O Covid-19 e as pessoas com Alzheimer

O Covid-19 se tornou uma pandemia sem precedentes, atingindo a todos, globalmente. Entretanto, para as pessoas com Alzheimer e suas famílias e cuidadores, o Covid-19 tem sido especialmente dramático.


Independentemente da idade, de onde ou de como se vive, do uso das mais variadas técnicas que buscam amenizar os problemas decorrentes do Coronavírus, o que se sabe é que, uma vez que ele é detectado e a pessoa diagnosticada com Covid-19, surge a necessidade de um isolamento, seja hospitalar ou doméstico, e, que, em alguns casos, é seguida por uma repentina e igualmente isolada morte, precedida de técnicas que foram aplicadas sem que ninguém perguntasse ao doente se ele as aceitava ou não, seja porque ele já não tinha mais condições de responder a qualquer pergunta, seja porque anteriormente não deixou nada consignado a respeito do que desejaria ou não para si em situações similares. Ou seja, para quando não pudesse se manifestar sozinho.” (Natália Carolina Verdi)


O Covid-19 se tornou uma pandemia sem precedentes, atingindo a todos, globalmente, sem discriminação de classe social, gênero e idade. Entretanto, para as pessoas com Alzheimer e suas famílias e cuidadores, o Covid 19 tem sido especialmente dramático. As famílias que cuidam de pessoas com Alzheimer estão preocupadas e ansiosas. Neste contexto de pandemia, os idosos e pessoas com condições de saúde complexas estão em maior risco. No caso das pessoas com Alzheimer, além dos riscos inerentes às condições de saúde delas, estas são especialmente impactadas pelo isolamento social, por estarem propensas a mudanças comportamentais, confusão e delírio. Uma eventual necessidade de hospitalização, aumenta o risco de contaminação pelo Covid-19.

Devido ao comprometimento cognitivo e a perda de memória, os cuidados básicos de segurança são difíceis de serem seguidos pelas pessoas com Alzheimer. Resultando em comportamentos que aumentam o risco de exposição para si mesmos e para suas famílias e cuidadores.

O professor Gill Livingston, um dos membros da Alzheimer’s Disease International – ADI, compartilhou algumas reflexões importantes sobre o que sabemos sobre Covid-19 e o Alzheimer (1), e como isso pode impactar as famílias nas decisões sobre como cuidar melhor de seus entes queridos.

Algumas famílias estão sendo confrontadas com graves dilemas na comparação entre os benefícios e os riscos da internação hospitalar – seja para o Covid-19 ou para outras condições relacionada à saúde. Ou o dilema da decisão de manter seus pacientes em casa. Na expansão da pandemia, os recursos se tornam escassos, as equipes clínicas podem ter que tomar decisões difíceis na triagem para privilegiar quem vai receber os tratamentos críticos. As autoridades de saúde e os governos, precisam reforçar a orientação e os protocolos éticos e imparciais, para apoiar a tomada de decisões clínicas e garantir que todos os pacientes tenham acesso ao tratamento, independentemente de sua idade, capacidades cognitivas ou condição médica.

O Covid-19 afeta diferentemente os pacientes de Alzheimer e demência?

1) Atualmente, não há dados que forneçam evidências de que pessoas com Alzheimer e demência tenham sintomas de Covid-19 mais graves do que outros de idade e saúde semelhantes.

2) Idosos com Alzheimer que foram contaminados pelo Covid-19, podem ficar mal por alguns dias e se recuperarem gradualmente em casa.

3) Idosos com mais de 80 anos que têm outras doenças e precisam de internação hospitalar devido ao Covid-19 são menos propensos a se beneficiarem com a internação, uma vez que ela traz muitos riscos associados.

4) Idosos com diabetes ou hipertensão, têm sintomas e consequências mais graves, ao contraírem o Covid-19.

5) A taxa de mortalidade aumenta com a idade. A taxa de mortalidade dos maiores de 80 anos é quase o dobro da dos maiores de 70 a 79 anos. A taxa de mortalidade da faixa de 70 a 79 anos é cerca de três vezes maior que a de 60 a 69 anos, a qual, por sua vez, é cerca de três vezes maior do que a de 50 a 59 anos.

6) Se o paciente for internado, a maioria dos hospitais não permite visitas, com o objetivo de reduzir as taxas de infecção.

7) Os materiais e aparelhos utilizados nos hospitais precisam ser adaptados para pacientes com comprometimento cognitivo e comportamental.

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8) Idosos com Alzheimer podem ter dificuldade de entender por que estão em um lugar desconhecido, sem o suporte das pessoas de sua confiança. Eles podem se sentir ainda mais solitários e assustados do que os outros pacientes. Além de  menos capazes de se comunicar ou aderir a instruções e medidas de segurança. Todos esses fatores podem levá-los a ter um risco aumentado de desenvolver delírio durante a internação.

9) Muitos pacientes de Alzheimer ou demência não são capazes de tomar decisões por si mesmos e precisam de outras pessoas para apoiá-los na tomada de decisões ou tomar decisões por elas. A proibição às visitas pode dificultar um plano de atendimento centrado no paciente.

10) É importante planejar com antecedência para o caso de paciente com Alzheimer ou demência desenvolver sintomas de Covid-19. A orientação médica é fundamental para saber se o benefício da internação vale a angústia da separação da família e o isolamento.  São dilemas que as famílias devem enfrentar. Quais são as consequências possíveis? Da mesma forma, como esse cenário afetaria os cuidadores familiares se mantivessem o doente em casa? Os cuidadores têm acesso a equipamentos de proteção individual adequados (EPI) para evitar a exposição?

11) Cada país deve desenvolver um protocolo para apoiar a tomada de decisões para os pacientes e suas famílias, incentivando as pessoas a refletirem sobre questões como:
a) Como os tratamentos de cuidados críticos ajudarão a recuperação do paciente no curto e longo prazo?
b) Os tratamentos de cuidados críticos podem oferecer uma qualidade de vida aceitável para o paciente?
c) Os tratamentos de cuidados críticos podem ajudar a alcançar as metas de recuperação com qualidade de vida?
d) Existem tratamentos não críticos que podem ajudar o paciente com mais conforto?

12) As casas de acolhimento ou Instituições de Longa Permanência, precisam considerar planos em conjunto com os idosos e suas famílias no caso do desenvolvimento do Covid-19 em seus residentes. Há médicos dispostos a visitar residentes com suspeita de contaminação? Quais são as facilidades disponíveis para o tratamento dos pacientes na instituição? Quais as facilidades para cuidados paliativos se sua condição se deteriorar?

13) As famílias devem considerar um planejamento prévio para garantir um final de vida que seja o menos traumático possível para o paciente e para a própria família, numa eventual hospitalização. As Diretivas Antecipadas de Vontade – DAV, devem ser debatidas no seio das famílias dos idosos pacientes de Alzheimer. Ou mesmo os que não tenham Alzheimer, mas estão em condição de vulnerabilidade com alto risco de contrair o Covid-19. O DAV pode, eventualmente, expressar a vontade de não permitir tentativas de ressuscitamento através de procedimentos invasivos e sem chances de recuperação, com qualidade de vida plena. Assim como mencionar os desejos do paciente e da família em relação ao fim da vida.

14) Os sistemas de saúde devem proporcionar acesso aos serviços de cuidados paliativos, em hospitais e fora dos hospitais, para pacientes em estado grave com Covid-19. Para os que optaram por não realizar todos os procedimentos que sustentam a vida, de acordo com sua Diretiva Antecipada de Vontade, ou aqueles que não apresentam perspectivas de cura, apesar de todas as tentativas de prolongar a vida.

Nota
(1) Tradução adaptada por Maria do Carmo Guido Di Lascio, do Alzheimer’s Disease International

Foto destaque: Kamille Sampaio/Pexels


Existe uma grande dificuldade de enfrentamento sobre algo que é inegável: a finitude humana. Para pensar a respeito desse tema, realizaremos um workshop online sobre Diretivas Antecipadas de Vontade, no qual falaremos sobre a possibilidade de escolha do paciente diante de um mal em saúde que o acomete, buscando fazer valer suas vontades quando não puder expressar seus desejos em termos de tratamento e de caminhos a seguir.
Inscrições em: https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/diretivas-2/

Maria do Carmo Guido

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós graduada em Gestão de Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Pesquisadora e consultora nos temas da Economia do Envelhecimento. Embaixadora para as Mulheres Idosas na Me Too Brasil. Colaboradora no Portal do Envelhecimento. Conselheira no Conselho Municipal da Pessoa Idosa de São Paulo. E-mail: [email protected]

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Maria do Carmo Guido

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós graduada em Gestão de Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Pesquisadora e consultora nos temas da Economia do Envelhecimento. Embaixadora para as Mulheres Idosas na Me Too Brasil. Colaboradora no Portal do Envelhecimento. Conselheira no Conselho Municipal da Pessoa Idosa de São Paulo. E-mail: [email protected]

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