O corpo e suas imagens

São muitas as representações da velhice, mas, sem dúvida, o corpo físico é uma das mais fortes e presentes no imaginário das pessoas quando se fala na figura de um velho. E essa ideia de corpo tem enorme influência no desenvolvimento da autonomia de cada pessoa, nas relações familiares, na dinâmica social. Será que uma nova imagem de corpo é capaz de modificar ideias e crenças a respeito da velhice?

Maria Lígia Mathias Pagenotto

 

O-corpo-e-suas-imagensFoi esta questão que tocou o fisioterapeuta Pedro Paulo Monteiro quando se decidiu pelo seu tema de pesquisa no mestrado em gerontologia, na PUC-SP. Pedro foi da primeira turma. Sua dissertação, Envelhecimento: imagem e transformação corporal, foi defendida em maio de 2000, sob a orientação da professora doutora Elisabeth Frohlich Mercadante. Especializado em neurologia e professor da Universidade Católica de Petrópolis (RJ), Pedro Paulo é terapeuta corporal e escritor, atividade esta que viu nascer durante seu percurso no mestrado. Autor de diversos livros que tratam do envelhecimento, ele frisa que a “crença cria a biologia. O maior problema da velhice é a representação que temos dela”.

Por que decidiu fazer mestrado em gerontologia?

Eu sempre trabalhei com pessoas acima de 60 anos de idade, e nunca havia tido uma formação na área. Na época da faculdade, tive duas disciplinas de Pediatria e nenhuma de Geriatria. Eu me formei e fui convidado para dar aulas de Neurologia. Depois que terminei o mestrado criei a disciplina Geriatria e Gerontologia, e sou professor até hoje.

Como se decidiu pelo seu tema de pesquisa?

O tema surgiu numa aula da professora Ruth G. da Costa Lopes. As aulas eram muito interessantes. A disciplina me possibilitou compreender melhor o dinamismo das relações familiares e suas influências na independência física dos mais velhos, visto que, os problemas concernentes ao isolamento protetor e a dependência sempre foram para mim elementos importantes, principalmente porque trabalhava no domicílio dessas pessoas. Dentro do núcleo familiar pude verificar que a exclusão e rejeição eram frequentes, e que a perda da autonomia estava marcada por uma luta de poder entre as gerações. Então, comecei a me interessar pelas diferentes representações do corpo das pessoas mais velhas no meio em que viviam. Estas representações eram distorcidas e, portanto, elas tinham um corpo limitado. Quis pesquisar sobre a imagem do corpo para entender se eu, como terapeuta, poderia ajudá-las a criar uma nova imagem e, consequentemente, um novo corpo.

Quais os principais desafios que enfrentou durante o desenvolvimento do trabalho?

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Como disse antes, eu queria verificar se as pessoas deficientes poderiam criar um novo corpo, mais eficiente para exercer suas atividades com mais liberdade. Não estava interessado nas técnicas, e, sim, entender se o significado perdido poderia ser a causa de um corpo sem liberdade. Então, pesquisei três mulheres acima de 70 anos de idade, durante dois anos, e pude perceber que sim, o corpo mudava quando as crenças também mudavam. A minha querida professora Suzana Medeiros estava certa quando me ensinou: “Se conseguirmos devolver o lugar e o significado para os idosos seus problemas acabam”. Uso isso até hoje como bússola em meus atendimentos. O maior desafio foi realizar uma pesquisa de dois anos, com duas a três vezes por semana com as mulheres pesquisadas. No fim, eu tinha mais de 100 páginas de relatório de cada uma. Colocar em ordem todo o material foi desgastante. Mas, o pior foi a angústia da incerteza. Todo pesquisador quer confirmar suas hipóteses. Eu trabalhava numa pesquisa qualitativa, com muitas variáveis. Mas deu certo. Pude concluir que a crença cria a biologia. O maior problema da velhice é a representação que temos dela.

Que desdobramentos esta pesquisa teve na prática?

A partir da pesquisa desenvolvi uma terapêutica gerontológica nova, fundamentada na complexidade. Minha orientadora e amiga Elisabeth Mercadante me dizia: “Você é um terapeuta da complexidade”. Ela estava certa, mas eu não enxergava isso na época. Hoje trabalho de maneira totalmente diferente do que trabalhava antes do mestrado. Entendo que o mais importante não é a técnica que você vai utilizar, e sim a metodologia, o “como”. É importante saber como se aproximar da problemática dos mais velhos. É preciso muita sensibilidade e, principalmente, saber que somos iguais numa relação intergeracional.

Como avalia a repercussão de sua pesquisa na sociedade? De que forma acha que seu trabalho contribui para uma cultura da longevidade?

Após o mestrado, acreditei que as pessoas deveriam conhecer o trabalho, a fim de minimizar crenças negativas acerca da velhice. Então, decidi transformar a minha dissertação em livro. Foi um processo extremamente difícil, mas consegui. O livro “Envelhecer: Histórias, Encontros e Transformações” foi lançado pela editora Autêntica, e logo indicado para o Prêmio Jabuti 2002, o que deu visibilidade para a obra. Hoje ele está indo para a quarta edição, após várias reimpressões. Já publiquei 6 livros. Fui contratado para escrever uma coleção de livros sobre o processo de envelhecer. O sétimo será lançado no dia 3 de setembro de 2011, na Bienal Internacional do Livro no Rio de janeiro, com o título “O Tempo não tem Idade”.

O que o mestrado e a pesquisa acrescentaram em sua vida pessoal e profissional?
Como profissional, consigo hoje perceber que só melhoramos uma condição negativa pela educação. Não basta saber técnicas se você não educa e muda o aprendido dos mais velhos, e também dos menos velhos. As pessoas estão cheias de crenças equivocadas sobre o envelhecimento. É preciso ainda muita prática educacional.

Como pessoa, compreendo melhor o meu próprio processo de envelhecer. Sei que não sou melhor por ser mais jovem que as pessoas atendidas por mim, nem pior por ser mais velho que os meus alunos. Sou e serei sempre o velho e o jovem de alguém. Tudo na vida é uma questão de perspectiva.

Quais foram os passos seguintes ao mestrado em sua vida acadêmica? E na vida profissional?
Descobri minha carreira de escritor, que eu não sabia existir. Por isso, estou continuamente pesquisando. Escrever me possibilita estar sempre atualizado. Isso melhorou muito a minha vida acadêmica como professor e palestrante.

O que diria para quem está começando a estudar na área?
Eu gostaria de responder essa pergunta com uma citação do biólogo inglês Thomas Henry Huxley: “Sente-se diante dos fatos como uma criança e prepare-se para sacrificar todas as noções preconcebidas, siga humilde por toda parte e por todos os abismos a que a natureza o levar, ou você não aprenderá nada”.

Para saber mais sobre o pesquisador, professor e escritor, clique Aqui

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