Minha autoestima de cabelos brancos

Até quando terei cabelos brancos? A autoestima começa a ser abalada com a possibilidade da ausência deles, mas enquanto os brancos estão aí, ela agradece.


Lembro de um tio que tinha os cabelos brancos como algodão doce. Uma vasta cabeleira branquinha. Aquilo me fez suspeitar que aquela seria minha cabeça amanhã. E os brancos não demoraram a aparecer. Os primeiros que surgiram tratei de arrancar na unha, mas logo eram tantos que a estratégia só podia ser uma, pintá-los. Devia ter entre 45 e 50 anos quando me vali da experiência da minha mulher, que pintava o cabelo por diversão, para me orientar sobre a técnica de misturar os produtos, aplicar, esperar o tempo de reação, tirar o excesso com água corrente e assim recuperar minha autoestima num passe de mágica.

Mas as tinturas caseiras – além da sujeira – têm tons fortes que acabam denunciando o disfarce para quem tem olhos treinados. Em poucos anos o grisalho ganha a luta, se impõe e o jeito é comprar a ideia que ele está de acordo com a idade, tem seu charme. O gris é um efeito visual que se obtém com uma porcentagem de preto e branco. A própria natureza se encarrega de apresentar um resultado gratificante e não faltam elogios. Perdi meu tempo pintando, reconhece a autoestima serelepe.

Mas logo essa porcentagem sofre um desequilíbrio natural, cada vez existem mais brancos do que pretos e o grisalho perde seu charme, seu viço, e o esbranquiçado passa a incomodar a autoestima. Neste momento entra em cena o cabeleireiro com seu processo de luzes ao contrário para criar um falso grisalho. Como? Enfia uma toca na sua cabeça e com uma agulha separa tufos e tufos de cabelos a serem pintados de preto para devolver o equilíbrio que resulta no grisalho que havia se perdido.

Esse processo é doloroso, a agulha, por mais que o cabeleireiro seja cuidadoso, fura o coro cabeludo, e não é barato como a tintura. Será que volto a pintar? As mulheres, de uma maneira geral, aderem às luzes e vão, com a idade, se tornando todas loiras. O ponto positivo desse processo é que pouca gente percebe o truque, quase ninguém, mas é um sacrifício.

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A Batalha da Vaidade dura de acordo com a precocidade dos brancos que depende da genética, a minha durou entre dez e 15 anos. Em algum momento, entre os 55 e os 60, baixei a guarda e me rendi aos brancos. O render-se aqui tem gosto de libertação e os cabelos brancos acabam por se impor, ser admirado e reconhecido, e a autoestima, desmemoriada, agradece: nunca devia ter pintado nada.

A preocupação passa a ser outra, até quando terei cabelos brancos? A autoestima começa a ser abalada novamente com a possibilidade da ausência deles, e enquanto os brancos estão aí, ela, agradecida, se orgulha e agradece, feliz com seus cabelos brancos.

Foto destaque de eberhard grossgasteiger no Pexels


Mário Lucena

Jornalista, bacharel em Psicologia e editor da Portal Edições, editora do Portal do Envelhecimento. Conheça os livros editados por Mário Lucena.

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