O futuro incerto

“Quando eu não puder pisar mais na avenida. Quando as minhas pernas não puderem aguentar.” Os versos entoados no samba da cantora Alcione antecipam a eterna preocupação do ser humano: como será o dia de amanhã? O que mu­­­­dará na rotina com a chegada da velhice, quando “as pernas não puderem aguentar?” A questão é pertinente, diante do crescimento a passos ágeis da população idosa no Brasil.

 

 

Segundo da­­­­dos do Instituto Brasileiro de Geo­­­­grafia e Estatística (IBGE), entre 1980 e 2000 o aumento foi de 101,2%, enquanto a população total cresceu apenas 42,7%. Em Curitiba, os senhores de cabelos de algodão representavam 5,5% da sociedade nos anos 1980, e em 2000 já eram 8,4% dos curitibanos. Por outro lado, a quantidade de filhos por mulher caiu vertiginosamente nos últimos 50 anos. Na década de 1960 a média era de seis bebês, e hoje está em torno de dois para cada mulher. Na prática, os números mostram que há mais velhinhos longevos – a expectativa de vida já está em 72 anos – e menos filhos para ampará-los, caso venham a se tornar dependentes.

Foi o que aconteceu com seu Leopoldo Patczyk, 84 anos, hóspede desde setembro de 2009 da casa de repouso e recuperação Agé, em Curitiba. Separado da esposa e longe da filha, Leopoldo vivia sozinho, não saía da cama e mal se alimentava. Diag­­­nos­­­ticado com problemas cardíacos e doença pulmonar obstrutiva crônica – comum na terceira idade, mas agravada pelas seis décadas de tabagismo –, foi hospitalizado e depois instalado na clínica, onde recebe assistência médica, alimentar e faz sessões diá­­­­rias de fisioterapia. “Quando ele chegou, pesava 51 kg, estava muito doente, não andava nem se alimentava sozinho. Durante os dois primeiros meses era totalmente dependente da nossa equipe de enfermeiros”, conta Maria Elizabeth Grahl, proprietária da instituição. Hoje, além de adquirir dois quilos, Leopoldo já consegue comer sem ajuda e caminhar apenas com o apoio de uma pessoa. Lúcido e conversador, ele admite que sente saudades de pescar e da vida na chácara, mas não tem do que reclamar: “Aqui tenho tudo o que preciso, me dou bem com as pessoas e recebo visitas da família quase todos os dias”, frisa Leopoldo.

Leopoldo Patczy recebe os cuidados do enfermeiro Antônio Costa

Elizabeth afirma que os idosos costumam chegar debilitados à casa de recuperação porque não recebem os cuidados adequados na própria residência. “As famílias desconhecem as necessidades dos idosos, mas preferem cuidar deles em casa porque ainda existe um grande preconceito em relação às instituições de repouso”, lamenta.

Casa ou clínica?

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Segundo Márcio Borges, geriatra e editor do site Cuidar de Idosos (www.cuidardeidosos.com.br), a grande maioria dos brasileiros com graus variados de dependência vive em sua casa sob os cuidados de familiares, mas diante do ce­­­­­­nário exposto acima, quanto à diminuição do número de filhos, este comportamento se tornará me­­­nos frequente. “Cada vez mais haverá opção para soluções extra-domiciliares, como as Instituições de Longa Permanência para Ido­­sos (ILPIs). O cuidado em casa continua sendo a melhor opção, desde que ela não esteja contribuindo para a piora da qualidade de vida deste idoso”, opina.

Já a psicóloga e mestre em Fi­­­­losofia, Sandra Moreira Oliveira, defende que filhos ou parentes próximos não deveriam se encarregar dessa tarefa, deixando-a a cargo de cuidadores profissionais. “Além do desgaste físico, ver um ente querido sofrendo gera um estresse emocional e uma angustia tão grande que acaba sendo transmitida para quem está sendo cuidado.” Para ela, dois perfis são muito comuns entre as famílias que enfrentam a doença de um parente de idade avançada: a negação do problema ou a superproteção. “O primeiro acontece por medo ou inexperiência, e pode colocar em risco a própria saúde do idoso; o se­­­­­gundo tende a sufocar a pessoa doente e comprometer a sua individualidade”, alerta. Sandra também diferencia o comportamento entre idosos do sexo masculino e feminino. “O homem lida pior com a perda de potência típica do envelhecimento do que a mu­­lher. Ele prefere morrer a ser um fardo, já ela aceita melhor os cuidados dos outros. Quando a mulher diz que não quer incomodar ninguém ela pode, na verdade, estar pedindo carinho e atenção”, analisa.

Sinais do declínio

Velhice não é sinônimo de doença. De acordo com o geriatra do Hos­­­­­­­pital de Clínicas da UFPR, Pau­­­lo Luiz Honaiser, se a pessoa tiver boa genética, hábitos saudáveis e a “cabeça em ordem”, ela certamente terá um envelhecimento sadio e tranquilo. “Metade dos ido­­­­­­­sos se tornam enfermos porque não se cuidaram ao longo da vida, e eu costumo dizer que é preciso investir na saúde para não ter que investir depois na doença, com enfermeiros e remédios”, avalia. O geriatra recomenda àque­­­­­les que já entraram na terceira idade estarem atentos às manifestações do declínio funcional, como dificuldades para se locomover, alimentar, vestir e tomar banho.

Sandra Oliveira lembra que, quando surgirem estas limitações, a pessoa deve providenciar pequenas mudanças, desde contratar um motorista a fazer reformas em casa – instalação de pisos antiderrapantes, apoios no chuveiro etc. Aos que pretendem viver com saúde e disposição mesmo depois dos 70, a psicóloga sugere fazer exames médicos pelo menos uma vez ao ano, ter uma alimentação nutritiva e praticar exercícios físicos. “Antes era comum recomendar aos idosos atividades como a caminhada, mas hoje sabemos que a musculação pode ser excelente para combater a osteoporose”, afirma Sandra, admirada com o fato de ter uma senhora de 90 anos “malhando” na academia que frequenta.

Risco-benefício

O geriatra Paulo Honaiser explica que enfartes, derrames e ou­­tras doenças que antes matavam subitamente hoje podem ser tratadas como crônicas, prolongando os anos de vida do paciente. Mas é preciso avaliar se longevidade de fato significará qualidade de vida, questionando, por exemplo, se um idoso deve ou não se submeter a uma cirurgia. “Desde que o paciente esteja em boas condições gerais de saúde, não há limites na medicina para a intervenção cirúrgica na terceira idade”, garante o médico. Segundo ele, a cirurgia é indicada em casos de doenças que estejam causando dor e não possam ser tratadas apenas com medicamentos – como as osteoarticulares ou problemas de coluna –, além de aneurisma, doenças da próstata e angina. Mas, antes de o paciente se submeter a ela, o hospital tem a obrigação de informar todos os riscos decorrentes do procedimento, informações que auxiliarão o idoso e seus familiares a ponderarem o risco-benefício da cirurgia. “Tudo depende da idade, do estado de saúde e se a família dará o suporte necessário para o idoso após a cirurgia.”

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Fonte: Especial para a Gazeta do Povo, publicado em 14/2/2010. Disponível Aqui

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