Melhoria nos relacionamentos interpessoais, algumas participações na definição de políticas internas, liberdade de expressão através do jornal do conselho de representantes, tudo isso poderia parecer uma grande conquista se comparado com a maioria dos comportamentos das empresas privadas. Seria a isso que se resumiria a proposição de uma democracia participativa?
Waldir Bíscaro *
Após quase dez anos de criação do sistema de representação o movimento se burocratizara ou, melhor, se estagnara. Os dois governos que vieram em seguida ao do Professor Montoro não tinham nem de longe a visão preconizada por ele. Enquanto o banco funcionasse como uma espécie de “cofrinho” do executivo, para cobrir as benesses a serem distribuídas aos confrades… tudo bem. E quando o Banco Central interveio ao final de 1994, houve alguém com moral para se contrapor a essa intervenção? As portas para a privatização estavam escancaradas.
O que poderia ter impedido esse desfecho?
A única justificativa para o Banespa manter-se empresa pública seria uma mudança radical nas suas relações com o mercado.
O órgão de representação apenas se interessava pelas relações com o funcionalismo e não tinha nenhuma posição crítica quanto ao papel do banco em seu tratamento do mercado. O único conselheiro eleito que fazia circular temas com críticas à atuação do banco no mercado era eu.
No jornal do conselho escrevia uma coluna intitulada: Textocassetada, onde expunha minhas ideias. Lá escrevi um texto sob o título: “Entre a Brahma e a Tubaína”, onde criticava a política do banco que dava prioridade de investimento às grandes empresas e negligenciava as micro, pequenas e médias. Outro texto foi “Um Conto de Natal” onde criticava o tratamento dado pelo banco aos pequenos empreendedores.
Sabendo que recebia críticas dos economistas do banco por conta de minhas ideias, resolvi abrir o jogo. Que sabia eu, um psicólogo, a respeito do negócio bancário? Bem, poderia responder que passara metade de minha vida profissional treinando e desenvolvendo gerentes de bancos, mas deixei pra lá. Então contei a história de Apeles e o sapateiro, quando o pintor pede ao sapateiro que não vá além das chinelas e concluí com uma “antimoral” da história: “Muitas vezes, a verdade vem da boca de quem nada entende”.
Em julho de 1992, produzi um texto de dezoito páginas sob o título: “Para que Banespa?” onde finalizava: Se for para atuar como os bancos privados, não há razão para a sua existência como banco público.
Em todo caso, procurei nos estatutos do banco como eles definiam os objetivos da instituição e lá encontrei essa pérola: Praticar Operações Bancárias. Isso nunca foi definição de objetivos. Isso não passava de pura tautologia.
Estaria eu voando e inventando rumos diferentes para uma instituição bancária? Haveria no mercado alguma experiência diferente? Não só havia como já expusera em meu “Textocassetada”.
Minhas propostas se baseavam na experiência vitoriosa do “Grameen Bank”, fundado por Mohammed Yunus, em Bangladesh. Esse foi o primeiro banco, no mundo, especializado em microcrédito, sua proposta era a erradicação da pobreza e os empréstimos se destinavam aos empreendedores pobres que, por sinal, eram os melhores pagadores. Yunus obteve em 2006 o Prêmio Nobel da Paz, mas poderia ser também o Nobel de Economia. É que de cada quatro microtomadores, três melhoraram seu padrão de vida, escapando da linha de pobreza e o Grameen tem hoje mais de mil agências e vai muito bem-obrigado.
…, mas, quem era eu? Psicólogo, metido a economista e, mais ainda, era oposição.
*Ne sutor supra crépidam = Não (suba) o sapateiro acima da sandália.
* Waldir Bíscaro – Filósofo e psicólogo e ex-professor de Psicologia do Trabalho na PUC/SP. E-mail: [email protected]