o respeito pelos direitos humanos, atos que demonstrarão o forte compromisso da nação portuguesa com a construção de relacionamentos saudáveis e harmoniosos.

É importante ressaltar que a reconciliação não é um processo fácil ou rápido, exigindo esforços contínuos, envolvimento de todos os países descolonizados, diálogo aberto e ações concretas.

Ao enfrentar o legado colonial e trilhar o caminho da reconciliação, Portugal não apenas reconstruirá laços de confiança e cooperação, mas também estabelecerá um exemplo inspirador para outras nações ao redor do mundo.

A reconciliação com os povos originários é um testemunho do compromisso de uma nação com a justiça, a igualdade e o respeito pelos direitos humanos, moldando um futuro mais inclusivo e promissor para todos os seus cidadãos e cidadãs.

Muito obrigada, Presidente Marcelo Rebelo de Sousa!


Assista a entrevista ao vivo do Portal do Envelhecimento com o Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa:

Silvia Triboni

Repórter, Advogada com MBA em Gestão Pública pela FGV, residente em Lisboa, Portugal, 64 anos. Criou o projeto Across the Seven Seas, cujo objetivo é o desenvolvimento do protagonismo sênior. É palestrante e membro da rede internacional Aging2.0. Faz parte da Consultoria Longevida, especializada na área do envelhecimento. Empreendedora, levou para a nação lusitana o curso brasileiro Repórter 60+ Portugal.

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Silvia Triboni

Repórter, Advogada com MBA em Gestão Pública pela FGV, residente em Lisboa, Portugal, 64 anos. Criou o projeto Across the Seven Seas, cujo objetivo é o desenvolvimento do protagonismo sênior. É palestrante e membro da rede internacional Aging2.0. Faz parte da Consultoria Longevida, especializada na área do envelhecimento. Empreendedora, levou para a nação lusitana o curso brasileiro Repórter 60+ Portugal.

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