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O Brasil vive uma revolução demográfica, precisamos nos preparar para a nova realidade

idosos diversos sorrindo e em pé

Não cabe lamentar vantagens perdidas, mas potencializar possibilidades abertas pela nova configuração demográfica.


O Brasil vive uma revolução demográfica(*) e os brasileiros precisam se preparar para a nova realidade populacional do país no século XXI. Não é apenas uma mudança quantitativa, mas principalmente uma mudança qualitativa.

Vivemos uma transformação paradigmática. E toda mudança social de larga escala traz desafios, mas também oportunidades. Não cabe lamentar algumas vantagens perdidas, mas sim potencializar as novas possibilidades abertas pela nova configuração demográfica. Como dizia Belchior: “O passado é uma roupa que não nos serve mais” e não há como parar a história, pois “O novo sempre vem”.

Durante a maior parte dos 200 anos da Independência, o Brasil era um país pobre, rural, masculino, com a população concentrada no litoral, com pouca diversidade familiar, religiosa e social. Durante quase 500 anos o Brasil conviveu de forma fatalista com altas taxas de mortalidade e de natalidade. Felizmente, vencemos as inaceitáveis taxas de mortalidade infantil, reduzimos a mortalidade materna e ampliamos esperançosamente a expectativa de vida.

Na década de 1970, começamos a experimentar a maior mudança de comportamento de massa da história brasileira com a redução das taxas de fecundidade. A conquista da autodeterminação reprodutiva foi essencial para a liberdade de decisão, para a liberdade de iniciativa das pessoas e para superar os preconceitos, a ignorância e os fatalismos.  

Na configuração demográfica antiga, a estrutura etária brasileira era muito rejuvenescida, com uma alta proporção de crianças e jovens na população e uma baixa proporção de pessoas em idade produtiva. As mulheres não tinham autonomia e nem grandes perspectivas profissionais, pois, tinham baixa extensão do tempo de sobrevivência e passavam a maior parte da vida dedicadas à maternidade, ao cuidado dos filhos e ao trabalho doméstico familiar. Mas o empoderamento das mulheres veio para ficar.

A transição demográfica (passagem de altas para baixas taxas de mortalidade e natalidade) é uma conquista civilizatória e sempre abre uma janela de oportunidade que é única na história. Ao cair as taxas de mortalidade e natalidade, deterministicamente, há uma mudança na estrutura etária com a criação de um bônus demográfico que impulsiona o bem-estar social. Todo país do topo do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) passou e capitalizou as diversas etapas do bônus demográfico.

O 1º bônus demográfico, ou bônus da estrutura etária, é uma janela de oportunidade temporária que se abre quando a proporção da população em idade ativa (por exemplo: 15 a 64 anos) aumenta em relação à proporção de jovens (0-14 anos) e de idosos (65 anos e mais de idade) em uma determinada sociedade. Todo país do mundo que acabou com a pobreza e a fome passou e aproveitou este fenômeno demográfico.

No Brasil, o copo se encheu pela metade. Aproveitamos em parte e desperdiçamos em parte o 1º bônus demográfico. E o desafiador é que o momento mais favorável já passou e a janela de oportunidade já está se fechando. A população brasileira em idade ativa (PIA) vai começar a diminuir na década de 2030 e a população total começará a decrescer a partir de 2042, como indicaram as novas projeções populacionais do IBGE, divulgadas no dia 22/08/24.

Mas o fim do 1º bônus demográfico não é o fim do mundo, pois ainda temos o 2º bônus demográfico – bônus da produtividade – e o 3º bônus demográfico – ou bônus da longevidade e da geração prateada. A economia brasileira pode se beneficiar de uma PIA menor, se a produtividade da força de trabalho crescer e se uma quantidade menor de trabalhadores entregar uma quantidade maior de bens e serviços.

Mas o inexorável desafio será aproveitar a grande novidade do século XXI, que é o “tsunami prateado”. Pela primeira vez na história do Homo sapiens haverá mais idosos do que crianças e adolescentes no mundo e no Brasil. A população brasileira de 60 anos e mais de idade estava em torno de 4% em meados do século passado e chegará a 40% no final do atual século.

Os pessimistas encaram a população da 3ª idade como um passivo e um “peso morto” para a economia. Os etaristas não enxergam o potencial inestimável e reprimido da geração prateada. Os sem esperança dizem que o envelhecimento populacional representa um “inverno demográfico”. Mas os realistas sabem que podem virar o jogo e transformar o envelhecimento populacional em uma resplandecente “primavera social e ambiental”.

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As projeções populacionais do IBGE indicam 5 megatendências do cenário sociodemográfico brasileiro no século XXI, uma vez que o Brasil ficará:

1) mais urbano,

2) mais envelhecido,

3) mais feminino,

4) mais interiorano e

5) mais plural em termos de estrutura familiar, de filiação religiosa e de composição de raça/cor.

Este é o novo retrato do Brasil. E é nessa nova configuração que devemos buscar a força para superar as nossas mazelas e avançar em nossa sonhada prosperidade, com justiça social. O Brasil é o que é e será o que quisermos e pudermos fazer. Como disse Caetano Veloso: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

Foto: shutterstock

(*)Artigo publicado inicialmente no jornal O Globo, no dia 22/8/24. Reprodução autorizada.


José Eustáquio Diniz Alves

Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE. Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br. Link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

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