O que move essa mulher é uma força ancestral, o desejo de perdão e paz. Busca se reconciliar com seu passado, sua família, seu povo. Mas resta pouco tempo.
Restam poucas mulheres para contar a história mais triste da história envolvendo a Coreia e o Japão.
Nada disso representa o real motivo a mover essa senhora que se revelará na segunda parte do filme como uma adorável velhinha dona de um imenso coração. O que move essa mulher é uma força ancestral, o desejo de perdão e paz. Busca se reconciliar com seu passado, sua família, seu povo. Mas resta pouco tempo. A velhice já levou quase todas as suas colegas e a única com quem ainda se relaciona começa a perder a batalha para o Alzheimer.
Falar inglês se torna então uma questão de vida ou morte, pois ninguém a levará a sério falando em coreano o assunto que tem a tratar com o mundo. Mas o que essa mulher tem a tratar com o mundo? É o que veremos na segunda parte do filme. Muda tudo. Os gracejos dão lugar a uma profunda reflexão.
Mergulhamos em um quase documentário sobre as “mulheres de conforto”, eufemismo criado pelos japoneses para encobrir o comportamento bárbaro do Exército Imperial que durante a ocupação militar da Coreia sequestrou e abusou de mulheres que hoje seriam classificadas como crianças e adolescentes.
A atriz Na Moon Hee representa uma dessas mulheres. Sequestrada aos 13 anos de idade, em 1943, virgem, sofreu abusos diários de 20 a 60 vezes. Espancada, queimada com ponta de cigarro, marcada a ferro e fogo, presa a espera da próxima vez. Escrava sexual.
Hoje, a personagem do filme estaria com 88 anos. Na prática, restam poucas sobreviventes para contar a história. E olhe que foram muitas mulheres, praticamente todas da zona rural. Tem quem calcule em 80 mil e quem estime que passou dos 200, das quais, 80% coreanas.
O Japão se desfez de toda a documentação que pudesse incriminá-lo. Não reconhece oficialmente e não se desculpa com receio de pagar fortunas em indenização. Por outro lado, leis da época davam verniz legal aos sequestros de mulheres em terras coloniais. Eram, no jargão militar, recrutadas.
Com o fim da guerra, os japoneses trataram de eliminar o maior número possível dessas mulheres. Muitas sobreviventes morreram nos anos seguintes por não conseguirem se adaptar à sociedade patriarcal que culpava a vítima por ter se tornado impura. Quem não sucumbiu ao suicídio, isolou-se nas grandes cidades, passou a viver longe da família e em guerra com seu passado.
I can speak english é o que dirá nossa heroína no lugar da colega como quem paga uma dívida àquela que a impediu de se matar de vergonha. Chocará o Congresso americano e o mundo não apenas falando, mas provando para congressistas boçais que duvidavam da história.
A Coreia reconheceu e perdoou as “mulheres de conforto”, muitos coreanos festejaram a coragem daquelas que foram depor e expor suas feridas. Outros acreditam que podiam viver sem expor essa vergonha. Preocupados com o próprio umbigo, usam como escudo a cultura, a tradição, a família e coisas do tipo para manter a realidade sob o véu da contradição.
A personagem do filme, representando os personagens reais que levaram o Congresso americano a reconhecer e aprovar a Resolução HR 121, encontrou a paz depois de uma tremenda batalha, reconciliou-se com o irmão, único familiar vivo de quem tinha notícia, e foi aclamada pela vizinhança do bairro.
Para a grande maioria, o perdão e a paz chegaram muito tarde. E sobre o pedido de desculpas do Japão? Quem liga!