Saber para onde vai o dinheiro arrecadado por meio de tributos é um aspecto da teoria liberal, da qual cabe aos governantes explicarem o uso do dinheiro público.
Durante os dois últimos houve uma ampliação do debate sobre orçamento público. O assunto, até então “caixa preta” para muitos, deixou de ser tratado em uma esfera restrita de tecnólogos da área e passou a ganhar “nova vida” nas redes socais e nos veículos de comunicação da grande e tradicional mídia de jornais, revistas, rádios e emissoras de TV. A imprensa (não especializada) ampliou o destaque sobre o tema, mais jornalistas escreveram sobre o tema. Um avanço democrático.
Penso que saber para onde vai o dinheiro arrecadado por meio de tributos é um aspecto da teoria liberal, da qual cabe aos governantes explicarem o uso do dinheiro público, seja nas esferas representativas, seja nas esferas deliberativas, seja nas esferas participativas.
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Henrique de Campos Meirelles, um dos mais respeitados financistas brasileiros da atualidade, já foi presidente do Banco Central e Ministro da Fazenda e é bastante respeitado na área financeira internacional. Seu currículo destaca que ele foi presidente internacional do BankBoston e comandou o Lazard Americas, a Kolberg, Kravis and Roberts (KKR), empresa global de investimentos. Além de ser membro do Conselho da Lloyd’s of London, é membro do conselho consultivo da J&F Investimentos e do Conselho de Administração da Azul Linhas Aéreas Brasileiras[1].
O tenebroso “orçamento secreto”, algo que penso ser uma invencionice maléfica à democracia e à liberalidade de um mercado capitalista, foi tratada por Meirelles, durante uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 27 de setembro de 2022[2]: “O dinheiro é do povo, então a população tem o direito de saber onde ele está sendo usado”, afirmou Meirelles ao ser perguntado sobre orçamento secreto.
Concordo integralmente com o pensamento de Meirelles sobre o orçamento secreto. O direito dos “donos do dinheiro público”, o povo, é saber onde a grana vai.
Deveria ser obrigação legal e ética de agentes públicos esclarecerem detalhadamente os motivos de suas escolhas sobre a alocação de recursos públicos. Além de uma questão conceitual, já que a transparência é um princípio orçamentário, trata-se da moralidade na gestão pública. É sim necessário explicar porque o dinheiro público é gasto com “A” e não com “Z”. É sim indispensável estabelecer o que é prioritário e o que é importante no gasto público.
Enquanto o orçamento federal no Brasil seguia secreto, a Assistência Social perdia espaço no Orçamento federal, em meio a uma crise econômica e uma mortal pandemia na qual mais de 686 mil pessoas no país[3] já morreram (até o dia 03/10/2022).
No meio de uma mortal pandemia, mortes de norte a sul, leste a oeste do país. Entre as quais, uma tragédia anunciada, imperceptivelmente nas engrenagens de um orçamento secreto: uma brasileira que morreu após passar dez horas na fila, esperando para vir a receber um benefício assistencial, história contada pela jornalista Thais Carrança, jornalista da BBC News Brasil, em São Paulo[4].
Enquanto tanta gente morria, o silêncio do orçamento secreto seguia, implacável, se enraizando, como uma erva daninha. Tragédias nem sempre anônimas, mas que infelizmente ainda não servem de exemplo para uma reflexão dos “donos do poder” que fazem os “teatros das sombras” do orçamento público brasileiro, que segue e seguirá secreto.
Notas
[1] Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Henrique_Meirelles.
[2] Disponível em: https://twitter.com/rodaviva/status/1574597185404117000?t=VfGGjSFm-zecY1xHwIRJaQ&s=03.
[3] Fonte: https://covid.saude.gov.br/
[4] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62815251.
Foto destaque de Karolina Grabowska/pexels.