É possível garantir políticas públicas para pessoas idosas sem conselhos de direitos legítimos e atuantes?
Alexandre de Oliveira Alcântara e Maria Aparecida Gugel (*)
No artigo 229 a Constituição da República afirma que é um dever familiar cuidar e amparar a pessoa idosa, cabendo aos filhos maiores o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade. Logo em seguida, no artigo 230, diz que é da família, da sociedade e do Estado o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando a sua participação na comunidade, defendendo a sua dignidade e bem-estar e garantindo o seu direito à vida.
No início, no artigo 7º inciso XXXI quando trata dos direitos sociais, a Constituição da República se refere à idade e proíbe a discriminação no trabalho quanto às diferenças de salário, exercício de funções e, especialmente, critérios de admissão da pessoa.
O principal objetivo da Constituição da República é construir uma sociedade justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais com a promoção do bem de todos, livre de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Um dos princípios fundamentais da formação da sociedade brasileira é a dignidade da pessoa humana. Esse pilar se espelha em normas internacionais sobre as quais o Brasil assumiu o compromisso de seguir, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), e o Protocolo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
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- 19/09/2019
O reconhecimento à dignidade da pessoa humana está presente em todos os documentos internacionais, especialmente geracional (criança/idoso), de forma a esclarecer ao Estado sobre a necessidade de ação progressiva de medidas visando a proteção social das pessoas idosas na velhice, e também o direito à assistência social de modo a ficar protegida contra as consequências do desemprego, da própria velhice e da incapacidade que, provenientes de qualquer causa alheia a sua vontade, a impossibilitem física ou mentalmente de obter meios de subsistência (Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, abril/1948, Artigo XVI). O rumo norteador esperado dos Estados Membros é o de construir sólido acesso à previdência social que decorre da possibilidade de a pessoa ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito (Artigos 9 e 6 do Pacto de San José da Costa Rica).
A participação social
A participação ativa na sociedade depende da capacidade individual de análise e compreensão das realidades política e social e da existência de espaços próprios para poder criticar e atuar sobre ela. Dessa participação, derivam os direitos de votar, de associação, de sindicalização, de voluntariar-se, dentre outros.
A participação na vida política como manifestação da soberania popular, na forma do artigo 14, é exercida pelo voto direto e secreto com valor igual para todos os brasileiros. O direito ao voto obrigatório a partir dos 18 anos terá condição facultativa para pessoas com mais de 70 anos.
O direito e a liberdade de a pessoa idosa fazer as próprias escolhas, inclusive e especialmente sobre como gerir a sua própria existência, implica o Estado em preservar o mais possível a independência econômica e social da pessoa idosa, por meio de prestações previdenciárias (conforme o Regime Geral da Previdência Social para trabalhadores do setor privado e o Regime Próprio de Previdência Social para servidores públicos de cargo efetivo, de filiação obrigatória) e assistenciais eficazes.
Dentre os objetivos da assistência social, a quem dela necessitar, coloca-se constitucionalmente a proteção à velhice com a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa idosa que comprove não possuir meios de prover a sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, na forma da lei (artigo 203 incisos I e V).
O direito de associação, tal como delineado no artigo 5º incisos XVII e XVIII, permite à pessoa idosa integrar-se, por meio de organizações representativas, aos espaços de discussão e de controle social, a exemplo dos conselhos de direitos cujo fim desagua na elaboração de políticas públicas voltadas para o segmento – conforme, por exemplo, o artigo 204 inciso II.
Já o direito de associação sindical assegura ao trabalhador idoso – e também ao aposentado com direito a voto (artigo 8º inciso VII) – colocar em pauta na negociação coletiva os direitos concernentes à preparação para a aposentadoria e melhores condições de trabalho com respeito às suas condições físicas e mentais, além de previsões sobre formação e qualificação profissional, tempo de trabalho e de repouso.
O direito ao voluntariado permite à pessoa idosa colaborar (ativamente) para a transformação social.
Ao final do artigo 230, na perspectiva de amparo pela família, sociedade e Estado, encontra-se a garantia do direito à vida que abarca não apenas a condição de longevidade, como também o direito de ter um envelhecimento ativo fincado na dignidade, no respeito, nas participação e inclusão sociais. Ou seja, o círculo virtuoso do envelhecimento digno. Nesse ponto os especialistas dos direitos da pessoa idosa identificam e alertam para a necessidade de providências do Estado quanto a violência existente em relação ao grupo de pessoas idosas que se manifestam por conta da desigualdade social, das relações e comunicações cotidianas e da falta de políticas públicas adequadas, em três dimensões específicas – estrutural, interpessoal e institucional -, respectivamente.
Outros aspectos importantes da proteção constitucional à pessoa idosa decorrem de previsões constitucionais como a de proteção à idade para o cumprimento da pena (artigo 5º inciso XLVIII) e a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis pelo Ministério Público (artigos 127 e 129), com legitimidade de ação na forma do Estatuto do Idoso (artigos 73-92).
Os Conselhos de Direitos e o controle social das políticas públicas
A Constituição da República com bastante pertinência política criou um modelo constitucional de formulação e execução de políticas públicas que privilegia a participação social através de um encadeamento orgânico de instâncias de decisões integradas pelos conselhos de direitos, as conferências, os fundos especiais (fundos nacional, distrital, estaduais e municipais do idoso, criança, cultura etc.), os órgãos gestores (poder público) e as organizações da sociedade civil (associações voluntárias, organizações comunitárias, organizações não governamentais, organizações sociais (OS), associações profissionais, sindicatos etc.).
Assim, conforme a Carta Política de 1988 a efetividade político-jurídica dos direitos previstos na ordem social constitucional depende de uma interação entre o Estado e a sociedade civil, para a elaboração, a tomada de decisões e aplicação dos recursos públicos destinados as mais diversas políticas públicas. Essa corresponsabilidade na construção das políticas públicas vem delineada ao longo do texto constitucional nos artigos 194, inciso VII (seguridade social/forma genérica); 198, inciso III (saúde); 204, inciso II(assistência social); 205 (educação); 215 (cultura); 216, § 1º (proteção do patrimônio histórico cultural); 227, inciso II (pessoas com deficiência); 230 (direitos do idoso); 232 (índios).
A partir desse delineamento constitucional temos como consequência que o controle social das políticas públicas direcionadas à população idosa deve passar, necessariamente, pelos conselhos nacional, distrital, estaduais e municipais dos direitos da pessoa idosa. Segundo a Política Nacional do Idoso, esses conselhos serão órgãos permanentes, paritários e deliberativos, compostos por igual número de representantes dos órgãos e entidades públicas e de organizações representativas da sociedade civil ligadas à área.
Controle social é uma expressão do exercício democrático do acompanhamento pela sociedade civil que se dá através do acompanhamento e avaliação das políticas públicas no âmbito de cada ente (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) da federação brasileira.
Outra importante instância do encadeamento orgânico das instâncias de decisões no âmbito das políticas públicas são as ‘conferências’. Assim como os conselhos, as conferências são lugares de tomada de decisão que deverão servir como referência de apoio ao gestor público na elaboração e execução das políticas públicas para as pessoas idosas em todos os níveis de governo.
Nesse ano de 2019 foi realizada a quinta edição das conferências municipais, distrital e estaduais dos direitos da pessoa idosa, cujo tema é “Os desafios de envelhecer no século XXI e o papel das políticas públicas”. Infelizmente, o governo federal por meio de sua pasta respectiva, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), não realizou a V Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, apesar de devidamente convocada pelo Presidente da República.
Leia a matéria na íntegra em: ControleSocial_CNDI_AlexandreAlcantara_MariaGugel_2019 – Copia
(*) Alexandre de Oliveira Alcântara é Promotor de Justiça da 17ª Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Fortaleza, Estado do Ceará (Núcleo do Idoso e da Pessoa com Deficiência), Professor da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Ceará. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito na Universidade Federal Fluminense- UFF, Mestre em Direito pela Universidade de Fortaleza- UNIFOR, Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará- UFC, Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia- SBGG. Membro do Conselho Técnico-científico da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Idosos e Pessoas com Deficiência (AMPID, gestão 2019-2021), tendo representado esta entidade no Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), gestões 2012-2014. E-mail: alexandre-alcantara@uol.com.br
Maria Aparecida Gugel é Subprocuradora-geral do Trabalho; Doutora pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata, Facoltà di Giurisprudenza, Autonomia Individuale e Collettiva, Roma, Itália; Membro Colaborador do Núcleo de Atuação Especial em Acessibilidade do Conselho Nacional do Ministério Público (Neace/CNMP) e do GT7/CDDF/CNMP; Presidente da Associação Nacional de Membros do Ministério Público de defesa da pessoa com deficiência e idoso (AMPID, gestão 2019-2021) e vice-Procuradora Geral do Trabalho.
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