O idadismo nosso de cada dia

O idadismo nosso de cada dia

Em geral “você está muito jovem” ou “muito velho para isso” revela um enorme idadismo e uma afronta ao livre arbítrio de cada um.

Paulo Cezar S. Ventura (*)


“A idade é uma das primeiras coisas que percebemos nas outras pessoas. O idadismo surge quando a idade é usada para categorizar e dividir as pessoas de maneira a causar prejuízos, desvantagens e injustiças, e para arruinar a solidariedade entre as gerações.”[1] Anoto aqui alguns exemplos que vi ou vivi.

Sou uma pessoa de setenta anos e estive no Centro de Referência da Pessoa Idosa (CRI) de minha cidade para tirar uma carteira que me permite passar nas roletas dos ônibus sem pagar. Setenta pessoas idosas compunham a enorme fila. Pessoas de vários bairros da cidade e de várias categorias sociais. Dois exemplos de idadismo simultâneos: uma atendente perdia a paciência ao atender as pessoas de raciocínio mais lento; outra tratava-as como se fossem crianças e se auto vangloriava de sua postura. Fechei a cara para as duas. Muitas pessoas, mesmo as do serviço público de atendimento às pessoas idosas, não sabem como lidar com elas, conosco.

Os bailes populares de carnaval são famosos em minha cidade. No domingo de carnaval temos o Bloco dos Sujos, onde cada um sai com a fantasia que lhe apetece. Ano passado usei uma fantasia de indiano. Divertia-me solitariamente acompanhando a banda pelas ruas da cidade quando fui abordado por um jovem que me interrogou: você não está muito velho para isso, não? Dei uma resposta malcriada à altura da pergunta idiota.

Em uma casa de repouso para pessoas idosas de uma cidade da qual não me lembro no momento, um grupo de moradores, de ambos os sexos, resolveu realizar uma festa diferente à noite, longe dos olhares dos cuidadores. Promoveram uma festa sexual, totalmente consensual. Pegos no pulo, suas famílias foram convidadas a transferi-los, separadamente, para outras casas. Afinal, pessoas idosas não praticam sexo, nem qualquer outro tipo de ato libidinoso, não é o que as pessoas pensam?

O idadismo não é um desrespeito somente às pessoas idosas. É comum aos jovens também. Algo do tipo: você está muito jovem para isso. A menos nos casos em que a idade seja uma barreira importante, como algumas coisas proibidas para menores para protegê-los, em geral “você está muito jovem” ou “muito velho para isso” revela um enorme preconceito e uma afronta ao livre arbítrio de cada um.

O idadismo pode se revelar também por uma autocrítica exagerada e sem fundamento. Quando pensamos que estamos velhos demais para fazer isso ou aquilo, geralmente estamos sendo preconceituosos conosco.

Eu gosto de dançar. É muito comum convidar alguém e ouvir a terrível frase: estou velho para isso. E a dança é tão útil para as pessoas idosas! Um dos exercícios considerados importantes para a saúde cerebral é exatamente o que produz movimentos diferentes de sua rotina cinestésica. Quer coisa melhor que a dança para executar movimentos diferentes? Em lugar do repouso no sofá, ou do tradicional dois para lá, dois para cá, que tal circular e rebolar bastante? O que melhor que o rock’n roll, dança de nossa geração, para esta fuga da rotina cinestésica?

O idadismo, no entanto, é estudado no mundo inteiro, com pesquisas universitárias inclusive, para que possamos combatê-lo. Conhecer para combater. Só conhecendo o inimigo para melhor lutar contra. Porque o idadismo deprime, corrói as vontades, destrói o livre-arbítrio invadindo as mentes das pessoas. Não pode ser naturalizado. Nenhum tipo de preconceito pode ser naturalizado, ou banalizado. A naturalização conduz às tragédias humanitárias, como as produzidas pelo fascismo, pelo racismo, pelo machismo e tantos outros.

Durante a pandemia, principalmente em seu início, quando a maioria dos falecidos por covid-19 eram pessoas idosas, o idadismo se mostrou forte no Brasil e, creio, em outros países também. Quantas vezes ouvi, muitas delas de jovens próximos a mim, que não havia problemas, pois, os mais velhos eram os que morriam. Total falta de empatia. Mais que isso, as pessoas idosas estampam nos mais jovens o medo da morte. Uma pessoa idosa nos lembra de nossa finitude e vulnerabilidade. O que nos coloca, muitas vezes, em posição de negação. Negamos, e escondemos, aquilo que somos ou podemos ser[2].

Os exemplos são muitos, mas, o que fazer para este duro combate ser bem-sucedido? O Relatório Mundial sobre o Idadismo aponta três estratégias possíveis e importantes que devem ser aplicadas em conjunto.

1 – Elaboração de políticas e promulgação de leis que combatam o idadismo.

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As políticas incentivam o combate assegurando o respeito à dignidade de todas as pessoas independentemente da idade e das leis de direitos humanos. Já as leis abordam e punem a discriminação com base na idade e na desigualdade.

2 – Intervenções educacionais incluem instruções que transmitem informações, conhecimentos e habilidades.

As intervenções educacionais introduzem atividades que melhoram a empatia por meio da encenação, da simulação e da realidade virtual. As pesquisas revelam que as intervenções educacionais estão entre as estratégias mais eficazes para reduzir o idadismo dirigido às pessoas idosas. As intervenções educacionais têm um papel central a desempenhar em qualquer esforço para reduzir o idadismo. E as pesquisas sobre como essas intervenções possam reduzir o idadismo relacionado a pessoas jovens continua em aberto.

3 – Intervenções de contato intergeracional que buscam o contato entre pessoas de gerações diferentes.

Segundo as pesquisas, o contato entre as gerações e as intervenções educacionais estão entre as mais eficientes para reduzir o idadismo direcionado às pessoas idosas, e são promissoras para reduzi-lo contra as pessoas mais jovens.

Essas intervenções devem ser colocadas em prática conjuntamente para serem bem-sucedidas. Reduzir o idadismo é fundamental para uma convivência harmoniosa entre as gerações, com cada uma oferecendo e aproveitando o que há de melhor na vida: a troca de conhecimentos e saberes e uma vida saudável física e mental.

O Relatório Mundial sobre o Idadismo pode ser baixado clicando no link a seguir: https://iris.paho.org/handle/10665.2/55872. Ele está disponível para leitura, uso e compartilhamentos. Dê o primeiro passo para combater o idadismo. Apresente e estude o Relatório junto com pessoas de todas as idades. Será uma atividade de interatividade intergeracional bem interessante.

Notas
[1] Primeira frase do Relatório Mundial Sobre o Idadismo, publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde, em 2022.
[2] Vale a pena ler o pequeno texto de Sigmund Freud, com esse título: A Negação. Disponível em: https://www.efuturo.com.br/materialbibliotecaonine/2765A-Negacao.pdf

(*) Paulo Cezar S. Ventura – escritor e professor, Licenciado e Mestre em Física, e Doutor em Ciências da Comunicação e Informação pela Université de Bourgogne, França. Membro do movimento Vidas Idosas Importam. E-mail: [email protected]. Instagram: @paulocezarsventura.


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