Com o envolvimento tecido com os públicos com quem pretende trabalhar mudanças sociais e comportamentais, o técnico de intervenção social coloca os próprios sujeitos da intervenção numa investigação de si próprios, na medida em que percebem que são escutados e que as suas palavras são vistas como descrições de um saber valorizado.
Ricardo Vieira *
O Trabalho Social, enquanto prática da pedagogia social deve ser feito com os outros e não para os outros.
Nesta linha, é premente entrar no mundo do outro, neste caso o idoso, sua história, seus gostos, seus interesses, sua epistemologia. Não se trata de nos tornarmos no outro mas, na medida do possível, de compreendê-lo a partir do seu próprio ponto de vista, num vaivém entre o “interior” e “o exterior” e não interpretá-lo etnocentricamente a partir de modelos ideais decalcados de outros contextos, ainda que suportados por modelos técnicos e racionalistas com provas dadas de sucesso em outros contextos.
Neste texto, assume-se o Trabalho Social estendido, essencialmente, ao serviço social, educação social e animação sociocultural, tal como acontece em Espanha e noutros países. Desta forma, trabalhar como gerontólogo ou assistente social com grupos de idosos ou outros, implica, antes de mais, assumir uma atitude investigativa. Implica uma primeira etapa de escuta, compreensão e aprendizagem da epistemologia do outro, isto é, dos públicos com que se pretende trabalhar. Só depois se poderá passar a trabalhar com eles duma forma contextualizada.
Toda a intervenção social deveria ser, neste sentido, mediadora, capaz de encontrar um terceiro lugar entre o ponto de partida dos sujeitos e o projeto futuro desenhado em conjunto com o técnico de Serviço Social. Eis pois porque começamos por afirmar que o assistente social é um investigador. É-o dos outros e é-o, também, de si próprio, quando, ao trabalhar com determinado grupo, racionaliza as suas próprias ideias e práticas a ponto de melhor se consciencializar de quem é e de como está a agir, conhecendo-se, assim, melhor a si próprio.
Simultaneamente, com o envolvimento tecido com os públicos com quem pretende trabalhar mudanças sociais e comportamentais, o técnico de intervenção social coloca os próprios visados da intervenção numa investigação de si próprios, na medida em que percebem que são escutados e que as suas palavras são vistas como descrições de um saber valorizado. Ao mesmo tempo crescem, animam-se (ganham vida) e criam projeto(s), razão do existir com sentido.
Eis pois porque urge romper com a exclusividade do paradigma biomédico que faz do idoso um objeto de tratamento e não tanto um sujeito autónomo, vigilante de si, dos seus e dos outros: “a velhice não é, naturalmente, um estado patológico, como se acreditava em medicina, e nem é um retorno à infância, como se acreditava em psicologia, mas sim um período fisiológico e comportamental normal e distinto do ciclo vital”.
Eis, pois, porque urge tratar o idoso com o seu próprio ritmo, entendimento e autonomia. Um sujeito que se pensa e que sabe que se transformou porque tem consciência de si. Uma pessoa que não é, necessariamente, um mero objeto dependente de outrem e sem posição sobre os contextos em que vive e sobre si próprio.
Na terceira idade, mais cedo ou mais tarde, é expectável que os idosos se venham a cruzar com um educador social, com um assistente social ou com um enfermeiro que os poderá apoiar no seu domicílio, no lar onde se encontram ou no hospital aonde tiveram de recorrer por alguma situação de doença mais delicada. Efetivamente, a fragilidade aumenta com a idade.
Até no domínio mais específico da saúde, como é o caso da enfermagem que é considerada como a arte de cuidar, há um crescente afastamento do modelo biomédico que privilegia o tratar e, portanto, a parte em detrimento do todo que é o humano como sujeito. Assim, tal como o educador social, também o assistente social e o enfermeiro devem valorizar o acompanhar, o caminhar lado a lado com aquele que por uma qualquer razão está debilitado, vulnerável ou simplesmente pouco informado.
É por isso que defendemos o trabalho social como o processo de ação que acompanha o ser humano nas diferentes fases da sua vida, desde o nascimento até à morte. Em todas as etapas da vida, deve encarar-se a pessoa humana como um ser holístico, ou seja, como um ser biopsicossociocultural, que inclui a dimensão espiritual. Cada sujeito tem a sua história de vida própria e individual que importa conhecer para se poder criar uma relação de empatia indispensável ao sucesso dos cuidados prestados. O cuidar do outro é, pois, um cuidar “com”, um ato de comunicação.
Há na área do trabalho com idosos e na própria área da saúde, uma proximidade grande entre a enfermagem, a educação social e o serviço social, e entre a saúde e o trabalho social, entre a geriatria e a gerontologia, áreas que necessitam, assim, de uma forte colaboração interdisciplinar.
Numa sociedade que perpetua e desenvolve tantos preconceitos em relação à pessoa idosa e onde esta passou de sábia a desprovida de conhecimento e utilidade, torna-se fundamental que quem trabalhe com esta população, de que são exemplo os enfermeiros e os técnicos de trabalho social, a desconstrução desta realidade através da procura do significado da expressão junto dos próprios.
É por isso que é importante ir ao encontro do outro como sujeito, questionando-o sobre o que ele pensa, de forma a libertarmo-nos do que pensamos e do que os que nos rodeiam e que por vezes connosco lado a lado trabalham, pensam.
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* Ricardo Vieira – Professor Coordenador Principal da ESECS e investigador do CIID-IPLeiria, núcleo do CesNOVA. Antropólogo e Pós-Doutor em Serviço Social