Poesia estimula cérebro de pessoas com Alzheimer e cria laços

Portugal – Em Março de 2013 fui convidada para um desafio inesperado: colaborar como voluntária na Casa do Alecrim [ver nota da redação]. Aceitei desde logo a proposta pois já há algum tempo que desejava dedicar-me ao voluntariado.

Ana Maria Carrapatoso. Foto: Associação Alzheimer Portugal

 

poesia-estimula-cerebro-de-pessoas-com-Alzheimer-e-cria-lacosDecidi então que o meu contributo poderia passar pela dinamização de sessões de poesia, que iriam melhorar um pouco a qualidade de vida dos doentes de Alzheimer. A minha proposta foi aceita de bom grado. Para mim seria um projeto inovador e bastante apelativo mas que requeria alguma preparação prévia visto tratar-se de interagir com pessoas especiais. Para os clientes iria ser um contributo para melhorar um pouco a sua qualidade de vida.

Comecei por fazer uma pesquisa sobre a doença de Alzheimer, através da Internet, e verifiquei que existe bastante informação sobre os benefícios da utilização da poesia em lares de idosos. Soube assim que, em Inglaterra e nos Estados Unidos, já há algum tempo se desenvolvem projetos de poesia como forma de terapia para os doentes de Alzheimer, nomeadamente o «Alzheimer´s poetry project», criado pelo poeta Gary Glazner, em 2004, nos Estados Unidos.

Segundo me informei, verifiquei que está provado que a leitura de poesia proporciona a estimulação do cérebro destes doentes, de uma forma lúdica e criativa, tornando-se assim uma terapia muito eficaz, quando realizada num ambiente acolhedor e de alguma cumplicidade. Através da expressão dos seus sentimentos e das lembranças das memórias passadas que a poesia proporciona, os doentes sentem não só bem estar físico e emocional mas também auto confiança e conforto. A utilização deste tipo de literatura contribui igualmente, de uma forma muito positiva, para a longevidade da memória destas pessoas.

Para além desta pesquisa, a nível pessoal, frequentei também uma Ação de Formação para voluntários, organizada pela Alzheimer Portugal, onde conheci a «abordagem centrada na pessoa com demência».

Estando assim confiante que iria levar a bom porto este meu projeto, mas ao mesmo tempo sentindo alguma insegurança e ansiedade, iniciei então as «Tardes de Poesia na Casa do Alecrim». Devo dizer que a minha formação académica e experiência como professora de Português, ao longo de 35 anos, me têm ajudado muito na sua concretização.

A primeira sessão realizou-se no dia 19 de Abril de 2013. Conversámos sobre o que é a poesia e questionei os participantes se conheciam alguns poetas e poemas. Pude então constatar que muitos deles ainda tinham na sua memória alguns poemas da infância e lembravam-se também de nomes de poetas, o que foi para mim um incentivo para me dedicar, ainda com mais entusiasmo, a esta tarefa. Dissemos lengalengas e provérbios, trabalhámos com rimas e construímos um poema coletivo.

A partir de então os temas abordados têm sido muitos: o sol e a chuva; o vento; o mar; os animais; a amizade; as cores; as profissões e tantos outros. Numa das sessões foi tratado o tema «Brincadeiras da infância». Um dos senhores quis então atirar o pião, tal como fazia quando era ainda um rapazinho. Os seus olhos brilharam como estrelas quando o viu rodopiar no meio da sala. E todos aplaudimos com muita alegria.

Numa outra sessão, quando fazíamos o abecedário dos animais, pedi-lhes que dissessem nomes de animais começados pela letra A. Após alguns momentos sem resposta, decidi ajudar: «Vá! Letra A. A…a…a…». De repente um dos senhores exclama com grande entusiasmo: «ABACATE!». Escusado será dizer que foi um momento hilariante!

Em todas as sessões lemos os nossos poetas, desde Luís de Camões a Fernando Pessoa, Manuel Alegre ou Matilde Rosa Araújo. Também dizemos lengalengas e adivinhas, completamos provérbios, construímos abecedários dos temas tratados e utilizamos a mímica, entre outras estratégias. No final das sessões fazemos sempre um poema coletivo que depois é lido em voz alta. Além disso, por vezes, ainda há tempo para um momento de música e dança que é muito bem recebido pela maioria dos participantes. Todos sentem uma enorme alegria, mesmo apenas observando os dançarinos.

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De todas as estratégias de utilização de poesia que já foram adotadas, as que suscitam mais interesse e boa disposição são a repetição de rimas, a utilização de onomatopeias e os poemas «sem juízo».

Já fizemos cinquenta sessões de poesia. Na primeira, em Abril de 2013, senti que me olhavam com certa desconfiança, estranhando de algum modo a minha presença mas, a pouco e pouco, fui percebendo os seus sorrisos e os seus olhares cúmplices. Todos são diferentes, cada um com as suas próprias caraterísticas e maneiras de reagir. Ao longo do tempo fomo-nos conhecendo e agora tudo é muito mais fácil. Tenho a certeza que me vêem como uma amiga que todas as sextas feiras à tarde os vai visitar e leva um pouco de bem estar e alegria para as suas vidas. E isto posso testemunhar através dos seus sorrisos, dos seus apertos de mão com força e do carinho com que todos me recebem.

Como voluntária na Casa do Alecrim, quero ainda expressar o meu obrigado pela amizade e afeto com que tenho sido recebida por toda a equipa. O seu apoio foi importantíssimo para a minha integração.

Tem sido uma experiência muito gratificante e enriquecedora, não só para mim mas também para aquelas pessoas tão especiais. Como diria o Principezinho: Criámos laços!

(*)Voluntária do projeto «Tardes de Poesia» na Casa do Alecrim – Alzheimer Portugal, publicado em 2/7/2014.

Nota da Redação Portal

O Lar e Centro de Dia “Casa do Alecrim”, localizado em Cascais, é o primeiro Lar da Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer (Alzheimer Portugal), inaugurado no dia 6 de Janeiro de 2013. Foi concebido exclusivamente para pessoas com demência, inclusive com espaços estimulantes a nível de cheiros e cores. A Casa do Alecrim entrou em funcionamento em março de 2013 como Centro Dia e como Lar em novembro do mesmo ano. A instituição foi concebida para ser um centro privilegiado de prestação de cuidados e de disseminação de boas práticas.

O Centro de Dia da “Casa do Alecrim” tem capacidade para 15 pessoas com Demência, residentes no Concelho de Cascais, que passam o dia nas instalações, beneficiando de um conjunto alargado de atividades de estimulação com vista ao retardamento da progressão da doença e à manutenção da qualidade de vida e da autonomia da pessoa. Já o Lar da “Casa do Alecrim” tem capacidade para 36 pessoas com Demência, residentes no Distrito de Lisboa, algumas em regime privado e outras com acordos com a Segurança Social.

A instituição tem ainda o Serviço de Apoio Domiciliário da “Casa do Alecrim”, com capacidade para dar resposta a 50 pessoas com Demências, residentes no Concelho de Cascais.

Para maiores informações, escrever para o e-mail: [email protected]

Fonte: Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer: Disponível Aqui

 

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