Esforço internacional de mapeamento digital do cérebro tem recebido muito financiamento e também muitas críticas quanto aos seus reais objetivos de pesquisa. Pesquisador argentino comenta a polêmica em torno da iniciativa, que já tem uma carta pública de reprovação assinada por cerca de 130 neurocientistas.
Diego A. Golombek *
No princípio era o cérebro.
E logo vieram as tentativas de entendê-lo. Já que nosso órgão de pensamento é possivelmente o objeto mais complexo do universo conhecido, o paradoxo é que entender o cérebro não deixa de nos dar dores de cabeça.
Calcula-se que o cérebro humano tenha em torno de 86 milhões de neurônios e, é óbvio, muitas mais conexões e circuitos entre eles. Conhecer cada um desses neurônios e suas circunstâncias, seguir seus passos e identificar suas conversas parece, por enquanto, tarefa impossível.
Por que, então, não fazer um modelo digital desse cérebro, em supercomputadores, de modo a simular seu funcionamento, sua resposta a fármacos ou o efeito de enfermidades? É esse o objetivo do Projeto Cérebro Humano (HBP, na sigla em inglês), lançado em 2013 na Suíça e financiado pela União Europeia. Muito financiado: cerca de 1,2 bilhão de euros, divididos entre diversas instituições de pesquisa.
Convencidos de que a tarefa era, no mínimo, ciclópica, os pesquisadores começaram, mais modestamente, propondo modelos para ratos e já estão divulgando fiozinhos (digitais) coloridos pelo mundo. O problema, para muitos cientistas, é o próprio projeto – são mais do que fios coloridos –, pois talvez seja prematuro demais propor um projeto com essas características.
Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos também têm seu projeto de mapeamento cerebral, pomposamente chamado Iniciativa Brain (Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologies).
Lançado pelo presidente Barack Obama em 2013, o projeto pretende revelar a atividade real de cada um dos neurônios do cérebro humano, o que levaria ao menos 10 anos. Chegará a vez dele, mas quem está mergulhado em polêmicas por enquanto é o programa europeu.
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* Diego A. Golombek – Universidade Nacional de Quilmes (Argentina) Pesquisador principal do Conicet. Texto originalmente publicado na edição 141 (outubro-novembro/2014) da revista argentina Ciencia Hoy e republicado na CH 324 (abril de 2015).