Na reportagem que Janete Frazão e João Pereira Coutinho, do jornal português “Correio da Manhã, fizeram com o Presidente da Cáritas, Eugénio José da Cruz Fonseca(*), a principal questão da discussão ficou por conta da situação de desemprego que impera em Portugal hoje. Ele afirma que há uma média mensal de 516 novos pedidos de ajuda. A maioria dos casos está associada ao desemprego.
Para contornar a crise econômica, os portugueses socorrem-se cada vez mais das economias, pensões dos familiares idosos, retirando-os dos lares e dos centros dia. Segue a íntegra da entrevista do Correio da Manhã com Eugénio da Fonseca:
A Cáritas tem alertado para o risco do aumento da pobreza devido à crise. Tem números que quantifiquem a dimensão do problema?
Não. Prestamos os serviços através de voluntários, na sua maioria pessoas com alguma idade, e a recolha de dados não é facilitada.
E no que se refere às vinte dioceses espalhadas pelo País?
Aí sim, mas isso é uma pequena parcela, dado que temos os atendimentos diocesanos e depois o atendimento nas 4350 paróquias. Os dados apontam para um acréscimo de pedidos na ordem dos 40% em relação ao ano anterior. É uma média mensal de 516 novos agregados familiares.
Quem são estas novas famílias?
A causa fundamental é o desemprego. E em alguns casos constatam-se dificuldades face aos encargos decorrentes das recentes medidas de austeridade.
O ministro da Solidariedade Social diz que o Orçamento do Estado para 2012 protege os mais pobres. Não concorda, portanto?
Protege os mais pobres em termos de referência. Vamos ver como é que as 49 medidas do Plano de Emergência Social podem favorecer essa protecção. Quando digo que a pobreza vai aumentar, é porque também vai aumentar o desemprego.
Há algum fenómeno que marque esta nova geração de pobres?
O que estas pessoas têm de diferente é que quando nos procuram vêm na expectativa de encontrar um novo trabalho. Em alguns casos temos conseguido ajudar, apostando elas próprias na criação do posto de trabalho.
Tem criticado as medidas tomadas por este Governo.
Sobretudo no que respeita ao aumento de impostos e à falta de coragem para intervir naquilo que é a moldura fiscal. Não é a questão da riqueza, é a forma como a temos distribuído.
Não está a haver justiça na distribuição dos sacrifícios?
Falta uma reforma fiscal que distribua os encargos equitativamente. E o risco que corremos é o de perder pelo caminho muita gente. Estão a aumentar os suicídios, a aumentar as doenças do foro psiquiátrico.
Os portugueses são solidários?
Talvez falte a cultura da solidariedade. Ser solidário é responder prontamente perante uma necessidade, ter a cultura da solidariedade é perante qualquer necessidade se partilhar, sem ser necessária a mediatização.
Os mais idosos continuam a ser os mais esquecidos?
Há idosos que estão a ser retirados dos lares e centros de dia porque os filhos caíram no desemprego e assim podem acrescentar ao seu rendimento as reformas dos pais. O que está a acontecer é que levam os idosos para a sua casa, e não dos filhos, e os idosos ficam numa solidão muito grande. Não estaria mal se cuidassem dos pais. Chamamos é a atenção para os casos em que há desprezo nos pais e em que há interesse pela pensão.
Escreveu-se que algumas dioceses estarão já em falência. Como comenta?
Em falência não estão. Os recursos da Cáritas não são só monetários, têm um potencial humano. Ajudar as pessoas não é só atirar dinheiro para cima dos problemas. Mas há um fenómeno prejudicial para lutarmos contra a pobreza, a chamada pobreza envergonhada.
As pessoas têm vergonha de assumir que precisam de ajuda?
Têm vergonha de se expor. Estão na expectativa de resolver o problema, e quando já estão desesperados é que aparecem. Por outro lado, não querem dar a cara, têm medo desse estigma. Tanto que prefiro dizer que essas pessoas estão temporariamente privadas de recursos.
Mantém-se esse estigma?
Estigmatizámos a pobreza. Pobre para muitos é ser malandro, porque só é pobre quem quer, porque só é pobre porque se recusa a trabalhar, porque quer viver de esquemas.
Mas não há o risco de encerramento de dioceses?
Não, nunca podem encerrar as Cáritas, que têm potencial humano e que podem ter outros recursos, como é o caso da mediatização.
(*)Eugénio José da Cruz Fonseca: 54 anos, é natural de Setúbal. Casado e com dois filhos, é licenciado em Ciências Religiosas pela Universidade Católica. Desde 1999 que preside à Cáritas. Em 2007, foi agraciado com a Ordem de Mérito de Grande Oficial.
Assista o vídeo com a entrevista clicando no endereço URL das referências.
Referências
FRAZÃO, J. & COUTINHO, J.P. (2011). Filhos tiram pais dos lares para ficar com as pensões. Disponível Aqui. Acesso em 04/12/2011.