A morte que acolhe, uma morte digna

A morte, a mais terrível das inimigas. Cruel, impiedosa e porque não dizer irônica. Muitas vezes nos chamando no “melhor da festa”, nos privando da vida, pronta para ser vivida. Mas será a morte assim, sempre temida? Bem, parece que não. A indústria farmacêutica Pfizer realizou um estudo que apresenta resultados bem diferentes sobre o medo da “maldita”.

 

 

a-morte-que-acolhe-uma-morte-dignaSegundo a pesquisa, quase dois terços das pessoas com mais de 65 anos nos Estados Unidos têm mais medo de perder sua independência ou viver com dor e limitações físicas do que da própria morte.

A Agência EFE explica a intenção do estudo: “O relatório, feito com 1.017 pessoas maiores de 18 anos, tem como objetivo incentivar o diálogo entre gerações sobre o significado de envelhecer na sociedade americana, e parte da premissa de que diariamente cerca de 10 mil pessoas completam 65 anos no país e que a maioria deles espera viver até os 90”.

“Enquanto 7% dos maiores de 65 anos afirma que sua principal preocupação é a morte, 64% respondeu que seu maior medo é perder a independência ou viver com dor e limitações físicas”. O estudo também revela que apenas um quarto dos americanos (25%) deseja viver com um parente mais jovem se chegasse a um ponto de não conseguir mais ficar sozinho. Por outro lado, 51% dos americanos entre 18 e 65 aceitaria viver com um dos pais.

A médica Freda Lewis-Hall, diretora da Pfizer disse: “Todos temos uma coisa em comum, a cada dia, envelhecemos. Em cada idade e etapa, podemos tomar decisões e fazer coisas que nos ajudarão a viver mais e melhor. Hoje há muitos modelos positivos que estão mudando a maneira que se percebe o envelhecimento”.

O que passa a inviabilizar tudo, qualquer movimentação ou iniciativa diante da vida, são as limitações, as dores e a consequente dependência do outro. Um processo que, aos poucos, deprime, debilita e fragiliza qualquer indivíduo. Nesta dura situação, quem diria, o abraço da morte passa a ser acolhedor e bem vindo.

Andy Carter, presidente da Visiting Nurses Association, afirma: “Cada um tem uma perspectiva diferente sobre o processo de envelhecimento. Para muitos dos que enfrentam desafios de saúde pode ser fonte de angústia, enquanto para os que estão saudáveis pode ser uma experiência muito positiva”.

Delicados temas de comportamento e de contemporaneidade

A condição de saúde e o estado emocional parecem nortear os caminhos de vida e morte. Dizem que, consciente ou inconscientemente, sabemos quando chegará nosso último suspiro e talvez seja, exatamente por isso, que os processos irreversíveis que as doenças nos impõem acabam nos dando certa clareza e aceitação dessa imagem sinistra e melancólica que temos da “senhora morte”: a última mãe que acolhe.

E por que, nesses casos terminais, não podemos fazer “a escolha”? Eliane Castanhêde, jornalista do jornal “Folha de S.Paulo”, em sua matéria “Morte Digna”, comenta a questão: “Apesar de ferozmente divididos em votações que comportam tendências ideológicas e preferências partidárias, os ministros do Supremo Tribunal Federal têm sido majoritariamente, quando não unanimemente, a favor de avanços nos delicados temas de comportamento e de contemporaneidade”.

Castanhêde explica o direito à morte digna: “Não se trata ainda de eutanásia, em que os médicos podem agir ativamente para apressar a morte e abreviar o sofrimento de pacientes terminais, sem chance de cura. Trata-se da possibilidade de retirar tubos, agulhas e toda a parafernália que não serve para salvar uma vida, mas para postergar uma morte inevitável”.

Mas a pergunta que muitos fazem é: E a esperança? Existiria um fiozinho de possibilidade, um milagre que pudesse trazer a pessoa querida que sofre, na carne e na alma, à vida novamente? Como deixar, permitir que aqueles que amamos se retirem de cena para sempre?

Mas a jornalista, com clareza e entendimento dos “fatos irremediáveis” argumenta: “A pessoa quer ir, precisa ir embora. A tecnologia, aliada a dogmas, imposições legais e códigos arcaicos, não deixa. É de uma crueldade atroz, que martiriza o paciente e os que o amam. Neste caso, anos a fio, assombrando sonhos e noites insones”.

Quanto à tecnologia aliada ao prolongamento de uma vida já perdida, Eliane alerta: “Médicos são treinados para salvar vidas e gastam-se milhões mundo afora com o objetivo de curar, recuperar, garantir a sobrevivência. Necessário e louvável. Mas esses objetivos tão nobres não podem ser usados e servir de pretexto para resultados cruéis, porque inúteis”.

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“Pacientes com doenças incuráveis e os que os amam devem ter o direito, inclusive legal, de decidir com os médicos até quando lutar e resistir e a hora em que a guerra está perdida”.

A questão é: Como aceitar “a guerra perdida”. Nos percebermos impotentes e irremediavelmente sozinhos, quando o assunto é a morte dos “tão e sempre amados”. Como lidar e enfrentar os momentos finais?

a-morte-que-acolhe-uma-morte-dignaAmbulância dos Desejos

Cada um encontra seu próprio jeito de viver esses instantes delicados e sofridos. Mas alguns, levados por imensa criatividade e sensibilidade proporcionam para aqueles que se encontram a beira da morte a realização dos mais diversos e inusitados sonhos.

Uma certa família recorreu ao Serviço de Salvamento de Israel – Magen David Adom – (estrela de David vermelha, em tradução livre), depois de ouvir falar sobre o atendimento especial oferecido pela organização: “Ambulância dos Desejos”.

“Foi uma experiência maravilhosa para todos nós”, afirmou a mãe da noiva, Lea Akrish, à BBC Brasil. “A Ambulância dos Desejos trouxe Miriam ao casamento em Ashkelon e todos riram e choraram ao mesmo tempo, ao vê-la participando conosco da festa de casamento da minha filha”.

De acordo com os médicos, Miriam, que sofre de câncer no cérebro, pode morrer a qualquer momento. Mas, segundo o relato de Lea, seu estado de espírito “melhorou muito” depois de participar do casamento da sobrinha. “Antes do casamento ela já nem falava mais”, disse Lea, “mas durante a festa até chegou a cantar e a sorrir”.

“O projeto é aberto a todos os doentes terminais, de todas as origens, nacionalidades, raças e religiões”, afirmou Assi Dvilansky idealizador da “Ambulância dos Desejos” e também diretor de Projetos Especiais do Magen David Adom.

De acordo com Dvilansky, a Ambulância dos Desejos já levou um menino iraniano de 13 anos para ver a Mesquita de El Aqsa em Jerusalém Oriental, projeto que foi realizado com a colaboração da Turquia e da administração palestina da mesquita (Waqf).

“Apesar dos problemas entre Israel e o Irã, fizemos todos os esforços para possibilitar que aquele menino pudesse realizar seu sonho antes de deixar este mundo. Muitas vezes é bastante complicado realizar os desejos das pessoas, porém nós não poupamos esforços para dar a elas e a suas famílias a oportunidade de um momento feliz em meio às dificuldades que estão passando”, afirmou.

Uma equipe de paramédicos especialmente treinados acompanha os pacientes nas viagens. Dvilansky explica: “O paciente vê o caminho como se estivesse sentado ao lado do motorista. Já levamos pessoas para ver o mar, passear em Tel Aviv, conhecer o Mar Morto, participar de festas familiares, visitar museus. O serviço é grátis e aberto a todos”.

Sonhos para serem vividos, desejos a serem realizados, sempre, na vida e na morte. Quantos de nós já reservou um minutinho para os próprios desejos? E quantos de nós não poderíamos realizar o desejo de muito que nos cercam?

Referências

AGÊNCIA EFE (2012). Dois terços dos idosos nos EUA temem mais perder independência do que a morte. Disponível Aqui. Acesso em 19/06/2012.

CASTANHÊDE, E. (2012). Morte Digna. Disponível Aqui. Acesso em 11/05/2012.

FLINT, G. (2012). ‘Ambulância dos desejos’ em Israel realiza sonhos de doentes terminais. Disponível Aqui. Acesso em 26/06/2012.

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