Com o aumento da expectativa de vida, cresce o número de idosos que precisam de um tratamento especializado, como o de Odontogeriatria, para atender essa parcela da população.
Simon Widman e Fernando L.B. Montenegro (*)
A população brasileira de idosos vem crescendo de forma acentuada nos últimos anos. De acordo com o IBGE, essa evolução se manterá acelerada na próxima década, estimando-se que em 2027 serão aproximadamente 40 milhões.
Se de um lado o aumento da expectativa de vida é um dado claramente positivo, de outro, carrega o imperativo de que as diferentes áreas devem se preparar adequadamente para receber esse crescente contingente de idosos, com suas particularidades e necessidades próprias. Desde a Previdência Social à mobilidade urbana, todos os setores devem se ajustar à nova realidade. E, claro, a Odontologia não é exceção. Por essa razão, em 2001 o Conselho Federal de Odontologia reconheceu a Odontogeriatria como especialidade odontológica, sendo à época pioneiro em âmbito mundial a tomar essa decisão.
No início do ano seguinte, estabeleceu um plano para a Odontogeriatria baseado em quatro pontos a serem estudados: o impacto de fatores sociais e demográficos na saúde oral do idoso, o envelhecimento no sistema mastigatório e suas consequências, o diagnóstico e tratamento das patologias bucais nos pacientes idosos – incluindo o efeito colateral dos medicamentos e as terapias por irradiação – e a influência de um planejamento abrangente e oferta de cuidados de saúde bucal para pacientes idosos.
Particularidades
O ponto de partida para oferecer ao idoso um atendimento à altura de suas particularidades é a realização de uma cuidadosa anamnese. Quem faz essa recomendação é o Dr. Fernando Luiz Brunetti Montenegro, especialista em prótese e periodontia, autor de dois livros que são referência em Odontogeriatria (**) e de 110 artigos sobre o tema. “Precisamos extrair as informações que vão orientar o tratamento e conhecer as características clínicas do paciente”, afirma.
Para enfatizar a importância desse conhecimento prévio, o Dr. Montenegro dá como exemplo um paciente idoso que tenha passado recentemente por tratamento de câncer e que dificilmente contará espontaneamente essa condição, por desconhecer sua relação com o atendimento odontológico. “Essa pessoa provavelmente toma medicamentos, como os bifosfonatos, que produzem consequências reais no modo de tratar os tecidos bucais; por exemplo: ao extrair um dente, numa situação normal, depois de alguns dias a gengiva cicatriza. Entretanto, quem toma bifosfonatos não vai ocorrer essa cicatrização e a saliva vai entrar e se depositar direto no osso. Em resumo, se o dentista não souber dessa medicação e simplesmente extrair o dente, pode estar criando as condições para uma infecção mais séria, como uma osteomielite”, assinala o Especialista.
Boca seca no idoso
Outra condição muito frequente nessa parcela da população é a diminuição do fluxo salivar, popularmente conhecida como “boca seca do idoso”, que produz uma série de consequências prejudiciais não só à saúde bucal, mas a qualidade de vida da pessoa. A queda no fluxo é provocada pelo excesso de medicamentos que o idoso costuma tomar, muitas vezes prescritos por médicos de diversas especialidade ou até mesmo, com frequência, sem indicação ou acompanhamento médico (a chamada automedicação – um perigo enorme!).
A saliva, explica o Dr. Fernando Montenegro, tem diversas funções essenciais: Remineraliza os dentes, é um antimicrobiano natural – ajuda a prevenir cáries -, desempenha papel importante no preparo dos alimentos para a digestão, repara a mucosa e promove o equilíbrio entre ácido e alcalino no interior da boca. Ela também auxilia a fixar a dentadura, ao formar uma espécie de vácuo entre a prótese móvel e a gengiva. Com a redução do fluxo salivar, a dentadura solta-se com frequência e a pessoa acaba mudando sua dieta alimentar, incorporando, por exemplo, pães e biscoitos molhados no leite. São fáceis de mastigar, mas podem levar a um quadro de anemia que, por sua vez, tem consequências para a saúde bucal e piora ainda mais o fluxo salivar.
Outra importante função da saliva, quando o fluxo do líquido é normal, é a limpeza natural das papilas gustativas, localizadas na porção posterior da língua (não atingíveis pela escovação da língua) e responsáveis pela percepção do sabor dos alimentos. O acúmulo de alimentos nesse local de difícil escovação faz com que o idoso perca a sensibilidade do paladar e, consequentemente, a motivação para comer.
É nessa parte posterior da língua, quando não devidamente higienizada, que podem se alojar bactérias do pulmão. Ao tossir, o paciente com pneumonia remete as bactérias para a boca e elas encontram nos alimentos depositados nas papilas gustativas um excelente local para se instalar e proliferar. Ao respirar, a bactéria retorna para o pulmão. “Por isso, muitas vezes a pessoa toma altas doses de antibióticos e a pneumonia não passa”, comenta o Dr. Fernando Montenegro, ressaltando que “nós, dentistas, poderíamos contribuir no combate a esses problemas orientando e realizando a limpeza da parte posterior da língua quando observarmos que há redução do fluxo da saliva”.
Também para enfrentar o problema da boca seca a anamnese tem um papel importante. Uma das informações que deve ser extraída do paciente, de seus acompanhantes e, se for o caso, do cuidador é a relação de medicamentos que toma por dia. “Eu atendi um paciente que fazia uso diário de 17 medicamentos diferentes, vários deles com a mesma finalidade”, lembra o Dr. Montenegro. Diante de uma situação como essa, é indicado entrar em contato com os médicos que o atendem e informar que observou uma redução no fluxo da saliva. É possível que os médicos reduzam as doses e eliminem medicamentos com finalidades que se sobrepõem.
Formação do Odontogeriatra
Apesar de Brasil ter sido pioneiro no reconhecimento da especialidade de Odontogeriatria, o Brasil tem um número reduzido desses profissionais. Segundo estudo realizado pelos professores Leonardo Marchini, Fernando Luiz Brunetti Montenegro e Ronald Ettinger – A Odontogeriatria como uma especialidade odontológica no Brasil: O que foi conseguido depois de 15 anos? –, publicado na Revista Brazilian Dental Science, em 2016 existiam apenas 276 especialistas no país e atualmente são aproximadamente 350 pelo Site do CFO, o que é um número baixíssimo para atender os idosos brasileiros como um todo.
No entender do Dr. Montenegro, essa realidade se deve, em grande parte, à falta de interesse das Faculdades de Odontologia em incorporarem a especialidade em seus currículos, com a profundidade e abrangência que o tema exige. Ele fez um levantamento nas 225 Faculdades de Odontologia do país – 196 particulares e 29 públicas – e chegou a conclusões que confirmam a sua suspeita. Desse total, somente 18 oferecem Odontogeriatria como matéria optativa e 67 a ensinam na grade curricular. Uma busca nos sites de todas as instituições também reforça sua crítica: 142 faculdades não fazem qualquer menção à Especialidade.
Uma das conclusões do estudo assinala que “o reconhecimento da especialidade parece ter resultado em um significativo aumento na pesquisa relacionada a Odontogeriatria, entretanto, este crescimento coincide com um avanço geral na pesquisa no Brasil e é menos extenso que em outras especialidades que foram reconhecidas na mesma época”. E recomenda que “mais ainda precisa ser feito para adicionar a Odontogeriatria no currículo das Faculdades de Odontologia, mesmo considerando que um número insuficiente de escolas ensina esta Disciplina atualmente”.
O Dr. Montenegro lamenta que, no momento, não há nenhum curso de Especialização em Odontogeriatria a ser iniciado no país. Para ele, o ideal é implantar a Disciplina nas Faculdades de Odontologia, não como opcional, mas dentro da Grade Curricular. Somente com a formação de um número elevado de profissionais egressos das faculdades com o conhecimento das particularidades e necessidades dos idosos será possível atender uma parcela da população que tende a aumentar cada vez mais e merece envelhecer com saúde e qualidade de vida.
Onde buscar informação
Livros, texto técnicos e sites especializados (muitos com muitas informações para os idosos e seus cuidadores) auxiliam a aprofundar o conhecimento sobre a Odontogeriatria.
Veja as recomendações de leitura e consulta feitas pelo Dr. Fernando:
Livros-texto sugeridos:
(**)Odontogeriatria – Noções de interesse clínico. Autores: Brunetti RF, Montenegro FLB. Artes Médicas (2002)
Odontogeriatria. Autor: Campostrini E. Editora Revinter (2004)
Odontogeriatria. Autor: Mello HSA. Editora Santos (2005)
Bases clínicas em Odontogeriatria. Autores: Vendola MCC, Neto AR. Editora Santos (2009)
Odontologia integrada na Terceira Idade. Autor: Alencar MJS. Editora Santos (2013)
(**) Odontogeriatria: uma visão gerontológica. Autores: Montenegro FLB, Marchini L. Editora Elsevier (2013)
Alzheimer na clínica odontológica. Autor: Tibério D. Editora Appris (2015)
Saúde bucal na UTI. Autor: Miranda AF. Paco Edit. (2017)
Sites com Informes/Artigos para Pacientes, Cuidadores & Profissionais:
www.portaldoenvelhecimento.org.br / em: Odontogeriatria
www.odontogeriatria.dr.odo.br / por todo o Site
www.jornaldosite.com.br / Ver Arquivo de Odontogeriatria
www.cristinafogaca.com / em Odontogeriatria
www.cfo.org.br/ em Especialidades
www.crosp.org.br / em Camara Tecnica de Odontogeriatria-Artigos.
(*)Simon Widman -SW Comunicação & Conteúdo e Fernando L.B. Montenegro – Mestre e Doutor pela FOUSP. Artigo publicado originalmente em Conexão Unna Jan-Mar 2018,5(19):14-16 (ISSN 2447-9438). Email: [email protected]