A prática de atividade física representa uma grande dificuldade para a maioria das pessoas que não veem a menor “graça” nos exercícios, sejam eles com peso e no próprio solo. De fato, não é fácil, principalmente quando não se tem como hábito e parte da vida e sim como obrigação porque o médico mandou e “dizem” que faz bem para a saúde.
Passar a importância da atividade corporal – e não importa qual seja – parece ser questão fundamental para as academias, acostumadas a receber, até então, jovens e adultos já educados e acostumados a malhação.
Mas o cenário mudou. Hoje, se uma escola quer se manter no mercado, torna-se obrigatório o treinamento de seus profissionais educadores físicos para lidar com uma população que envelhece “a galope” e que quer se exercitar. Diferentemente dos primórdios em que poucas eram as academias nos bairros, não havia interesse da maior parte da população idosa, aliás, nem se pensava no assunto, hoje “o movimentar-se”, é visto com outros olhos.
Ligado a todas essas questões, o site “O Diário” traz a reportagem da professora de educação física Maria Alice Corazza, 67 anos, uma legítima especialista em fazer os mais velhos malharem. Palestrando pelo país, ela ainda é autora de um livro e DVDs que ensinam técnicas de ginástica para a terceira idade. Também conta com um quadro sobre o mesmo tema em um canal de TV em São Paulo. Brincando ela diz, “Sou a Xuxa da terceira idade”.
Maria Alice se diz “no auge na carreira”. Ela incentiva alunos de educação física a se especializarem em serviços voltados aos idosos, existe espaço, o campo é próspero e ainda há carências. Segundo ela, as academias de ginástica que não se adaptarem para atender a esse público estão condenadas à falência.
Muitas vezes, detalhes fazem a diferença. Para ela, para estimular os idosos a malharem, mais vale um bolero que os bate-estacas comumente tocados nas academias. Segue abaixo entrevista que o site “O Diário” realizou com Maria Alice Corazza.
As academias estão preparadas para o público da terceira idade?
Falo de cadeira, a academia que não tiver um segmento para essa faixa etária vai quebrar. Esse público está crescendo e hoje tem poder aquisitivo, situação bem diferente da realidade do passado. O empresário precisa ficar atento, porque há demanda para roupas de ginástica, acessórios, tudo o que você imaginar.
Então as opções para os idosos estão limitadas?
O idoso tem grana e muito empresário não acordou para esse mercado. Hoje já temos academias para a terceira idade que parecem um clube, com sala até de carteado. Esse tipo de clube vai se espalhar, será uma coqueluche no futuro, porque eles estão com dinheiro. Já dei palestra em cruzeiro marítimo fretado por idosos. Tem personal trainer especializado nessa faixa etária, as oportunidades são muitas, principalmente na minha área, que é a educação física.
A senhora está há dez anos na televisão, dando dicas de exercícios para idosos. Como tem sido a receptividade?
Para eles, virei a Xuxa da terceira idade. Acaba o programa na TV e recebo telefonemas, o carinho é muito grande. Não é só na TV, nas aulas também. Os idosos idolatram os professores de educação física, nos amam igual ou mais que a família. A gente vê que isso acontece porque os aceitamos como eles são. Já a família não aceita tanto o idoso, estão cansados deles.
O que tem motivado os velhinhos a saírem de casa para ir à malhação?
Tem aquele que vai atrás porque o médico fala que ele se não fizer exercício vai morrer. Tem também aquele que começa a fazer ginástica após os 60 anos porque está na moda, e tem ainda a geração que vai por cultura. É bem diferente da realidade dos jovens. O jovem faz exercícios para ter um corpo sarado, a mulher quer cintura fina, bumbum durinho. Os garotos querem braços fortes, barriga de tanquinho. Já o idoso busca apenas ter um corpo sadio e por isso o retorno é rápido. Ele não tem que trabalhar o visual. Para as mulheres, conseguir mexer os braços para abotoar o sutiã já é um alívio. O idoso quer independência para carregar as compras e amarrar os sapatos, ter qualidade de vida.
Não chega uma altura da vida que é melhor descansar do que ir até uma academia para fazer exercícios?
Tenho aluna de 100 anos fazendo hidroginástica, que está melhor que a filha, com 70. Mas o trabalho não deve ser só físico, não acredito que só focar na parte física resolva. Você está dando aula de hidroginástica, todo mundo te acompanhando, quando, de repente, uma aluna para e pergunta à outra sobre uma receita de pudim. Isso faz parte do contexto. Para os idosos, o lado psicológico e social vale mais do que físico. É importante ter esse contato.
A senhora começou a trabalhar com idosos nos anos 70. O perfil desse público mudou?
Quando comecei, quem tinha 45 ou 50 anos já era idoso. Só faltava cruzar as mãos no peito e colocar o algodãozinho no nariz. Tinha muito morto-vivo por conta do preconceito tanto da família como da própria pessoa daquela idade. Ter alguma atividade física nessa altura da vida era visto como algo que dava vergonha. Até meu orientador me achou louca, quando falei que minha pesquisa na faculdade seria sobre a atividade física para idosos. Naquela época nem eu imaginava que estaria aqui, aos 67 anos, dando aula prática. Os alunos eram submissos e carinhosos. Hoje o carinho é o mesmo, mas eles contestam e não fazem o que não quiserem.
A senhora diz que não esperava chegar aos 67 anos dando aulas práticas de exercícios. Até quando vai esse pique?
Dentro da minha área, como professora de educação física, dou palestras, treinamentos, aula para pós-graduação, tenho um quadro na TV e ainda dou consultoria para academias, spas e hotéis. São 43 anos na área e hoje estou no auge da minha carreira. Isso só foi possível porque estou trabalhando com a terceira idade. Até quando vai não sei. Mas espero despertar o interesse dos mais jovens para esse mercado.
Os profissionais de Educação Física têm saído da faculdade preparados para atender esse público?
Nem todas as instituições têm focado isso. Quem já está trabalhando também é recente. O que eu digo é que o profissional que pensa em trabalhar com idosos tem que ter amor, paciência para repetir a mesma coisa 300 vezes sem alterar a voz e ser despojado de qualquer frescura.
Despojado?
Não tem essa de falar “vamos levantar a mãozinha, agora o pezinho”, achando que o idoso é um bibelô, que vai quebrar. O idoso precisa de paciência, não de frescura do professor.
O DIÁRIO – Quais erros a senhora já identificou como frequentes nas aulas de exercícios para idosos?
É não ter paciência, não saber ouvir. Tem muita academia onde a música que toca é aquela do gosto do proprietário. Se consultasse os alunos, saberia que se colocar um bolero eles endoidam. Tem que colocar música antiga. Idoso adora música, é só ouvir o barulho de uma tampa de panela caindo no chão que eles já estão dançando.
Um dos seus trabalhos é a dança como terapia. É a preferida dos velhinhos?
Sem dúvida é uma das principais atividades de entretenimento. Principalmente entre as mulheres, porque nessa idade parece que só sobrou mulher. Não sei o que a gente tem, que matamos vocês mais cedo. E com essa melhora na economia, já tem muitas que não se submetem mais a dançar mulher com mulher. Estão contratando dançarinos,os personal dancers.
É moda agora?
As senhoras que têm grana hoje mandam buscar o dançarino e pagam 100 reais a hora. O motorista entrega o rapaz no clube. Se ela não tem dinheiro para pagar sozinha, chama mais três, quatro amigas pra rachar e elas dançam a noite inteira, têm gasolina azul, pique mesmo para dançar. Até dançar com as mulheres da terceira idade está dando dinheiro, para você ver como o mercado tem muitas oportunidades. Esse público também é responsável pelo resgate das orquestras nos clubes dançantes.
Maringá tem vários aparelhos de ginástica ao ar livre, em espaços batizados de Academias da Terceira Idade. A senhora acredita que é um incentivo à atividade física?
Sou contra, porque me preocupo muito com acidentes. Deveria ser cercado e só abrir quando um instrutor estivesse presente. A velhinha sobe em um daqueles aparelhos que vão pra lá e pra cá e mandam ver, até sair voando. Já vi País afora acidentes sérios, com fraturas ou torções. Se o idoso tem uma fratura e fica prostrado na cama, fica sedentário,começam as complicações. Ele não dura mais que dois anos. Acho que só é válido se tiver um professor sempre por perto, mas a gente sabe que isso não acontece.
Referências
LINJARDI, F. (2012). ‘Xuxa da 3ª idade’ dá a receita do sucesso. Disponível Aqui. Acesso em 19/03/2012.