Haverá aumento de casos da doença e mais gastos com medicamentos e cuidadores.
Por Felipe Bueno (*)
A Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou, em seu relatório mundial de Alzheimer de 2021, que o Brasil estará entre os países mais afetados por essa doença no futuro — a enfermidade tende a acometer as nações mais populosas do globo, especialmente as de média e baixa renda. No cenário nacional, cerca de 1,2 milhão de pessoas sofrem com alguma forma de demência e, ao levar em conta as estimativas da Alzheimer’s Disease International de que, em 2050, mais de 130 milhões de pessoas no mundo vão viver com a doença, evidencia-se que existe uma crise global de saúde.
A condição
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Sob esse cenário, Mônica Yassuda, docente do curso de Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP), discorre que os fatores socioeconômicos estão ligados diretamente às condições ambientais para desenvolver a doença de Alzheimer. Isso ocorre devido à ineficácia dessas nações em promover educação de qualidade, cuidados em saúde e alimentação nutritiva à população.
“Países de baixa renda têm dificuldade de oferecer educação elevada a seus cidadãos e de mantê-los na escola por vários anos. Essas pessoas com menor escolaridade têm maior chance de ter empregos menos qualificados e mais braçais, que podem reduzir a chance da estimulação cognitiva oriunda da vida ocupacional, reduzindo a reserva cognitiva, ou seja, a capacidade de continuar tendo um bom desempenho cognitivo, mesmo na presença de doenças neurodegenerativas”, conta.
Segundo a especialista, existem causas genéticas e ambientais para o desenvolvimento da doença, que ocorre após os 65 anos na maioria dos casos, e o fator de risco genético mais forte é o alelo E4 do gene da Apolipoproteína E (APOE), localizado no cromossomo 21. Para os quadros diagnosticados antes dos 65 anos, existem outros marcadores genéticos que explicam a presença do Alzheimer, o que sugere que ela pode começar antes dos sintomas se manifestarem efetivamente — apesar de sofrer influência da idade, a doença não é considerada normal ao envelhecimento.
“Além da genética, existem fatores de risco ambientais para a DA. No Brasil, a baixa escolaridade foi o fator de risco mais importante, seguido pela hipertensão e perda auditiva”, afirma a professora. Uma pesquisa de 2023, realizada pela Faculdade de Medicina da USP com dados do estudo ELSI, indicou que cerca de 48% das demências no País são explicadas por 12 fatores de risco — a doença de Alzheimer é o subtipo de demência mais frequente, mais de 50%.
Essas ameaças estão divididas em: sedentarismo, fumar, excesso de álcool, poluição do ar, ferimentos na cabeça, ausência de contato social, baixa escolaridade, obesidade, hipertensão, diabetes, depressão e deficiência auditiva. Mônica comenta que houve diferença entre as regiões mais pobres e as mais ricas, revelando que as mais vulneráveis possuem maior taxa de risco, mas sem diferenças significativas ao analisar apenas a cor de pele.
Efeitos ao indivíduo e à sociedade
“Ela é definida como uma síndrome clínica, que afeta gradualmente o desempenho cognitivo e as atividades de vida diária. Mais frequentemente, a memória episódica sofre alterações e há grande dificuldade de realizar novas memorizações, isto é, a pessoa tem contato com uma informação nova e ela não é registrada para acesso posterior”, explica. Além disso, ela diz que podem ser observadas alterações na habilidade de navegação espacial do indivíduo, dificuldade no planejamento de atividades rotineiras e alterações na linguagem, o que leva ao comprometimento no trabalho e em funções sociais.
A doença é progressiva e possui os sintomas divididos em três fases: leve, identifica-se falhas de memória e esquecimentos constantes; moderada, o paciente necessita de ajuda para realizar tarefas simples; e avançada, quando o enfermo precisa de auxílio em qualquer atividade que for fazer. Alguns sinais podem ajudar no diagnóstico precoce do Alzheimer, como dificuldade na realização de tarefas habituais, na comunicação, no raciocínio e mudanças de personalidade ou alterações frequentes de humor e comportamento.
Imagem: shutterstock
Em relação à sociedade, de acordo com a docente, deverá haver um aumento nos gastos com a saúde pública no Brasil, visto que o envelhecimento da população levará ao aumento de casos entre os brasileiros. “A doença de Alzheimer é onerosa para a sociedade e para as famílias, devido às várias demandas de cuidados que essa doença apresenta. Existem custos elevados relacionados com medicamentos e com cuidadores, que muitas vezes são pessoas da família que deixam de trabalhar para cuidar”, discorre.
Foto: Mabel Amber/Pixabay
Para além disso, irá existir um maior número de pessoas com demência em ambientes sociais e institucionais diversos, o que acarretará na expansão de campanhas educativas e de conscientização sobre a doença para que sejam construídos espaços inclusivos a esse grupo. Perante esse aspecto, os países têm tomado dianteira nessa prática, realizando um progresso na implementação de campanhas de conscientização, sob a liderança da sociedade civil.
Medidas paliativas
Mônica Yassuda afirma que as características neuropatológicas da doença de Alzheimer permaneceram iguais nos últimos 100 anos, desde sua descrição inicial, e, apesar de não possuir cura, recentemente surgiram medicamentos que reduzem cerca de 30% do ritmo de declínio cognitivo. “Assim, com essas medicações, a pessoa não é curada, mas progride mais lentamente. Entretanto, as novas medicações são muito caras, podem gerar efeitos colaterais como sangramentos no cérebro e ainda são de difícil acesso”, explicita.
Segundo a especialista, atualmente há grande valorização da prevenção das demências por meio de um estilo de vida mais ativo e saudável. O estudo LatAm-FINGERS, no qual o Brasil participa junto de outros 11 países latino-americanos, está testando a eficácia de um protocolo com dois anos de duração, que inclui atividade física e exercícios cognitivos semanais, a adoção de padrões nutricionais da dieta MIND e controle de doenças crônicas.
(*) Felipe Bueno escreve para o Jornal da USP, fonte desta matéria.
Foto destaque: Shvets production/pexels