As Assembleias de Cidadãos apresentam resultados positivos pelo planeta afora.
O Financial Times é um jornal inglês, voltado ao mundo dos negócios e à economia, referência na área. Recentemente publicou uma matéria (“Citizens’ assemblies could help repair our toxic political culture” em tradução livre, algo como “Assembleias de cidadãos poderiam ajudar a reparar a nossa cultura política tóxica”).
A matéria é um destaque à experiência sobre as Assembleias de Cidadãos, uma experiência internacional de algumas décadas, que apresenta resultados positivos em uma centena de localidades espalhadas pelo planeta, onde ocorreram decisões sobre temas voltados ao aspecto social, econômico, ambiental, urbanístico.
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Independentemente de concordar ou não com a democracia participativa em relação a uma estrutura mais “ortodoxa”, ou então “conservadora” ou “tradicionais”, se assim preferirem de democracia representativa (ou seja, os Poderes Legislativo e Executivo, e como diz o próprio Financial Times, “partidária e divisionista, com pouco espaço partilhado para a construção de consenso”), o tema do Financial Times é útil para uma reflexão sobre o processo deliberativo, no qual cidadãos e cidadãs podem, além de opinar, decidir.
A matéria ressalta que o modelo não objetiva a “destituição” do poder estabelecido à democracia representativa, “Mas poderiam ajudar a forjar uma política mais corajosa, em que o parlamento trabalhe com o público para resolver as questões mais complicadas”, questões mais complexas, que exigem análises sistêmicas e atuações intersetoriais e interdisciplinares. Ou seja, seria uma forma diferente de abordar cenários atuais, que vem sendo tratados de forma distante da realidade, dificultando a solução de problemas que atingem um grande número de pessoas que vivem nas cidades.
A matéria destaca também que “Existem três benefícios principais. Primeiro, uma política criada com a contribuição das pessoas afetadas terá mais legitimidade. Em segundo lugar, o simples ato de reunir as pessoas pode fortalecer a cidadania e colmatar divisões – mesmo para aqueles que não estão presentes. Terceiro, pode ajudar a reconstruir a confiança e reparar a relação cada vez mais tóxica entre os eleitores e os eleitos”.
Finalizando, a matéria aponta para o caminho da democracia colaborativa: “Precisamos de uma democracia colaborativa, começando com uma abordagem honesta à complexidade dos desafios que enfrentamos — e às soluções de compromisso necessárias para os superar. Envolver os cidadãos na elaboração de políticas pode ajudar-nos a todos a encontrar avanços. E ao construir parcerias entre cidadãos e governos, os políticos estarão mais bem equipados para serem mais efetivos.
Sobre o tema, há um importante pesquisador que se dedica há muitos anos para estudar a democracia participativa e deliberativa e as instituições democráticas: Professor Graham Smith, da Universidade de Westminster. Ele é o autor de um livro referência na área das inovações democráticas: “Democratic innovations: designing institutions for citizen participation” (em tradução livre, algo como “Inovações democráticas: projetando instituições para a participação cidadã”), de 2009.
Neste livro, o Professor Graham Smith apresenta uma série de experiências mundiais, espalhadas pelos continentes, sobre a participação popular em experimentos democráticos. Um deles, é justamente a Assembleia Popular.
Ele destaca que as “assembleias populares: [são] fóruns abertos a todos os cidadãos. A assembleia aberta é indiscutivelmente o mais básico dos projetos democráticos… As pessoas podem ser empoderadas e a legitimidade das estratégias de redução da pobreza aumentada se houver contribuição da comunidade por meio de avaliação participativa, os cidadãos estão participando de uma área de política pública que raramente é aberta ao engajamento direto, ou seja, decisões sobre a distribuição de parcelas significativas do orçamento da cidade”.
Nestes cenários, para o Professor Graham Smith, “As relações tradicionais de tutela foram substituídas por uma forma de governança mais aberta e transparente”, para, na sequência, destacar que “Estas assembleias estão abertas a todos os residentes, sejam ou não membros de organizações cívicas oficialmente reconhecidas”.
Evidentemente, como toda ação social, também há limitações e dificuldades. Às assembleias de cidadãos, uma delas é a participação dos segmentos com menor poder econômico. Justamente tal característica é, também, um complicador. O mesmo serve para grupos populacionais de mulheres, ou então de pessoas idosas, até mesmo de crianças e adolescentes. Logo, é necessário buscar alternativas que favoreçam a participação de tais grupos.
Em seu livro, o Professor Graham Smith vincula a experiência do Orçamento Participativo às Assembleias de Cidadãos, apresentando informações sobre esta experiência que ocorreu no Brasil, em alguns casos municipais mais isolados, e ganhou força a partir dos anos 90.
Um parêntese: entretanto, esta experiência, com o passar do tempo, apresentou certa dose de desgaste, justamente porque o que era decidido pela sociedade, acabava não ocorrendo por limitações apresentadas pelos próprios governos locais (como a limitação de recursos financeiros, limitações legais, processos burocráticos morosos e por aí vai). Gradativamente as pessoas perceberam que suas decisões não eram respeitadas e gradativamente passaram a perder cada vez mais o interesse com aquela estrutura participativa, desacreditando-a dela.
Seja como for, agora uma “nova” onda de democracia participativa ganha força no debate público na Inglaterra. Penso que posso dizer que se trata de um país de reconhecida democracia e de economia poderosa. Restará saber o que a experiência da Assembleia de Cidadãos pode fazer por nós? E, entre o nós, as pessoas idosas. Quem sabe, disto tudo, surja algo possível de ser avaliado também para as terras brasileiras.
Foto de Mikhail Nilov/pexels.