É fundamental entender o envelhecer olhando não só para o indivíduo, mas também para o contexto social em que ele está inserido.
Willy Nunes Ribeiro e Flávio Adriano Borges (*)
Envelhecer é um processo natural e cheio de nuances. Não se trata apenas das mudanças biológicas e químicas no corpo, mas também de fatores psicológicos, sociais e culturais que mexem com a forma como as pessoas vivem e se relacionam.[1] Por isso, é fundamental entender esse fenômeno olhando não só para o indivíduo, mas também para o contexto social em que ele está inserido.[2]
CONFIRA TAMBÉM:
O envelhecimento, aliás, é bastante diverso. Cada pessoa envelhece de um jeito, influenciada por fatores como gênero, idade, raça, classe social, rede de apoio, acesso a serviços, e até políticas públicas.[3] E quando o foco recai sobre a população LGBTQIAPN+ – lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers, intersexuais, assexuais, pansexuais, não binários e outros – surgem questões ainda mais delicadas.
Essa comunidade vem crescendo globalmente, mas os mais velhos continuam invisíveis e pouco representados, especialmente em pesquisas.[4] Além de enfrentarem a LGBTfobia e o preconceito por idade (idadismo), essas pessoas ainda sofrem com a ideia enraizada de que todo mundo é heterossexual e cisgênero.
Desde o nascimento, a sociedade começa a moldar o indivíduo para que ele se encaixe em certas expectativas sociais. Essas expectativas são baseadas em tradições culturais, valores religiosos e normas morais. O problema é que, nesse processo, a individualidade e a liberdade de expressão muitas vezes são ignoradas — e, quando alguém foge desse roteiro pré-estabelecido, acaba sendo marginalizado.[5]
Ao longo da história, a sociedade criou uma associação rígida entre sexo, gênero e orientação sexual: mulher feminina e heterossexual, homem masculino e heterossexual.[6] Esse padrão reforçou a ideia de que qualquer coisa diferente disso é “anormal”, levando à exclusão social (Bissoli et al., 2022). Mas não faz sentido pensar assim – gênero, sexo biológico e orientação sexual são coisas distintas e independentes (Butler, 2003).
Para os homens, o envelhecimento traz questões importantes relacionadas à masculinidade. Muitos têm dificuldades em admitir suas necessidades de saúde, reforçando a imagem do “homem forte e viril” (Braga; Correa, 2021). Além disso, os homens vivem, em média, menos que as mulheres, por se exporem mais a riscos e hábitos prejudiciais.[7]
Agora, se olharmos para além do padrão hétero-cis-normativo, os desafios mudam. No caso dos homens cis gays, por exemplo, existe uma pressão enorme para manter a aparência jovem e “musculosa”, algo muito valorizado em certos círculos.[8] Sem contar questões específicas de saúde, como o risco bem maior de câncer anal – 158 vezes mais frequente entre gays do que entre heterossexuais –, o que leva à necessidade de exames preventivos regulares, especialmente em homens HIV positivos. Há ainda outras preocupações, como o uso de álcool, drogas, a prevenção de ISTs e a vacinação contra Hepatite A e B.
Tudo isso reforça a necessidade urgente de combater preconceitos e criar ambientes de saúde mais acolhedores e preparados para cuidar da população LGBTQIAPN+. É essencial também investir em pesquisas que investiguem de forma profunda as necessidades de saúde e as vivências dessa comunidade, sempre com foco individualizado e respeitando as particularidades de cada grupo (Crenitte; Miguel; Filho, 2019; Hurd; Li, 2024) – especialmente os homens cis gays, que muitas vezes ficam à margem dessas discussões.
Notas
[1] Ver Santos; Andrade; Bueno, 2009; Oliveira, 2019.
[2] Ver Teixeira et al., 2022.
[3] Cf. Rebelatto et al., 2021.
[4] Ver Hurd; Li, 2024.
[5] Vf. Crenitte, Miguel e Filho, 2019.
[6] Cf. Carvalho; Andrade; Menezes, 2009.
[7] Ver Neri, 2008 apud Braga; Correa, 2021.
[8] Cf. Crenitte; Miguel; Filho, 2019.
Referências
BISSOLI, B. S.. et al.. Identidade de gênero e diversidade sexual: proposta de elaboração de microtesauro. Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, v. 8, n. 2, 2018.
BRAGA, R. J.; CORREA, M. R.. Experiências de envelhecimento masculino. Est. Inter. Psicol., v. 12, n. 1, p. 133-157, 2021.
BUTLER, J.. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2003.
CARVALHO, M. E. P.; ANDRADE, F. C. B.; MENEZES, C. S.. Equidade de gênero e diversidade sexual na escola: por uma prática pedagógica inclusiva. Editora Universitária/UFPB, João Pessoa, 2009.
CRENITTE, M. R. F.. MIGUEL, D. F.. FILHO, W. J.. Abordagem das peculiaridades da velhice de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Geriatr. Gerontol. Aging, v. 13, n. 1, p. 50-56, 2019.
HURD, L.. LI, L. Y. K.. “I Want to Grow Older With Dignity”: Older LGBTQ+ Canadian Adults’ Perceptions and Experiences of Aging. J Appl Gerontol., n. 5, v. 43, p. 536-549, 2024.
OLIVEIRA, A. S.. Transição demográfica, transição epidemiológica e envelhecimento populacional no Brasil. Hygeia-Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, v. 15, n. 32, p. 69-79, 2019.
SANTOS, F. H.; ANDRADE, V. M.; BUENO, O. F. A. Envelhecimento: um processo multifatorial. Psicol. Estud., n. 1, v. 14, p. 3-10, mar. 2009.
TEIXEIRA, F. A. B.; et al.. Avaliação dos fatores extrínsecos e intrínsecos e o processo de aceitação do envelhecimento. III CIPEX – Ciência para a redução de desigualdades, v. 2, 2018.
(*) Willy Nunes Ribeiro é gerontólogo pela UFSCAR e mestrando em Ciências da Saúde pelo PPGENF/UFSCAR, associado à Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). E-mail: willynr@estudante.ufscar.br.
Flávio Adriano Borges tem graduação em Enfermagem pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, mestre em Gestão da Clínica pela Universidade Federal de São Carlos , e doutorado em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem em Saúde Pública, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP. É Docente Adjunto do Departamento de Enfermagem na área de Saúde Coletiva. Pesquisadores selecionados no 4º Edital Acadêmico de Pesquisa: Envelhecer com Futuro, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento e Longeviver, com a pesquisa “Percepções de homens cisgêneros gays sobre o processo de envelhecimento”.
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