Penso na minha tia e dou risada. Sigo faxinando com empenho, apenas por onde passa o Bispo. E sigo limpando com a velhice que logo baterá à porta a espera de encontrar a casa varrida dos supérfluos.
Em que momento a farra da faxina se perdeu? Eu era criança e junto com minhas primas passávamos horas arrumando nossa casinha de bonecas, cozinhávamos em um fogãozinho elétrico onde preparávamos com alegria comidinhas e cuidávamos dos vasinhos que enfeitavam nossa casa instalada no quartinho do tal fogão a lenha usado nas festas juninas na chácara onde passei lindos momentos da minha vida.
Tudo era lúdico e até mesmo lavar a louça era prazeroso.
Já no quintal, com piso de caquinhos amarelos e preto da casa em que morava, o dia de limpeza era uma farra aguada com esguicho e sabão em pó que ao ser esfregado com a vassoura formava espuma que me fazia patinar até cair nas poças.
Na minha cabeça estava certa de que ajudava na lavagem enquanto a doce Miena me dizia:
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– Não quer que eu faça isso sozinha? Não prefere ir brincar de outra coisa?
– Não estou brincando, estou te ajudando na faxina. Não é justo você lavar sozinha um quintal deste tamanho.
Miena entendia o recado e me deixava continuar a brincadeira tornando ainda mais divertida a confusão quando, sem querer, me esguichava enquanto eu gargalhava de alegria.
Tem sido assim. Lembranças como essas se tornam rotineiras, principalmente neste momento em que a vassoura e o rodo parecem querer se tornar uma extensão de meu próprio corpo. Vira e mexe, nas minhas mãos varrem dançando em ritmo frenético pela casa que passou a ser o local de trabalho dos moradores e eu, justo eu que criticava minha mãe por ser metódica percebo que sem método não é possível organizar a rotina de um lar.
Tento buscar diversão nessas tarefas, mais intensas do que nunca, que precisei aprender a dividir com minha vida profissional, com o apoio aos filhos, marido e cachorras. Até um tal rodo que gira e espirra água com desinfetante comprei numa tentativa de transformar a limpeza num bailar no deslize do spray com rodopios e agachamentos.
Outro dia conversando com minha Tia ao telefone falávamos sobre o ato de faxinar:
– O apartamento é grande então eu limpo apenas por onde passa o Bispo.
Caí na gargalhada.
Havia encontrado uma frase que me representa e com minha imaginação fértil pude me ver com o rodo com seus jatos de limpeza abrilhantando o caminho do tal Bispo que andava pela minha casa com um incenso em mãos abençoando meu lar.
Pintura de Andrea Vaccaro
– Nada de levantar móveis, arrastar a cadeira. Limpe apenas por onde passa o Bispo.
Esta minha Tia modificou meu jeito de limpar a casa pois faço o serviço às gargalhadas imaginando o bispo logo ali atrás de mim.
Vivendo e aprendendo.
Enquanto houver humor e uma Tia cheia de sabedoria os fardos podem se tornar mais leves.
E sigo limpando com a velhice que logo, logo baterá à porta a espera de encontrar a casa varrida dos supérfluos, do que não nos pertence, das amarguras e dos problemas que insistimos em torná-los maiores do que realmente são.
Para a vida sempre haverá solução, mas sem deixar de lado a fé que varre os entulhos do que já foi e do que não serve mais.
Olho para a casa e percebo o tanto de pó. A limpeza é efêmera e a vida é tão breve.
Na lavanderia a vassoura e o rodo me esperam para começar a faxina como purificação do momento. Lembro da diversão dos tempos passados e numa tentativa de encontrar aquela menina, rodopio com o rodo que espirra um cheiro gostoso de limpeza.
Penso na minha tia e dou risada. Sigo faxinando com empenho, apenas por onde passa o Bispo.
Imagem destaque de Sasin Tipchai/Pixabay