Aos dezessete ou dezoito anos, quando ainda estudava filosofia, fui encarregado de preparar um texto sob o título: “O SIGNIFICADO DO NATAL”. Deveria abordar o tema sob uma perspectiva histórica ou, melhor, da filosofia da história. Até então não havia lido qualquer texto que se referisse àquela disciplina. Gostava e muito de história; gostava também, e muito mais, de filosofia.
Waldir Bíscaro *
Achei aquela solicitação uma oportunidade de juntar os dois gostos e, apesar da escassez de bibliografia, fui criando um caminho próprio de reflexão o que resultou num texto considerado, na época, de bom nível.
Se o texto foi realmente de algum valor para os que o leram, não sei dizer. Só sei que, para mim, significou uma abertura para novas investigações – bibliográficas, claro – de um tema que, sem saber, há muito me atraía. Nessa época tive a sorte de ler um autor inglês, de nome Christofer Dawson. O nome do livro, se não me engano, era algo como: “Origens da cultura ocidental”. Através desse autor tomei conhecimento das principais teorias de interpretação da História.
Outro autor de quem me aproximei, através de terceiros, foi Oswald Spengler (A Decadência do Ocidente) com sua teoria da evolução cíclica da história, segundo a qual a história se repete, mas sempre em outro nível, como uma espiral em ascensão, de modo que há sempre um paralelismo entre as diversas culturas e civilizações.
O mais importante é que comecei a entender a história não mais como mera seqüência de fatos que se interligam meio que fortuitamente e sim um tecido muito bem urdido que por trás das aparências tinha um significado mais profundo que merecia ser decifrado. A história não é linear, como se fosse uma evolução constante a caminho de um happy end. Não há lugar para happy end na história.
Gostaria muito de ter continuado naquela linha de investigação da história e de seus significados, nem sempre evidentes, gostaria, porém…
É que a vida da gente muitas vezes não costuma respeitar nossos sonhos e desejos. Minha vocação de “intelectual” precisou se ajustar à realidade, isto é, teria de cuidar das coisas comuns a todo mortal, das “miudezas” da vida. Deixei de lado a filosofia e me agarrei à psicologia, não a clínica e muito menos a teórica e sim aquela que me garantiria uma posição no mercado de trabalho. Primum vivere, deinde philosophare…
Tive muita sorte. Primeiro foi o encontro com Pierre Weil, como meu primeiro gerente e mentor no trabalho. Sob sua orientação acabei sendo, com o Otávio Paulo e o Berje, um dos desbravadores e introdutor, em S. Paulo, da Psicologia Organizacional que até então se restringia à Psicotécnica.
Mais tarde, como profissional já conhecido e em um mercado mais modernizado, nunca me foi difícil encontrar espaço para minha atuação. Passei por várias organizações e nesse percurso, como psicólogo, tive a oportunidade rara de testemunhar muito da aplicação das teorias de Spengler nas histórias dessas instituições: origens, ascensões, esplendores e decadência. Parece que a trama da grande história se repete nas micro-histórias das organizações…
Após mais de quarenta anos longe da filosofia e mais longe ainda da filosofia da história, eis que, quase por acaso, me vejo frente a frente com a velha amiga de meus tempos de candidato a filósofo. Foi no curso de “Memória Autobiográfica”, em 2005, percebi que ela, a Filosofia da História, continuava jovem e atraente e rodeada por gente que, na época em que dela me aproximei, nem sabia que existia. Walter Benjamin, os Bosi, Simone Weil, Paul Ricoeur entre outros.
Sinto pena não ter comigo hoje o texto que escrevi aos dezoito anos. Com certeza ia dar boas risadas. Era eu muito pretensioso, metido a intelectual. Escrevi depois um outro texto mais ambicioso: “O Sentido da História” – haja pretensão…
*Filósofo e psicólogo e ex-professor de Psicologia do Trabalho na PUC/SP. E-mail: [email protected]