O preconceito contra pessoas velhas encontra-se profundamente entranhado na cultura.
Por Ivete Kist (*)
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O Supremo Tribunal Federal decidiu retirar a obrigatoriedade do regime de separação de bens, no caso de casamentos e uniões estáveis de pessoas com mais de 70 anos. A modificação se aplica aos casos em que ambas as partes optam em consenso por outro modelo e fazem o registro em cartório. O relator da matéria no Supremo, o ministro Luis Roberto Barroso, argumentou que a modalidade vigente até então, “impede que pessoas capazes para praticar atos da vida civil façam livremente suas escolhas”.
— As pessoas têm o direito de fazerem as próprias escolhas. No fundo, esse artigo está ali para proteger os herdeiros — disse o ministro.
Na mesma ocasião, a ministra Carmen Lúcia criticou o etarismo embutido no entendimento de que aos 70 anos a pessoa não tenha mais condições de tomar suas próprias decisões:
— Não se é jovem aos 70 anos — disse Carmen Lúcia. Mas não significa que se é incapaz. Até por que amar a gente pode sempre.
Etarismo, como se sabe, é o ato de desdenhar, menosprezar, humilhar ou discriminar a pessoa em função da sua idade – qualquer idade. Mas o fato é que o etarismo como preconceito atinge particularmente as pessoas idosas.
Não é preciso ser profeta para dizer que ainda vamos falar muito sobre etarismo. O tema tende a crescer em relevância à medida que aumenta a população de mais de 60 anos – faixa que, no Brasil, atualmente engloba mais de 15% da população, conforme dados do IBGE.
O preconceito contra pessoas velhas encontra-se profundamente entranhado na nossa cultura. A tal ponto que dificilmente é percebido. De modo geral, é mais tolerado do que o preconceito contra sexo e contra raça. Mas isso não significa que seja menos nefasto. Tão nefasto é que a percepção negativa da velhice é uma profecia que se auto reforça. Ou seja, ao assumirmos que velhice é sinônimo de doença e de incapacidade, acabamos colaborando, sem perceber, para que a profecia se cumpra. Desistimos de praticar exercícios físicos, por exemplo, desistimos de aprender coisas novas, desistimos de encarar outros desafios, etc. e vamos ficando velhos, no pior sentido do termo.
Há muitas crenças negativas sobre velhice que podem ser revistas. Em primeiro lugar, os velhos não são todos iguais – como as crianças e os adolescentes também não o são. Não é verdade que a idade fatalmente tira a criatividade. Há inúmeros exemplos de artistas cujas melhores obras foram realizadas na velhice. Não é verdade que velhice é sinônimo de tristeza e depressão. Ao contrário, velhice pode ser a época de maior estabilidade emocional, de maior prazer de viver.
Começa a ganhar espaço a ideia que há uma imensa capacidade desperdiçada na fase mais tardia da vida. Para ficar com um aspecto apenas, vale reconhecer que poderíamos integrar mais as diferentes gerações, para proveito de todos. Em vez de segregar os idosos, o ideal seria criar estratégias para aproximá-los dos jovens.
O benefício mais imediato dessa convivência seria começar a quebrar o preconceito contra os velhos.
(*) Ivete Kist – Professora e escritora. Fonte: Independente.
Foto: Ron-Lach/pexels.