Dezembro, classicamente, sempre foi considerado o mês das promessas de mudança para o nascimento do novo ano. Fazemos todos os tipos de juras como emagrecer, fazer atividade física regular, não cometer excessos – de qualquer ordem – finalmente encontrar um novo amor e quem sabe, se tudo der certo, a felicidade nirvânica. Será possível? Bem, muitos acham que as três uvinhas na passagem do ano operam milagres.
Luciana H. Mussi
Nesse processo de “fim e entrada de um novo step”, somos motivados – seja interna ou externamente – pela necessidade de transformação e é impressionante como a palavra carrega um certo “quê” de positividade. Nunca pensamos em transformação como algo negativo, tem normalmente algo de bom, elevado e necessário para nos tornarmos pessoas melhores com passagem sem escalas para um céu idealizado.
Neste momento específico quando assistimos a vídeos ou textos que falem de “transformações”, logo pensamos: esta aí algo que preciso fazer.
O vídeo da conhecida Monja Coen fala um pouco sobre tudo isso, mas acima de tudo, sobre sua história de vida, seu próprio processo de transformação:
“Meu nome budista é Coen, eu nasci aqui em São Paulo, no bairro do Pacaembu onde eu vivi toda a minha infância e eu tive um emprego extraordinário – uma abertura de consciência – que foi trabalhar no Jornal da Tarde. Eu acho que foi aí que a minha transformação começa a acontecer porque entrevistamos pessoas de todos os níveis sociais e descobrimos uma coisa comum: todo ser humano quer ser feliz”.
A utopia da felicidade, como esperar que esse tal estado desejado seja uma constante na vida? Vivemos entendendo nossos extremos emocionais, uma compreensão que pode estar nos livros, nos filmes, na arte, nas conversas descompromissadas ou até em “esconderijos internos”.
Uma vida, como qualquer outra
“Eu me casei muito cedo, tenho uma filha, uma neta, gostava de andar de motocicleta, sou prima dos mutantes. Passei uma época na Europa e quando eu voltei estava cheia de rock and roll na cabeça. Eu resolvi ficar perto deles, encontrei um jovem que foi meu marido. Ele fazia a iluminação do Alice Cooper. Com ele fui para os Estados Unidos, nos casamos e nessa época eu encontrei o Zen. Os Beatles meditavam, Pink Floyd estava envolvido com meditação e aí ei fui procurar… Procurei o Zen ..cheguei lá e falei: é isto aqui”.
“Passei a morar na comunidade, me separei do meu marido roqueiro, a gente chegou a fumar maconha nessa época, Mas, eu parei com tudo que fosse droga, não era mais importante porque eu encontrei um outro caminho, a respiração consciente. Eu me sentava em meditação e falava ‘nossa, essa é a viagem mais incrível que eu já fiz’”.
“Essas experiências me abriram o olhar (…) e isso, para mim, foi muito importante. Essa transformação interna que a própria frase de Buda quando se ilumina dizendo: ‘Eu, a grande terra e todos os seres, simultaneamente, juntos nos tornamos o caminho’. Então todas as experiências que eu tive no Japão tanto as que foram agradáveis quanto as desagradáveis elas passaram a fazer parte da minha trajetória, desse meu caminho, mas é preciso que tenhamos objetivos, é preciso que tenhamos opinião fazê-la bonita e brilhante”.
E é essa consciência sobre a vida e as relações humanas que comandam a vida da Monja Coen: “Não queira ser especial. Você é especial. E aquilo que você fala, faz e pensa mexe na teia da vida. Como que você quer a teia da vida? Vamos fazê-la bonita?”.
Parece simples, mas só Coen saberá dizer o quão complexo foi esse caminho, muitas vezes, atravessado por flechadas de sacrifício, dores e um almejado reconhecimento de saber quem se é e quem é esse outro, estranho, enigmático e cruel que insiste em entrar nas nossas vidas.
Coen diz que ter objetivos e opinião é fundamental na trajetória. A chinesa Christine Yufon sabe disse nos seus quase 90 anos de vida com múltiplas histórias para contar e se deliciar.
Uma outra história
Casada com um francês, Christine deixou a China um pouco antes de Mao Tsé-tung subir ao poder e descobriu, de uma hora para outra, que não poderia mais voltar para casa. Seu apartamento, móveis, lembranças e a coleção de arte chinesa antiga herdada do pai ficaram para trás. Chegou em São Paulo vinda da França no início da década de 50, com marido, filho pequeno, grávida de sete meses e com uma bagagem e um potencial cultural prontos para serem explorados.
É interessante como os imigrantes carregam a vida e a cultura do país de origem. Uma roupagem que permanece tatuada no corpo e na alma e que, em muitos momentos, os lembra quem realmente são e de onde vieram.
Christine se tornou a primeira modelo étnica brasileira e trabalhou por anos nas casas tradicionais de moda do país. Virou ideal de mulher elegante e abriu nos anos 60 sua escola de etiqueta e postura pessoal, ainda em funcionamento.
Nos anos 80, seu interesse concentrou-se na escultura e em pouco tempo teve suas peças expostas no MASP e também na China. Perto dos 80 anos revelou uma nova faceta de sua vida profissional, a de designer de acessórios.
Segundo Christine Yufon, “o que realmente importa é poder olhar para o outro com compaixão e amor. É saber que saímos todos do mesmo lugar – do útero de uma mulher –, vamos todos morrer e, por isso, devemos viver a vida plenamente, sempre olhando para o copo meio cheio – nunca meio vazio. O que importa é ter quase 90 anos e ser uma pessoa leve, feliz, querida pelos amigos – muitos deles com idade para ser seus netos –, rodeada pela família, ativa e espiritualizada. É saber que, por não se levar tão a sério, tem a liberdade de se reinventar a cada dia. E isso nenhum passado de conquistas materiais ou sociais consegue garantir”.
Muitos relacionam o nome de Christine apenas a luxo, glamour e sofisticação. Mas, assim como a Monja Coen, a competente chinese descobriu-se e não precisou chegar em “dezembro” para que isso acontecesse.
Referências
VÍDEO (2012). Persona – A transformação em uma monja. Disponível Aqui. Acesso em 05/11/2012.
TERCEIRA IDADE CONECTADA (2012). Christine Yufon. Disponível Aqui. Acesso em 17/10/2012.