O texto que apresento aqui tem perspectiva reflexiva para todos que atuam na área da saúde e todos aqueles que já experimentaram ser “pacientes” ou “clientes”. A pretensão não é desenvolver um raciocínio conclusivo, mas apontar questões para que se vá percebendo se o diálogo faz parte de nosso cotidiano no cuidado com a saúde e se culturalmente estamos preparados e dispostos a mudar as relações que desenvolvemos neste contexto.
Gabriela Correia *
A rotina do profissional da saúde, na maioria das vezes, é repleta de protocolos e burocracias. Preenchimento de papéis, formulários, descrição da queixa, solicitação de exames, avaliação x, y ou z, conduta A, B ou C…
Reconhecemos que toda esta sistemática é organizadora de um serviço de saúde, seja público ou suplementar. Ela se preocupa com a segurança do cliente atendido e do profissional que presta o atendimento enquanto busca a equidade e agilidade no atendimento oferecido.
Sob outra ótica, esta dinâmica pode ser estressante ao profissional que deve estar atento a tantas exigências técnico/burocráticas, preenchendo papéis nos minutos, muitas vezes, insuficientes de uma consulta. Frequentemente percebemos a frustração mútua: O profissional que gostaria de atender o paciente, ouvindo, acolhendo suas queixas e percebendo aquele que está a sua frente e não apenas os seus sintomas recortados; e o paciente que sai da consulta muitas vezes com a sensação de que não foi “olhado” pelo profissional.
Existe diálogo paciente – profissional da saúde?
Como disse Mariotti (2001), o diálogo é um método de conversação que melhora a comunicação entre as pessoas e produz novas ideias e significados compartilhados. Permite que as pessoas pensem juntas e compartilhem dados oriundos desta interação, sem procurar analisá-los de imediato. No diálogo não existe “pingue-pongue” de perguntas e respostas.
Percebemos, então, que frequentemente utilizamos a palavra “diálogo” de forma inadequada e que pensamos estabelecer um quando, na verdade, estamos sintetizando algo, descrevendo algo, discutindo, debatendo e, na maioria dos casos, aguardando uma conclusão imediata.
O que esperamos então de um profissional da área da saúde em tempos que se busca a humanização no cuidado? Queremos dialogar? Conseguimos dialogar com o nosso paciente? Profissional e paciente querem dialogar?
Qual a expectativa do paciente?
O paciente quer logo uma solução e de preferência que não dependa muito de sua mudança de hábito e estilo de vida, algo como uma pílula a ser tomada de tantas em tantas horas e o problema se resolve, ou quer dialogar com o profissional e construir junto com ele o seu próprio caminho para uma vida mais “saudável”?
É sobre isso que fala o envelhecimento ativo. O empoderamento do indivíduo para que este se torne sujeito de sua própria história. O paciente quer ser coautor de seu plano de cuidado ou quer a posição passiva de receber uma orientação sem ressignificá-la em seu contexto de vida? O que chamamos de “queixa-conduta”. Apóio-me no texto de Marioti para propor esta reflexão.
“Nossa mentalidade utilitarista e instrumental faz com que esperemos que nos sejam sempre fornecidos produtos e/ou ferramentas para uso imediato. Tal expectativa, obviamente, pode ser também aplicada ao diálogo, que, no entanto não é uma ferramenta, pois somos partes dele. Em geral não existe, em nossa cultura, a preocupação de aprender pelo relacionamento com o mundo e com os outros. Esperamos que tudo venha de fora já pronto, sob a forma de teorias, regras, normas, instruções de uso que nos digam o que pode e o que não pode ser feito. No diálogo, porém — com exceção de algumas atitudes básicas —, não há “modos de usar”, porque existe a consciência de que as pessoas não são coisas nem instrumentos. O que existem são modos de participar e compreender” (Marioti, 2001, p.5).
Trabalhar na área da saúde é ter como foco de trabalho o cuidado. Leonardo Boff definiu este cuidado como uma relação amorosa com a realidade, onde há zelo, desvelo, solicitude, atenção, e proteção para com aquilo que tem valor e interesse para nós e com base nesta definição percebemos a importância do diálogo na atenção à saúde do idoso e em todas as outras faixas etárias.
A história de Dona Violeta, narrada no texto de Ricardo Ayres (2004) “O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde” também nos remete à reflexão da relação técnica – não técnica e sua permeabilidade. Ayres nos conta sobre Dona Violeta, senhora idosa, viúva, hipertensa, que visitava regularmente seu médico na Unidade Básica de Saúde e que não via muito sentido em seu plano de cuidado composto por dietas, atividade física e medicação. A relação de Dona Violeta com seu médico começou a mudar no instante em que ambos reconstroem suas identidades médico-paciente através do diálogo. Fica claro ali que o importante não é a escuta e sim a qualidade da escuta.
O grande desafio dessa questão é tentar equilibrar os aspectos técnicos de uma consulta aos aspectos humanos. O primeiro passo para o diálogo é ter uma postura observadora. Ouvir até o fim o que o outro tem a dizer, sem que o interrompamos, seja para concordar ou discordar do que ele fala. Devemos nos atentar ao que o nosso dizer causa no outro.
Podemos ver na imagem a expressão gráfica da discussão/ debate e do diálogo baseado no conceito de Mariotti (2001). Enquanto um é linear, o outro é sistêmico.
Os serviços de saúde estão atendendo uma demanda crescente de pacientes maiores de 60 anos e nota-se uma movimentação dos gestores para treinar e capacitar o profissional no atendimento a esta população, mas talvez, além da capacitação técnica, seria importante resgatar o olhar para o outro, reconstruir a escuta, considerar a sabedoria daquele que está a sua frente, compreendê-lo, dando-lhe a oportunidade de ser ouvido.
O idoso quer falar, quer ser reconhecido como sujeito singular, manifesta-se de acordo com a percepção que tem sobre o lugar que ocupa naquele momento em que está sendo atendido. Cabe ao profissional da saúde não agir de forma condicional, quebrar a rigidez da escuta, explorando novas práticas de atenção.
É claro que práticas humanizadas de saúde e o espaço para o diálogo exigem dos serviços condições estruturais e reorganização, mas as mudanças começam sempre com inquietações, incômodos e anseio por mudanças e neste passo já estamos. O diálogo aumenta o vínculo do profissional com o paciente, dá sentido ao acompanhamento, humaniza o atendimento na saúde e apresenta resultados compensadores.
Referências
AYRES, José Ricardo de Carvalho Mesquita. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. Saude soc., São Paulo , v. 13, n. 3, p. 16-29, Dec. 2004 . Available from Acesse Aqui. Acesso em 20/05/15. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902004000300003.
BOFF, L. O Cuidado Essencial . Disponível Aqui. Acesso em 20/05/2015.
MARIOTTI, Humberto. Diálogo: um método de reflexão conjunta e observação Compartilhada da experiência, 2001. Disponível Aqui. Acesso em 21/05/15.
* Gabriela Correia – Fisioterapeuta com Mestrado em Ciências pela Universidade de São Paulo. É Especialista em Fisiologia e Biomecânica do aparelho locomotor pelo Instituto de Ortopedia do HC- FMUSP, e Especialista em Gerontologia Social pela PUC-SP. É blogueira e atua na área de Saúde Pública e Gerontologia. Email: [email protected]. Blog: Acesse Aqui. Currículo Lattes: Disponível Aqui. Email: [email protected]