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Pesquisa trata do refúgio em “Envelhecer longe de casa”

A pesquisa de mestrado em gerontologia da PUC-SP, “Envelhecer longe de casa: Aspectos culturais e sociais de refugiados na cidade de São Paulo”, de Denise Orlandi Collus, baseou-se em depoimentos de refugiados. Por estarmos distante de áreas de conflitos, não conhecemos as dificuldades e desafios que os refugiados vivem. O número de pedidos de refúgio no Brasil aumentou mais de 930% entre 2010 e 2013. A maioria vem da África, Ásia e América do Sul. Em outubro de 2014, o Brasil tinha 7.289 refugiados reconhecidos, de 81 nacionalidades.

Denise Araújo * Foto: Massimo Sestini

 

“Envelhecer longe de casa: Aspectos culturais e sociais de refugiados na cidade de São Paulo”, foi tema de pesquisa de mestrado em Gerontologia Social, defendido recentemente por Denise Orlandi Collus, na PUC-SP. A investigação foi baseada em depoimentos de refugiados, narrando maneiras próprias de construção de laços afetivos com a nova morada, distante de sua terra e cultura de origem.

Por meio dos relatos, foram identificados os principais fatores que motivaram a saída de seus países de origem, o processo de adaptação no Brasil e como pensam que será seu envelhecimento, por meio dos temas: desterro e reterritorialização, língua e cultura, hospitalidade, liberdade e autonomia. Os pesquisados demonstraram felicidade por ter a oportunidade de envelhecer e conhecer filhos e netos, sobrepondo todas as dificuldades enfrentadas para chegar e adaptar-se no Brasil. O grupo pesquisado foi composto por nove pessoas de oito nacionalidades diferentes.

Denise Orlandi Collus, que é assistente social e mestre em Gerontologia pela PUC-SP, trabalha na Gerência de Programas Socioeducativos que inclui em seus programas o trabalho com refugiados, na pasta da Diversidade Cultural, do SESC, em São Paulo. Ela embasa o tema nas políticas e órgãos responsáveis pelo acolhimento do refugiado no Brasil, para que os leitores entendam o contexto do refúgio.

A pesquisa de Collus permite conhecer as histórias de vida dos refugiados, não só o passado ou presente, mas o futuro, em como eles pensam sobre seu envelhecer longe de casa. Alguns dos participantes já tiveram oportunidades de expor suas experiências para a mídia nacional, mas nunca sobre o seu envelhecimento no Brasil.

O tema refúgio, desconhecido para muitos, hoje está em destaque e presente na mídia, com a morte por afogamento de quase 2 mil refugiados e migrantes somente em 2015, no Mediterrâneo, que fogem de países arrasados pela guerra, como Síria, Afeganistão, Sudão e Iraque ou de perseguições por suas opiniões políticas, muitas torturadas e, inclusive, ameaçadas de morte se ficassem em seus países.

A palavra refúgio é muitas vezes usada indevidamente pela mídia nacional, ao comentar sobre os brasileiros que buscam “refúgio” em Miami (1), por não estarem de acordo com a política e economia atual em nosso país. Estes estão saindo do Brasil por opção e podem retornar quando desejarem, fato totalmente diferente dos refugiados “de verdade”.

Para entender um pouco mais sobre o tema, vamos conhecer Denise Orlandi Collus, seu trabalho no SESC e sua trajetória com refugiados.

Portal do Envelhecimento – Qual a sua trajetória com os refugiados e o envelhecimento?

Denise Orlandi Collus – Minha primeira função no SESC foi na área administrativa na Gerência de Estudos e Programas da Terceira Idade. Após 4 anos nessa gerência e com a conclusão do curso de Serviço Social, solicitei minha transferência para a unidade do SESC Carmo, situada no coração da cidade de São Paulo. Nesta unidade permaneci 14 anos coordenando o programa sociocultural com refugiados. Nestes 14 anos de trabalho diretamente no atendimento aos refugiados e solicitantes de refúgio. Durante quatro anos, tive a oportunidade de retornar ao trabalho com idosos, agora como coordenadora e, assim, conciliar duas importantes áreas de atuação do SESC, uma vez que o trabalho social com idosos teve início no Brasil pelas portas da instituição e o trabalho com refugiados é uma iniciativa também do SESC, em São Paulo. Atualmente trabalho na Gerência de Programas Socioeducativos que inclui em seus programas, o trabalho com refugiados, na pasta da Diversidade Cultural. A minha atribuição nesta gerência é o apoio técnico às demais unidades operacionais do SESC no Estado de São Paulo na ampliação do programa sociocultural com refugiados, ou seja, ampliar atividades e benefícios oferecidos pelo SESC aos refugiados que buscam o Estado de São Paulo como sua nova pátria. Treinar os funcionários para acolher o refugiado, promover rodas de conversa, ampliar cursos de português para outras unidades e etc. O objetivo principal do SESC é dar ferramentas para o refugiado ter condições de conviver dentro de nossa sociedade e o primeiro passo é falar e entender o português.

Quando começou seu interesse pelo envelhecimento?

A Gerontologia surgiu em dois momentos de minha vida, o primeiro foi na passagem pela Gerência de Estudos de Programas da Terceira Idade com Marcelo Salgado, que introduziu a Gerontologia no Brasil através do SESC, eu não trabalhava diretamente com o idoso, mas conheci o trabalho do SESC com terceira idade (2); e em nenhum momento me identifiquei com o trabalho, tanto que ao terminar a graduação em Serviço Social mudei de área, e passei a atuar no SESC Carmo, onde era considerado um bom local para trabalhar com o social, pela localização e pelas características da unidade. Após 10 anos trabalhando com refugiados, fui convidada a assumir o programa com idosos além do trabalho com o refugiado. Comecei a me sentir um pouco mais a vontade com essa área, pois até então tinha uma resistência enorme. E acho que o meu casamento contribui muito com isso, ao conviver com uma diferença etária de 20 anos e descobrir que há um ritmo diferente para as coisas acontecerem. Comecei a vivenciar o envelhecimento mais próximo e de um melhor ângulo com meu marido e foi no Mestrado em Gerontologia que pude esclarecer e desmitificar muitos pontos e o curso veio para desbancar uma série de preconceitos e resistências.

Qual a importância do trabalho para a sociedade?

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Através de cursos e eventos promovidos pelo SESC, espera-se dar autonomia para os refugiados; e através das rodas de conversa, onde o público em geral é convidado a participar, é possível conhecer a cultura do outro, facilitando a convivência. É essencial para o refugiado ter contato com os brasileiros, do contrário será muito difícil sua sobrevivência no país, onde no início pode-se dizer que o único elo é com o SESC. Por nos encontrarmos distante de áreas de conflitos, não nos damos conta das dificuldades e dos desafios que os refugiados vivem. Para o brasileiro é praticamente impossível imaginar que um refugiado sírio possa estar sentado ao lado dele, afinal sempre tivemos a cultura de exportação de mão de obra para o mundo inteiro. Não se imagina que o Brasil possa ser um local atrativo para outros, por mais que saibamos dos imigrantes do pós-guerra e dos bolivianos que estão aqui pela questão econômica, porém até pouco tempo eram invisíveis pela ilegalidade. Associarmos uma pessoa que sai de um conflito na Síria, está muito distante de nossa compreensão, não se entende porque ele vem para o Brasil ao invés de ir para a Europa. Porém quando os brasileiros conseguem entender a situação destes refugiados, são muito solidários. Hoje o público que busca participar destas rodas de conversa é jovem com uma visão mais global e com fronteiras amplas; já o público da terceira idade é muito dividido e preconceituoso em relação aos refugiados africanos, principalmente. Um exemplo do desconhecimento do brasileiro é a reação ao ver alunos do curso de português, um grupo de refugiados visitando o Museu da Língua Portuguesa, em comemoração ao término do curso. Devemos observar que em decorrência do número crescente de refugiados algumas coisas podem mudar: disputas que podem surgir entre brasileiros e refugiados, e xenofobia.

Existem barreiras impostas ao refugiado pelos brasileiros?

Percebo receio em decorrência do desconhecimento geral dos direitos dos refugiados no Brasil. O preconceito pode vir de brasileiro afro descendentes, de idosos imigrantes ou filhos de imigrantes, que muitas vezes se esquecem de suas origens e das razões que os trouxeram até aqui.

Quais são os números de refugiados no Brasil nos últimos anos?

O número total de pedidos de refúgio no Brasil aumentou mais de 930% entre 2010 e 2013 (de 566 para 5.882 pedidos). A maioria dos solicitantes de refúgio vem da África, Ásia (inclusive Oriente Médio) e América do Sul. Entre 2010 e 2012 se manteve estável (em torno de 4.000), porém vem crescendo de forma acelerada a partir de 2013. Em outubro de 2014, o Brasil possuía 7.289 refugiados reconhecidos, de 81 nacionalidades distintas. A metade dos solicitantes de refúgio é formada por adultos entre 18 e 30 anos. Apenas 4% dos pedidos são apresentados por menores de 18 anos, dos quais 38% correspondem a crianças entre 0 e 5 anos. Em 2014, a maioria das solicitações de refúgio no Brasil foi apresentada em São Paulo (26% do total de solicitações no período), Acre (22%), Rio Grande do Sul (17%) e Paraná (12%). Regionalmente, estão concentradas na regiões Sul (35%), Sudeste (31%) e Norte (25%)

Você acredita que este número aumentará?

A localização geográfica do Brasil é um grande obstáculo para quem quer chegar em terras brasileiras, tanto pela distância como pelo alto custo no descolamento. Alguns eventos mundiais como Copa do Mundo e Olimpíada proporcionam que muitos aproveitem para conseguir visto brasileiro e assim fugir de seu país. O Brasil é um país tolerante, onde podem pedir refúgio e aguardar todo processo. Hoje 20 pedidos diários de refúgio são oficializados. Ainda somos reconhecidos como um povo hospitaleiro e solidário.

O que você considera interessante para um melhor acolhimento?

É necessário melhorar a estrutura de acolhimento (atualmente são acomodados nas redes públicas e muitas vezes famílias são separadas por falta de vaga no mesmo local), refeições, políticas sociais e participação integral do governo. Ao chegar ao Brasil o refugiado faz o pedido na Polícia Federal, é encaminhado para o Centro de Referência para Refugiados da Caritas Arquidiocesana de São Paulo (3), e depois para as instituições parceiras, entre elas as unidades do SESC, em São Paulo. Nos centros de referência que oferecem pernoites, o solicitante de refúgio poderá permanecer em seu interior das 17 horas até as 7 horas da manhã, exceto para mulheres com crianças pequenas, idosos e enfermos. A sociedade civil tem uma enorme participação na acolhida, proteção e inserção cultural do solicitante de refúgio e refugiado, mas há muito para se fazer no que se refere ao suporte social e cultural como também no esclarecimento e sensibilização de nós, brasileiros, para a gravidade da situação que estas pessoas se encontram ao deixar tudo para trás, tudo que construiu ao longo de tantos anos e que foi transformado em cinzas. Diante de tantos obstáculos a única razão para estarem aqui é o desejo de viver, viver para contar, viver para transformar.

Notas

(1) Gianini, Tatiana. Os brasileiros que podem se refugiam na Flórida. Disponível Aqui Acesso em 06.10.15

(2) O Grupo de Covivência foi chamado de “Carlos Malatesta”, em homenagem ao assistente social que o organizou. Durante os primeiro meses de funcionamento, era exclusivo para homens, mas, aos poucos, as esposas foram incorporadas. Disponível Aqui, consulta em 13.04.15

(3) caritassp Aqui e acnur Aqui

Referências

Anistia Internacional. Sete perguntas sobre os refugiados e migrantes que estão morrendo no Mediterrâneo. Disponível Aqui. Acesso em 04.11.2015.

* Denise Araújo – Administradora de Empresas pela Faculdade Oswaldo Cruz, Especialização em Gerontologia pelo Centro Universitário São Camilo e Mestre em Gerontologia Social – PUC SP. É professora de informática para adultos e idosos, colaboradora da ONG Envelhecer Sorrindo e integrante do Programa Vigilantes da Memória. É colaboradora do Portal do Envelhecimento. Email: denisearaujo@ig.com.br

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